O direito fundamental à solidariedade: A aplicação do instituto no direito civil

AutorJorge Renato dos Reis - Letícia Regina Konrad
CargoDoutor pela Università Degli Studi di Salerno, Itália - Mestranda em Direitos Sociais e Políticas Públicas na Universidade de Santa Cruz do Sul, UNISC, linha de pesquisa Constitucionalismo Contemporâneo e Bolsista CAPES
Páginas59-87

Page 59

IssN Eletrônico 2175-0491

O DIREITO FUNDAMENTAL À SOLIDARIEDADE: A APLICAÇÃO DO INSTITUTO

NO DIREITO CIVIL

THE FUNDAMENTAL RIGHT TO SOLIDARITY: APPLICATION OF THE INSTITUTE IN CIVIL

LAW

EL DERECHO FUNDAMENTAL A LA SOLIDARIDAD: LA APLICACIÓN DEL INSTITUTO EN

EL DERECHO CIVIL

Jorge Renato dos Reis 1

Letícia Regina Konrad2 1 Doutor pela Università Degli Studi di Salerno, Itália. Doutor em Direito pela UNISINOS.

Mestre em Desenvolvimento Regional pela UNISC. Especialista em Direito Privado. Professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul. Autor de diversos artigos em revistas jurídicas no Brasil, na Espanha e na Itália. Membro do Conselho Editorial de diversas revistas jurídicas no Brasil. Líder e pesquisador-membro do grupo de pesquisa Constitucionalismo Contemporâneo: Intersecções Jurídicas entre o Público e o Privado, do Mestrado e Doutorado da UNISC.
2 Mestranda em Direitos Sociais e Políticas Públicas na Universidade de Santa Cruz do Sul –

UNISC, linha de pesquisa Constitucionalismo Contemporâneo e Bolsista CAPES. Integrante do grupo de Pesquisa Direitos Humanos coordenado pelo Prof. Pós Dr. Clóvis Gorczevski. Bacharel em Direito. Especialista em Direito Civil com ênfase em família e sucessões. Advogada. Mediadora Familiar. E-mail: leticiakonrad@gmail.com.

Revista Novos Estudos Jurídicos - Eletrônica, Vol. 20 - n. 1 - jan-abr 2015

Page 60

Doi: 10.14210/nej.v20n1.p59-87 ↀ

Resumo: A solidariedade constitui-se como objetivo fundamental do Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, pretende-se dialogar sobre a aplicabilidade do instituto frente às relações privadas, de modo a contemplar a seara contratual, ainda incipiente entre os intérpretes constitucionais. Para tanto, contextualizar-se-á a constitucionalização do direito civil a partir de uma breve abordagem entre os direitos humanos e os direitos fundamentais, enfatizando o Constitucionalismo Contemporâneo. Após, perquirirse-á compreender a (in)eficácia dos direitos fundamentais no direito civil, para que finalmente seja possível a compreensão da solidariedade como um direito fundamental, de aplicação imediata nas relações entre particulares. Para tanto, utiliza-se o método de abordagem hipotético-dedutivo com análise bibliográfica.

Palavras-chave: Solidariedade. Direitos fundamentais. Constitucionalização do Direito Civil. Relações Privadas.

Abstract: Solidarity is a fundamental objective of the democratic state. In this sense, we intend to talk about the applicability of the institute to private relations, in order to reflect on the still incipient contractual area between the constitutional interpreters. For this, it contextualizes the constitutionalization of civil law, based on a brief approach between human rights and fundamental rights, emphasizing the Contemporary Constitutionalism. It seeks to understand the (in)efficacy of fundamental rights in civil law, in order to make it possible to understand solidarity as a fundamental right, immediately applicable in relations between private individuals. We use a hypothetical-deductive approach, with a literature review.

Keywords: Solidarity. Fundamental Rights. Constitutionalization of Civil Law. Private Relationships.

Resumen: La solidaridad constituye un objetivo fundamental del Estado Democrático de Derecho. En ese sentido, se

Disponível em: www.univali.br/periodicos

60

Page 61

IssN Eletrônico 2175-0491

pretende dialogar sobre la aplicabilidad del instituto frente a las relaciones privadas, de modo que se contemple el campo contractual, todavía incipiente entre los intérpretes constitucionales. Para ello se contextualizará la constitucionalización del derecho civil a partir de un breve abordaje entre los derechos humanos y los derechos fundamentales, enfatizando el Constitucionalismo Contemporáneo. A continuación se procurará comprender la (in)eficacia de los derechos fundamentales en el derecho civil, para que final-mente sea posible la comprensión de la solidaridad como un derecho fundamental, de aplicación inmediata en las relaciones entre particulares. Para ello se utiliza el método de abordaje hipotético deductivo con análisis bibliográfico.

Palabras clave: Solidaridad. Derechos Fundamentales. Constitucionalización del Derecho Civil. Relaciones Privadas.

princípio da solidariedade é amplamente estudado e consolidado em alguns ramos do direito tributário e previdenciário, sendo conhecido e percebido constantemente nas decisões judiciais dessas searas. Entretanto, no presente trabalho, pretende-se tratar a solidariedade sob um enfoque não tão conhecido, no caso, o do direito civil, mais especificamente voltando-se para a seara contratual.

