Direito fundamental ao ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado

AutorAugusto César Leite de Carvalho
Páginas33-41

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1. O direito ambiental como direito fundamental

O direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado remete à Declaração de Estocolmo, de 1972, pois nela se estabeleceu, como princípio primeiro, que “o homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras”.

Os direitos de liberdade e os direitos sociais se combinam, assim, com aqueles direitos, novos ou emergentes, que “apresentam uma funcionalidade distinta, consistente na garantia de seguridade e saúde de pessoas indiferenciadas [...] e da própria subsistência ou conservação dos demais seres vivos do planeta”1.

Sinala Villagrasa Alcaide:

[...] o meio ambiente se há erigido como um bem juridicamente protegido desde os direitos humanos denominados de terceira geração. Após um primeiro conjunto de direitos reconhecidos, os direitos civis e políticos das pessoas, baseados no princípio fundamental de liberdade; e uma segunda série de direitos, os direitos econômicos e sociais, assenta-dos no princípio de igualdade; surge um conjunto de direitos, criados para garantir uma convivência pacífica em um mundo sustentável, entre os quais se destaca a proteção ao meio ambiente.2

As constituições seguintes incorporaram a ideia e o preceito da Declaração de Estocolmo, seja no que toca à titularidade ampla do direito ambiental, seja quanto à responsabilidade de toda a sociedade, não apenas dos poderes públicos, pela defesa do meio ambiente atual e das futuras gerações.

Por exemplo, o art. 45 da Constituição espanhola de 1978 estabelece que “todos têm direito a desfrutar de um meio ambiente adequado ao desenvolvimento da pessoa, bem assim o dever de conservá-lo”, e que “os poderes públicos velarão pela utilização de todos os recursos naturais, com o fim de proteger e melhorar a qualidade de vida e defender e restaurar o meio ambiente, apoiando-se na indispensável solidariedade coletiva”.

O art. 225 da Constituição brasileira de 1988 dispõe, por sua vez, que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Em rigor, tem-se verificado a ampliação do ângulo de incidência dos direitos humanos, que se abre desde a

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dimensão individual até atender à tutela coletiva, ou desde o interesse coletivo até evoluir na direção de contemplar, em perspectiva ecológica, a causa humanitária. Vale dizer: à afirmação dos direitos subjetivos de liberdade se seguiram os direitos sociais3, e em seguida as garantias institucionais, que fundiram as ideias de interesse coletivo e de pertencimento à coletividade, seguindo-se enfim a percepção de que os direitos do homem somente se realizam em plenitude quando alcançam igualmente a todos e se preserva, ademais, a possibilidade de subsistirem esses direitos a favor das futuras gerações.

Em suma, o direito ambiental impregna os direitos humanos dos postulados da harmonia e da solidariedade. Trata da relação recíproca entre o homem e o meio ambiente, tratando, assim e simultaneamente, de ecologia e de equilíbrio, em um projeto ambicioso de um direito para toda a humanidade.

2. Princípios de direito ambiental e sua projeção na relação laboral

Os teóricos do direito ambiental extraem dos preceitos da Constituição que cuidam do meio ambiente alguns princípios com claro conteúdo jurídico, a saber: princípio do desenvolvimento sustentável, da participação, da prevenção e da precaução. Predizem igualmente que o direito ambiental possui o traço da ubiquidade, dado que a tutela da vida e da qualidade de vida é seu ponto cardeal, o suficiente para que tudo que se plane-je fazer, criar ou desenvolver deva antes submeter-se a uma consulta ambiental4.

A Constituição brasileira, quando assegura o direito fundamental à saúde, inclui a proteção do meio ambiente do trabalho (art. 200, VIII), o que significa a tutela, no âmbito ubíquo do direito ambiental, de todos os direitos que concorrem para preservar a saúde do homem em qualquer ambiente de trabalho. Direitos tais que abarcam as condições de tempo e de modo do trabalho, bem assim a imunidade contra agentes insalubres ou qualquer outro risco do lugar de onde provêm tanto a produção econômica quanto os meios de subsistência do trabalhador, promovendo assim o necessário equilíbrio entre o ecossistema laboral e a biosfera5.

