Direito Fundamental ao Trabalho Seguro: Responsabilidade civil do empregador, novas tendências e desafios

AutorRachel Freire de Abreu Neta
CargoMembro do Ministério Público da União, exercendo o cargo de Procuradora do Trabalho
Páginas113-131

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1. Responsabilidade civil do empregador por dano ao meio ambiente do trabalho

Ao tratar do tema "responsabilidade", não se pode olvidar que os ques-tionamentos a ele relativos dizem respeito à ciência jurídica como um todo - e não a um ramo especíico de estudo -, uma vez que, como acertada-mente pondera Sergio Cavalieri Filho, "tudo acaba em responsabilidade"1.

Veriica-se, dessa forma, que a discussão no que tange à responsa-bilidade civil é inerente ao próprio ser humano, pois se dirige, em verdade, à redistribuição de riquezas segundo os ditames da justiça, posto que o dano - como fonte geradora dessa responsabilidade - viola o equilíbrio patrimonial e moral, sendo necessário, portanto, restabelecê-lo2.

Dessa forma, e tomando como base as noções de solidariedade social, dignidade da pessoa humana e valor social do trabalho, a Constituição da República assegura, em seu art. 7º, XXII, como direito fundamental dos trabalhadores urbanos e rurais, a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança".

Assegura, ademais, no art. 7º, XXVIII3, a aplicação da teoria subjetiva de responsabilidade. Tal dispositivo gera inúmeras discussões, especialmente quanto à insuiciência da responsabilidade subjetiva para fazer frente à multiplicidade de situações de riscos existentes na atualidade. Essa cons-tatação, todavia, não afasta, de logo, a condição de regra geral do art. 7º, inciso XXVIII, da Carta Maior, ao trazer "a culpa ou dolo" como componente a priori da responsabilidade na seara trabalhista.

Tratando especiicamente do meio ambiente de trabalho, é possível invocar, ainda, a previsão constante do art. 225, § 3º, da Carta Maior4 que, cominado com o art. 14, § 3º, da Lei n. 6.938/915, adota a teoria objetiva de responsabilidade para os casos de dano ao meio ambiente em geral.

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Nesse sentido, seria possível perquirir sobre a existência de um conlito de normas constitucionais. Todavia, da análise dos dispositivos supramencionados, extrai-se apenas uma antinomia aparente6.

De um lado, porque o art. 7º, XXVIII, da Carta Maior, apresenta-se, em verdade, como uma garantia ao trabalhador, e não como um direito do empregador. Dessa forma, em uma interpretação conjunta com o caput do dispositivo supracitado, é possível reconhecê-lo como um "patamar mínimo" de direitos, sendo possível que outra norma prevaleça desde que traga uma maior garantia ao trabalhador7.

De outro lado, invocando-se as noções de dignidade da pessoa humana e valor social do trabalho, impõe-se a busca pela harmonização dos dispositivos constitucionais com fulcro no princípio da unidade.

Merece destaque, ademais, o princípio protecionista que rege o Direito do Trabalho, exigindo, portanto, uma adequação dos institutos adotados nesta seara, assim como uma interpretação voltada para uma maior efetividade dos direitos fundamentais.

Nesse diapasão, faz-se mister ressaltar que o instituto da responsabili-dade civil encontra-se em constante evolução. Em que pese a sua natureza, em seu nascedouro, meramente reparatória, veriica-se, na atualidade, a sua insuiciência para o retorno ao status quo ante.

A "proliferação de riscos, a disseminação de danos multifacetados e os novos padrões de relações que a sociedade contemporânea"8 vem adotando têm demonstrado que a função meramente reparatória mostra-se ineiciente para a proteção de direitos.

Isso se agrava, ademais, quando estão em jogo direitos fundamen-tais inerentes à própria dignidade da pessoa humana, a exemplo da vida e saúde dos trabalhadores. Exsurge, pois, a necessidade imperiosa de se reconhecer o papel preventivo que deve estar inerente a toda e qualquer teoria de responsabilidade.

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2. O princípio do risco mínimo regressivo

Conforme exposto anteriormente, veriica-se que, para as hipóteses de dano ao meio ambiente do trabalho, a teoria objetiva de responsabilidade é inafastável. Primeiramente, porque o art. 225, § 3º, da Carta Maior, exige a adoção de maior gravame para as hipóteses de dano ao meio ambiente, tendo em vista a importância do bem jurídico tutelado. Além disso, é preciso notar que a previsão do art. 7º, XXVIII, da Constituição da República, con-igura direito mínimo do trabalhador e, por isso, com fulcro nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social, não representa impeditivo à aplicação da corrente objetivista.

Reconhece-se, dessa forma, a existência de um "direito subjetivo ao trabalho seguro", o qual é inerente a todo e qualquer trabalhador e resulta não apenas das normas relativas à saúde e segurança do trabalho. Trata-se de um verdadeiro direito fundamental, conexo (anexo) ao direito a um meio ambiente equilibrado, assegurado constitucionalmente.

