O direito frente aos desafios tecnológicos

AutorMarina Feferbaum - Alexandre Pacheco da Silva
CargoDoutora em direito do estado da FGV-SP - Mestre em direito e desenvolvimento da FGV-SP
Páginas18-23
Marina Feferbaum e Alexandre Pacheco da Silva CAPA
33
REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 659 I AGO/SET 2019
32 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 659 I AGO/SET 2019
CAPA
Marina FeferbaumDOUTORA EM DRETO DO ESTADO DA FGV-SP
Alexandre Pacheco da SilvaMESTRE EM DRETO E DESENVOLVMENTO DA FGV-SP
O DIREITO FRENTE AOS
DESAFIOS TECNOLÓGICOS*
O momento atual, de legaltechs e lawtechs, não deve
ser visto como um luto, mas sim como um renascimento
das profissões jurídicas
Omercado de startups
jurídicas1 passa por
um processo de ex-
pansão em escala
global. Em domínios
estrangeiros, observa-se um
crescimento relevante tanto
no número total de startups
vinculadas a serviços jurídi-
cos como nos fluxos de inves-
timentos destinados a elas2.
A despeito da natureza ques-
tionável de parte dos dados
empíricos hoje disponíveis3,
parece claro que o interesse
geral de empreendedores, de
operadores do direito e de
acadêmicos nesse segmento
acha-se em alta.
Esse fenômeno encontra
correspondência também no
contexto brasileiro, que viu,
nos últimos anos, evidências
de crescimento de seu pró-
prio mercado de legaltechs.
Em 2017, esse processo pôde
ser notado com a criação
da Associação Brasileira de
Lawtechs e Legaltechs (),
uma entidade voltada ao diá-
logo interinstitucional entre
startups do setor, escritórios
de advocacia, departamen-
tos jurídicos empresariais,
órgãos governamentais e de-
mais instituições relaciona-
das ao campo4. O sucesso da
entidade em obter a adesão
de um número relativamen-
te grande de empresas, de
perfis diversos, em um curto
período de tempo é também
indicativo do atual estado de
florescimento do setor5.
Simultaneamente, tem
crescido o interesse acadê-
mico pela emergência dessas
iniciativas, e, às tentativas de
compreensão das razões para
a sua proliferação e de cons-
trução de tipologias adequa-
da para descrevê-las, somam-
-se preocupações crescentes
com os impactos do avanço
tecnológico sobre o funciona-
mento dos mercados de ser-
viços jurídicos e, mais especi-
ficamente, sobre a formação
dos operadores do direito.
Em âmbito internacional,
essas indagações vêm sendo
trazidas à tona já há alguns
anos, por força da introdu-
ção crescente de ferramentas
de automação e inteligência
artificial nos processos tradi-
cionais de produção do direi-
to. Em 2016, o relatório Deve-
loping Legal Talent: stepping
into the future law firm, da
Deloie (2016), estimou que,
em um cenário mais radical,
aproximadamente 114.000 em-
pre gos da área jurídica dos
Estados Unidos (e.g., cerca de
39% dos empregos existen-
tes no campo à época) teriam
chances altas de sofrerem au-
tomação até 2025.
No Brasil, contudo, ainda
não há estudos que tenham
se prestado a uma consolida-
ção e sistematização de da-
dos sobre a situação do país
em meio a esse processo de
mudança tecnológica. Diante
dessa lacuna, o Centro de En-
sino e Pesquisa em Inovação
() da Escola de Direito de
São Paulo da Fundação Getu-
lio Vargas conduz, desde 2017,
a pesquisa Tecnologia, Ensi-
no e Profissões, que se dedi-
ca justamente a identificar
como novas tecnologias (e.g.
algoritmos de aprendizagem,
expert systems) têm alterado
a profissão jurídica, reorgani-
zando as funções e atividades
realizadas por profissionais
do setor, e como esse processo
pode impactar a formação em
direito no Brasil (e.g. habilida-
des, competências, conheci-
mentos mínimos necessários
para o exercício da profissão).
O projeto, hoje, desdobra-
-se em três frentes específi-
cas: (i) uma pesquisa quanti-
tativa, que pretende avaliar o
grau de inserção tecnológica
de escritórios de advocacia no
Brasil; (ii) uma pesquisa quali-
tativa, que realiza estudos de
caso específicos de aplicação
tecnológica nos setores pú-
blico e privado; e (iii) a elabo-
ração e aplicação de labora-
tórios de tecnologia jurídica
no curso de graduação em di-
reito da  Direito SP – que
rendeu, no segundo semestre
de 2017, o curso Labtech, des-
tinado a familiarizar alunos
da graduação em direito com
conceitos básicos de progra-
mação e permitir que eles
produzissem seus próprios
algoritmos de automação de
documentos jurídicos.
A análise feita aqui se de-
bruça, portanto, sobre estas
questões: Como a introdução
de novas tecnologias tem afe-
tado o trabalho de operadores
do direito, no âmbito público
e privado? Que habilidades e
competências passam a ser
esperadas de seus profissio-
nais, a partir desse contexto?
E, por fim, como instituições
de ensino podem adiantar-se
a esses desafios e melhor trei-
nar futuros quadros do cam-
po jurídico?
O artigo se divide em três
partes distintas. Na parte I,
fazemos uma breve reflexão
inicial acerca da emergência
das legaltechs e da introdução
de novas ferramentas tecno-
lógicas, principalmente de
automação e de inteligência
artificial, nos processos tradi-
cionais de produção do direito
em escritórios de advocacia,
departamentos jurídicos e ór-
gãos públicos. Na parte II, tra-
zemos dois exemplos ilustra-
tivos de iniciativas inovadoras
adotadas no Brasil, uma no se-
tor público e a outra na inicia-
tiva privada, que podem ser
compreendidas a partir dessa
mudança de paradigmas. Na
parte III, propomos uma re-
flexão crítica sobre os poten-
ciais e gargalos das profissões
jurídicas no Brasil frente aos
fenômenos de transformação
tecnológica tratados nas se-
ções anteriores.
1. A ASCENSÃO DAS
LEGALTECHS E DE
NOVAS FERRAMENTAS
TECNOLÓGICAS
Cabe aqui uma explicação
clara do que vem a ser uma
legaltech. Escolhemos defini-
-las como startups que se
dedicam a fornecer serviços
e produtos inovadores e de
base tecnológica destinados
a reduzir custos ou aumentar
a eficiência na realização de
tarefas envolvidas na pres-
tação de serviços jurídicos.
Como outras startups, legal-
techs (também denominadas
lawtechs) são empresas con-
centradas em expansão rápi-
da e em alto potencial para
lucros futuros que atraem
investidores interessados em
empreendimentos de alto ris-
co e com potencial de geração
de grandes dividendos.
A natureza dos produtos e
serviços gerados por legalte-
chs influencia muito a compo-
No Brasil ainda não há estudos que tratem da
consolidação e sistematização de dados sobre a situação do
país em meio ao processo de mudança tecnológica

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