2.1. Princípio do desenvolvimento sustentável

O postulado do desenvolvimento sustentável consagra uma expressão usada por grupo de pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT) em documento enviado ao Clube de Roma nos idos de 1974, embora seu significado já estivesse revelado, por exemplo, no princípio 13 da Declaração de Estocolmo: “Com o fim de se conseguir um ordenamento mais racional dos recursos e melhorar assim as condições ambientais, os Estados deveriam adotar um enfoque integrado e coordenado de planejamento de seu desenvolvimento, de modo que fique assegurada a compatibilidade entre o desenvolvimento e a necessi-dade de proteger e melhorar o meio ambiente humano em benefício de sua população”6. Segundo Monereo e Rivas:

[...] o Direito Ambiental expressa esse giro na política do Direito do Estado Social, obedecendo a um desígnio intervencionista, de regulação e controle, para a tutela do meio ambiente. A intervenção se dirige às organizações econômicas – privadas e públicas – que possam atuar como agentes concomitantes. O Direito Ambiental trata de proteger a qualidade de vida, entendida em sentido amplo, de tal maneira que possa compreender a conservação da Natureza e a defesa do bem-estar físico, psíquico e material de toda a sociedade humana7.

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No que concerne às relações laborais, o desenvolvimento sustentável é, em rigor, uma ideia elementar que se associa sobretudo à convicção, sob as luzes vetoriais da dignidade da pessoa humana, de que não interessa ao atual padrão civilizatório o fomento incondicionado do emprego, senão que se devem proibir as condições de trabalho degradantes, aquelas que não considerem a preeminência do homem em qualquer processo produtivo. Como há dito Villagrasa:

O denominado desenvolvimento sustentável pretende compaginar e racionalizar o equilíbrio entre os objetivos econômicos da produção industrial e a manutenção dos recursos naturais do planeta, em perspectiva de presente e de futuro, paliando as consequências negativas que os danos ambientais provocam sobre a biodiversidade ecológica8.

O desenvolvimento comporta, em verdade, graus de sustentabilidade: quando a atividade econômica é imprescindível e o risco à saúde ou integridade física do trabalhador é tolerável, o sistema jurídico promove a mera monetização do dano potencial à condição humana e assegura, assim, o pagamento de adicionais de insalubridade ou periculosidade que servem de estímulo à adoção de meios que neutralizem ou eliminem a adversidade; quando o risco à higidez física do trabalhador sobeja níveis razoáveis de tolerância, inibe-se a atividade econômica9, ou se interdita10, pois mais forte que o valor do trabalho humano é o valor humano no trabalho.

Não em vão, o art. 170 da Constituição brasileira preceitua que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, em conformi-dade com os ditames da justiça social. Não consente, como se nota, que se cogite de liberdade de empresa sem responsabilidade social.

2.2. Princípio da participação

O princípio da participação corresponde ao dever de que todos, não somente o Estado, colaborem na defesa e preservação do meio ambiente. No Brasil, o art. 2º da Lei n. 10.650/2003 impõe aos órgãos e entidades da administração pública a obrigação de permitir o acesso de todos a documentos, expedientes e processos administrativos que tratem de matéria ambiental e igualmente de prover todas as informações ambientais que tenham sob a sua guarda.

O princípio da participação se encontra ainda mais alvissareiro na realidade laboral, dado que atrai a responsabilidade dos titulares da empresa e dos entes coletivos, inclusive de sindicatos e associações profissionais, quanto à defesa da saúde e segurança do trabalhador. Aponta Amparo Garrigues Giménez que “os sistemas mais avançados de gestão de organizações (e, por conseguinte, de gestão empresarial) operam sob a premissa da qualidade total de produtos e processos, através de sistemas de gestão integral e integrada dos distintos vetores estratégicos: qualidade, meio ambiente, saúde laboral, responsabili-dade social corporativa [...], segurança da informação, gestão da inovação ou gestão do conhecimento”11.

Após citar alguns sistemas de normatização e certificação12, a professora Amparo Garrigues observa:

E eis que a atuação política e normativa, tanto europeia como interna, vêm configurando a prevenção de riscos laborais, enquanto dever empresarial, como atividade (sucessão e conjunção de obrigações tendentes à realização dessa ‘proteção eficaz’ devida ao trabalhador) e sobretudo, e cada vez com maior intensidade, como atitude empresarial. Com efeito, a prevenção de riscos laborais, em sua dimensão atitudinal, supõe a interiorização por parte da empresa da necessidade de conceber, traçar, implantar e implementar um processo produtivo seguro, o que não é possível senão desde a...

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