No que concerne ao dano ao meio ambiente de trabalho e, por conseguinte, à saúde do trabalhador, cita-se, mais uma vez, o art. 7º, XXII, da Carta Maior, que assegura, como direito fundamental dos trabalhadores urbanos e rurais, a "redução dos riscos inerentes ao trabalho".

"Vê-se, portanto, que os trabalhadores têm o direito fundamental de trabalhar em ambiente hígido com redução e prevenção dos riscos inerentes à atividade laboral de modo a preservar a sua saúde, higiene e segurança"9. Por outro lado, "o empresário tem a prerrogativa da livre-iniciativa, da escolha da atividade econômica e dos equipamentos de trabalho, mas, correlatamente, tem obrigação de manter o ambiente do trabalho saudável"10.

Para tanto, devem prevalecer os princípios da prevenção e da precaução, que informam o Direito Ambiental e, por conseguinte, têm plena aplicação ao meio ambiente do trabalho, já que este nada mais é do que uma parcela do "meio ambiente geral".

Nesse ponto, mister se faz distinguir esses dois princípios que, em que pese relacionados, gozam de diferenças marcantes. Prevenção "signiica adoção de medidas tendentes a evitar riscos ao meio ambiente e ao ser

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humano"11. Precaução, por seu turno, signiica tomar cuidados antecipados mesmo diante da incerteza do risco, tendo em vista a "irreversibilidade dos prejuízos eventuais ao ser humano"12.

Assim, "aplica-se a prevenção quando se sabe das consequências de determinado ato, pois o nexo causal já é cientiicamente comprovado e certo [...]"13. Pelo princípio da precaução, por seu turno, previne-se mesmo não sabendo quais serão as consequências do ato danoso14. Isso porque o princípio da precaução busca prevenir o dano potencial, diante de riscos graves e iminentes15, assim como da relevância do bem jurídico tutelado.

Observe-se, por oportuno, as seguintes lições dos autores Tereza Aparecida Asta Gemignani e Benjamin Gemignani ao tratar da diferença dos princípios da prevenção e precaução16, in verbis:

[...] o princípio da prevenção [...] consiste na adoção antecipada de medidas deinidas que possam evitar a ocorrência de um dano provável, numa determinada situação, reduzindo ou eliminando suas causas, quando se tem conhecimento de um risco concreto.

Já o princípio da precaução consiste na adoção antecipada de medidas amplas, que possam evitar a ocorrência de possível ameaça à saúde e segurança. Aponta para a necessidade de comportamento cuidadoso, marcado pelo bom-senso, de abrangência ampla, direcionado para a redução ou eliminação das situações adversas à saúde e segurança.

Assim, enquanto o princípio da prevenção tem o escopo de evitar determinados riscos, o princípio da precaução aponta para a adoção de condutas acautelatórias gerais, considerando o risco abstrato e potencial [...].

É nesse contexto, em que se mostra imprescindível a adoção de medidas preventivas em face de riscos conhecidos ou meramente potenciais,

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que se pode falar no "princípio constitucional do risco mínimo regressivo", o qual tem previsão expressa no art. 7º, XXII, da Carta Maior.

Com base neste princípio, "o trabalhador tem direito à redução de todos os riscos (físicos, químicos, biológicos, mecânicos, isiológicos, estressantes psíquicos e outros) que afetam a sua saúde no ambiente do trabalho"17.

Ressalta-se, todavia, que a despeito da plena aceitação do conteú-do desse dispositivo constitucional, reconhecem-se algumas diiculdades práticas.

Primeiramente, questiona-se qual o limite dessa redução de riscos, isto é, até qual medida se pode exigir do empregador tal redução. Isso porque embora exista uma redução desejável - qual seja, a eliminação completa dos riscos, representada pela supressão do agente agressivo -, em certas situações, somente é possível se alcançar a neutralização dos riscos, ou seja, a sua redução até limites toleráveis à saúde humana18.

Ocorre que "é bastante fugidia ou sem nitidez a fronteira onde termina a saúde e começa a doença, pois depende de conhecimento cientíico, investimento em pesquisas, equipamentos de alta precisão [...]"19.

Assim, é preciso veriicar, no caso concreto, as possibilidades de agir do empregador, assim como a adoção de medidas alternativas, que exponham o trabalhador ao menor índice de risco possível.

A efetividade do princípio em epígrafe exige, portanto, a sua realização na maior medida do possível, ou seja, exige-se do empregador a eliminação total dos riscos à saúde e segurança do trabalhador. Todavia, não sendo isso viável tecnicamente, a "redução deverá ser a máxima possível e exequível, de acordo com os conhecimentos da época"20.

Busca-se, pois, uma redução progressiva e voltada à direção do "risco zero", de acordo com o desenvolvimento tecnológico da época. Observe-se, quanto a essa matéria, a seguinte assertiva do autor Sebastião Geraldo Oliveira21, a saber:

O empregador tem o dever de reduzir os riscos inerentes...

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