Sabe-se que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, Constituição Federal3). Entretanto, a aplicabilidade da solidariedade ainda é um tanto quanto

3 Sarmento destaca que a Constituição expressa a solidariedade como um princípio jurídico que apresenta eficácia imediata, irradiando-se em todo o sistema jurídico: “Assim, é possível afirmar que quando a Constituição estabelece como um dos objetivos fundamentais da República brasileira “construir uma sociedade justa, livre e solidária”, ela não está apenas enunciando uma diretriz política desvestida de qualquer eficácia normativa. Pelo contrário, ela expressa um princípio jurídico, que, apesar de sua abertura e indeterminação semântica, é dotado de algum grau de eficácia imediata e que pode atuar, no mínimo, como vetor

Revista Novos Estudos Jurídicos - Eletrônica, Vol. 20 - n. 1 - jan-abr 2015

INTRODUÇÃO

O

61

Page 62

Doi: 10.14210/nej.v20n1.p59-87 ↀ

incipiente por parte dos intérpretes constitucionais frente às relações entre particulares. Nesse sentido, pretende-se dialogar com a solidariedade na seara contratual e a sua aplicabilidade nas relações privadas.

Primeiramente, far-se-á uma abordagem dos direitos humanos aos direitos fundamentais para possibilitar o entendimento da iminente constitucionalização do direito civil e sua importância no constitucionalismo contemporâneo. Após, buscar-se-á evidenciar a questão da (in)eficácia dos direitos fundamentais no direito civil, para então, finalmente, possibilitar uma maior compreensão da solidariedade como um instrumento de direito civil. Assim, a problemática primordial consiste na aplicação do direito fundamental à solidariedade frente às relações privadas, tema ainda muito embrionário e, portanto, merecedor de uma reflexão.

Destaca-se que o estudo tem uma natureza bibliográfica, embasado na documentação indireta. O seu método de abordagem é o hipotético-dedutivo, fundamentado no estudo de doutrinadores da temática.

DOS DIREITOS HUMANOS AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: A

CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL

A percepção dos termos “direitos humanos” e “direitos fundamentais” como sinônimos4é uma confusão constante, entretanto, a doutrina esclarece ser a expressão “direitos fundamentais” gênero do termo “direitos humanos”. A expressão “direitos fundamentais” encontra-se relacionada aos “direitos humanos” previstos nas constituições nacionais, enquanto que o termo “direitos humanos” implica ser os direitos do ser humano previstos em tratados internacionais, ainda que estejam positivados na constituição de determinados países, apresentando

interpretativo da ordem jurídica como um todo” (SARMENTO, 2004, p. 295). Entretanto, no presente trabalho a perspectiva da solidariedade é voltada para a sua aplicação no direito civil, sendo a mesma percebida para tanto como um direito fundamental, que será explanado ao longo do artigo.
4 Pérez Luño (2005, p. 44) evidencia que os direitos humanos e os direitos fundamentais são utilizados muitas vezes como sinônimos. Realça que a doutrina tem enfatizado que direitos fundamentais designam os direitos positivados internamente e direitos humanos são os direitos naturais positivados nas declarações e convenções internacionais, assim como as exigências básicas relacionadas com a dignidade, liberdade e igualdade da pessoa que não tem alcançado um estatuto jurídico positivo.

Disponível em: www.univali.br/periodicos

62

Page 63

IssN Eletrônico 2175-0491

caráter supranacional5.

O termo direitos humanos6é expresso por várias nomenclaturas7: direitos naturais, direitos morais, direitos do homem, direitos do homem e do cidadão, direitos individuais, direitos do povo trabalhador, direitos fundamentais, direitos públicos subjetivos, liberdades públicas e a confusão terminológica é amplamente visualizada inclusive na Constituição Federal brasileira: direitos humanos (art. 4º, II), direitos e liberdades constitucionais (art. 5º, LXXI), direitos e garantias fundamentais (art. 5º, § 1º), direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º, IV).

Ante a problemática da delimitação conceitual e da definição terminológica dos direitos humanos8, Pérez Luño9esclarece que, conforme o momento histórico,

5 RE S, orge Renato dos. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais nas reREIS, Jorge Renato dos. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais nas relações interprivadas: breves considerações. In: Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 5. Santa Cruz do Sul: EDUN SC, 2005.
6 Para Streck e Morais (2003, p. 139) direitos humanos são um “[...] conjunto de valores históricos básicos e fundamentais, que dizem respeito à vida digna jurídico-político-psíquico-física e efetiva dos seres e de seu habitat, tanto aqueles do presente quanto daqueles do porvir, surgem sempre como condição fundante da vida, impondo aos agentes políticojurídico-sociais a tarefa de agirem no sentido de permitir que a todos seja consignada a possibilidade de usufruí-los em benefício próprio e comum ao mesmo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT