Direito Fundamental à defensoria pública

AutorKátia da Silva Soares Barroso - Lucienne Borin Lima
CargoDefensora Pública do Estado de Mato Grosso do Sul - Defensora Pública do Estado de Mato Grosso do Sul
Páginas381-418
BARROSO, K. S. S.; LIMA, L. B. 381
Rev. Ciên. Jur. e Soc. da Unipar, v. 10, n. 2, p. 381-418, jul./dez. 2007
DIREITO FUNDAMENTAL À DEFENSORIA PÚBLICA
Kátia da Silva Soares Barroso*
Lucienne Borin Lima**
BARROSO, K. S. S.; LIMA, L. B. Direito fundamental à defensoria pública.
Rev. Ciên. Jur. e Soc. da Unipar. Umuarama. v. 10, n. 2, p. 381-418, jul./dez.
2007.
RESUMO: O estudo retrata evolução da assistência judiciária até o surgimento
da Defensoria Pública. Apresenta o conceito e distinções entre justiça gratuita,
assistência judiciária e assistência jurídica, bem como aborda a natureza
constitucional da assistência jurídica e sua presença nas diversas constituições
brasileiras. Busca demonstrar que a existência e o vigor da Defensoria Pública
são exigências para o rompimento de importantes barreiras no acesso à justiça
e para a realização da isonomia democrática, evidenciando a importância da
Defensoria Pública como instrumento de inclusão social e sua contribuição para
a efetivação dos objetivos traçados no art. 3.º da Constituição Federal, garantindo
o acesso à justiça e a assistência jurídica integral e gratuita a todos os cidadãos
hipossuf‌icientes. Trata do dever do Estado de garantir a criação de Defensorias
Públicas em todo o país, estruturadas e capazes de assegurar o cumprimento de
suas funções, pois o cidadão tem o direito fundamental à Defensoria Pública, órgão
constitucional de assistência jurídica. Portanto, o grande desaf‌io é avançar para
que as instituições proporcionem, a qualquer cidadão, as condições necessárias
à busca da efetividade de seus direitos estabelecidos por lei, inclusive direito
ao provimento adequado das Defensorias Públicas. É buscar os caminhos que
garantam a inclusão social e a justiça aos que querem ter, ser e poder. Defensoria
Pública digna, aquela que o cidadão merece, é a que o aproxima da justiça social,
que proporciona a inclusão social.
PALAVRAS-CHAVE: Defensoria Pública; Acesso à Justiça; Assistência
Jurídica; Inclusão social; Direitos Fundamentais.
* Defensora Pública do Estado de Mato Grosso do Sul; Especialista em Direito Processual Civil
pela Universidade Católica Dom Bosco – Campo Grande/MS; Mestranda em Direito Processual e
Cidadania pela Universidade Paranaense – UNIPAR – Umuarama/PR. ksbarroso@terra.com.br
* Defensora Pública do Estado de Mato Grosso do Sul - Especialista em Direito Processual Penal pela
Universidade Católica Dom Bosco - Campo Grande, MS, Mestre em Direito Processual e Cidadania
pela UNIPAR.
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Rev. Ciên. Jur. e Soc. da Unipar, v. 10, n. 2, p. 381-418, jul./dez. 2007
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 134 (BRASIL, 2007)
consagra a Defensoria Pública como instrumento de inclusão social, em
consonância com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil,
principalmente os dispostos nos incisos I, III e IV do art. 3º (BRASIL, 2007).
Entretanto, a realidade mostra que a luta por modif‌icações legislativas é
apenas o primeiro passo para a efetivação de direitos. O grande desaf‌io, atualmente,
é solidif‌icar as instituições democráticas capazes de propiciar a concretização do
que foi anunciado pela Constituição de 1988, merecendo destaque neste contexto
a Defensoria Pública.
De acordo com o estudo realizado pelo Observatório Latino-Americano
de Política Criminal – OLAPOC (2004, p. 8), o Brasil ocupa posição de relevo
no quadro normativo-institucional da Defensoria Pública na América Latina,
por conferir caráter constitucional à Instituição incumbida de dar voz aos
despossuídos no sistema de Justiça.
Passados mais de dezenove anos da promulgação da Constituição de
1988, porém, tem-se a impressão de que a Defensoria Pública no Brasil ainda
não possui plenas condições de cumprir a missão que lhe foi conf‌iada, uma vez
que sua devida estruturação nas diversas unidades da Federação ainda não se
concretizou.
Talvez por ser a Defensoria a mais nova de nossas instituições jurídicas
(em média, 17 anos), mas, com certeza, também pelo seu imanente poder
transformador da estrutura social, a população em geral e a própria comunidade
jurídica ainda desconhecem a Instituição ou não lhe prestam o devido valor.
Assim, o presente trabalho, sem pretender esgotar o tema, busca aclarar
alguns aspectos sobre a Defensoria Pública no Brasil, com destaque para a sua
relevância como instituição concretizadora do direito fundamental de acesso
à justiça, bem como sua importância no processo de inclusão social, num
modelo de Estado que se autoproclama como de direito e democrático, mas que
simultaneamente convive com um profundo abismo social entre os que têm e os
que querem ter, entre os que são e os que querem ser, entre os que podem e os
que querem poder.
Exatamente pela constatação da distância existente entre o discurso
formal do Estado e a realidade social, foi que se optou por situar a Defensoria
Pública como instrumento indispensável à inclusão social, pois um Estado somente
conseguirá se tornar efetivamente democrático, enfrentando, dentre outras, a
questão da minoração das desigualdades sociais, que passa, necessariamente,
pelo direito fundamental de acesso à justiça, aqui representado pela assistência
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jurídica prestada pela Defensoria Pública.
Neste contexto é que surge o direito fundamental à Defensoria Pública,
calcado nos direitos originários a prestações, segundo o qual o cidadão tem a
faculdade de exigir do Estado a prestação da garantia constitucional de assistência
jurídica aos necessitados e acesso à justiça, através criação órgão das Defensorias
Públicas Estaduais e Federais em todo o país, pois é esta a instituição incumbida
de prestar esses direitos.
2 ANTECEDENTES HISTÓRICOS
Não é possível precisar exatamente quando, na História da Humanidade,
surgiu a preocupação com os direitos dos hipossuf‌icientes, a f‌im de viabilizar
meios tendentes a igualar as partes em conf‌lito. É certo que na Antigüidade não
era vista como um direito e sim como uma caridade feita aos desafortunados.
A primeira manifestação nesse sentido é o Código de Hamurabi, datado,
aproximadamente, do ano 2.000 a.C. (PINHEIRO, 2001, p. 48).
Entre os romanos é creditada a Constantino a previsão legal de que
em Roma seria nomeado advogado àquele que não tivesse, o que acabou sendo
integrado por Justiniano ao Digesto, livro I , Título XVI, § 5.º (GIANELLA,
2002, p. 18).
Na idade média, em que pese a organização feudal, Luiz IX (1214-1270),
Rei da França, em pleno século XIII, inseriu na legislação o patrocínio gratuito
dos desafortunados, estabelecendo que o advogado, em caso de necessidade, seria
encarregado ex off‌icio da defesa dos indigentes, das viúvas e órfãos (MORAES;
SILVA, 1984, p. 22).
Na idade moderna, ultrapassada “a noite de mil anos”, f‌loresceu mais
a idéia de se garantir o amparo jurídico a quem não o pudesse com os próprios
meios. Em seguida, ainda na França, mas agora no reinado de Henrique IV, o
início do século XVII, passou a vigorar:
Que em todos os tribunais fossem instituídos advogados e procuradores
para os pobres, viúvas e órfãos, os quais seriam escolhidos entre os
mais capazes e honestos, e exerceriam suas funções sem retribuição
alguma, não podendo mesmo receber qualquer coisa dos seus
constituintes, sob pena de concussão, tendo de contentar-se, apenas,
com os salários, dons e prerrogativas que Sua Magestade houvesse
por bem conceder-lhes (O DIREITO, v. 72, p. 460 apud MORAES;
SILVA, 1984, p. 25).

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