Direito digital

AutorNathalia Gonçalo
Páginas59-98

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Nathalia Gonçalo

Advogada, bacharel em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará, especialista em Direito Digital e em Direito Processual Civil, com formação em Perícia Forense Computacional, Diretora Jurídica da Associação dos Peritos em Computação Forense – APECOF, Presidente da Comissão de Empreendedorismo Jurídico e Tecnologia da OAB CE na Subsecção de Juazeiro do Norte, Vice-Presidente da Caixa de Assistência dos Advogados do Estado do Ceará e Presidente da Comissão de Apoio à Presidência da OAB CE na Subsecção de Juazeiro do Norte.

email: goncalo.nathalia@gmail.com

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A vida em sociedade é regulada através de normas e regras de conduta que condicionam os indivíduos a se comportarem de maneira determinada como aceitável, e, para que esta convivência seja harmoniosa é imprescindível que estes sujeitos se resignem ao binômio direitos-obrigações.

Aristóteles, no séc. IV a.C., já afirmava que o homem é por natureza um animal político. Para o filósofo, os seres humanos possuem a tendência natural de viver em sociedade, e que somente assim os homens existem e se tornam completos. Dessa forma, a lição extraída deste pensamento é que se o homem, para ser completo, deve interagir em sociedade, deve também, por sua vez, pensar na coletividade.

Com a evolução das sociedades as normas de conduta foram amadurecidas e positivadas em conjuntos de leis, cada vez mais específicas, ditando regras para cada relação humana que possa ter influência na vida em conjunto.

Essas regras impostas a todos os cidadãos para regular a vida harmoniosa em sociedade estão agrupadas dentro do ordenamento jurídico pátrio. É o conjunto de diretrizes expressas em lei responsáveis por disciplinar as ações humanas no que diz respeito aos interesses e desejos individuais e coletivos, estabelecendo limites para tais comportamentos e garantindo uma justa proteção ao usufruto de direitos de cada ser social.

Como bem lecionado por Ada Pelegrine Grinover, Antonio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco (2008), a correlação entre o Direito e a sociedade está “na função que o Direito exerce na sociedade: a função ordenadora, isto é, de coordenação dos interesses que se manifestam na vida social, de modo a organizar a cooperação entre pessoas e compor conflitos que se verificarem entre os seus membros.”.

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Sendo este direito positivo originário da necessidade de regramento da convivência entre indivíduos, deve, portanto, acompanhar pari passu a evolução e o crescimento da sociedade para que não perca a sua eficiência e eficácia.

Trazendo tais conceitos aos dias atuais constata-se que não há sequer uma relação humana que se concretize sem o uso da tecnologia e dos meios tecnológicos de comunicação. Contudo, salta aos olhos que este desenvolvimento progressivo caminha a passos largos em relação ao ordenamento jurídico que ainda não acompanha o seu avanço.

Neste contexto nasce o Direito Digital, disciplina que será explorada neste capítulo e que consiste em um ramo especial do sistema normativo que se destina ao estudo da interação humana por meio da tecnologia e de todas as implicações jurídicas que advierem desta relação, podendo correlacionar-se às mais diversas áreas do direito e do universo digital.

A autora Patrícia Peck Pinheiro (2017) preleciona com maestria o conceito de Direito Digital quando diz que “consiste na evolução do próprio Direito, abrangendo todos os princípios fundamentais e institutos que estão vigentes e são aplicados até hoje, assim como introduzindo novos institutos e elementos para o pensamento jurídico, em todas as suas áreas”.

A interdisciplinaridade do Direito Digital é uma característica sui generis desta ciência jurídica e por conta disto é considerada por muitos doutrinadores como um ramo ainda não autônomo, haja vista que a sua concretização se dá essencialmente através da análise em paralelo com outras áreas do Direto.

Pormenorizando, não há que se falar em Direito Digital sem fazer correlação a outros ramos científicos, a exemplo do Direito Penal, Civil, Administrativo, Eleitoral, Contratual e etc. O Direito Digital não existe de per si, pois é uma ciência que estuda as consequências jurídicas da aplicação da tecnologia no dia-a-dia das pessoas.

O direito na era da informática

Vive-se o momento da informatização, o tempo tornou-se escasso e o cotidiano das pessoas torna premente a necessidade de instantaneidade das informações. Esta urgência de comunicação imediata tornou a tecnologia meio essencial para concretização do agora.

A humanidade presencia uma Revolução Tecnológica. O surgimento da internet e dos meios modernos de comunicação tornam possível viabilizar relações sociais que há pouco tempo não se imaginava ser concebível, e atualmente já é uma realidade habitual.

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A constante transformação sofrida pela sociedade condiciona o Direito a acompanhá-la, como já dito. Contudo, ainda há grande dificuldade do sistema legal em alcançar essa evolução social.

Os desafios encontrados se dão inicialmente em razão da ciência da Informática está evoluindo desenfreadamente e proporcionando uma mudança muito veloz na estrutura social. De outra banda, a burocratização do sistema de elaboração de leis demanda muito tempo, logo, a missão legislativa, que já era muito difícil, tornou-se hercúlea.

Adaptar-se às novas transformações diariamente sofridas na vida das pessoas significa dizer adequar também o Direito e os métodos de resolução de conflitos, sob pena de se tornarem as leis obsoletas. Este grande desafio envolve todos os agentes responsáveis pela elaboração, aplicação e execução das normas legais.

Na Era da Sociedade da Informação não há tempo a perder, a mudança é constante. O conteúdo enviado através da rede mundial de computadores pode alcançar receptores de todas as partes do globo no piscar de olhos, basca um clique.

Preocupados com isto, os países procuram progredir e adaptar a sua legislação para o uso responsável da tecnologia, sobretudo no que tange a criminalização de condutas que atualmente se dão pelo meio cibernético.

2.1. 1 Evolução legislativa brasileira

É sabido que o Direito surge a partir de um fato, ou seja, as leis nascem com base em situações preexistentes que obrigam o Estado a regulamentar tais condutas. Todavia, no sistema tecnológico ocorre na ordem inversa. São os novos métodos de informação e plataformas tecnológicas que modificam as relações sociais e mercadológicas. O Direito Digital, portanto, se encontra na relação entre estas áreas de atuação.

No Brasil, o Poder Legislativo vem enfrentando de maneira razoável os desafios trazidos pela tecnologia. Há alguns anos o país vem adaptando leis já existentes, bem como criando tipos penais específicos e regulamentos gerais, que mesmo a passos miúdos já possuem grandes significados.

A primeira grande lei a revolucionar o sistema normativo brasileiro e a colocar o país no rol das sociedades modernas foi o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014). Com o advento desta lei, direitos e deveres no âmbito da rede mundial de computadores foram criados e a proteção à liberdade, a privacidade e a neutralidade da rede foram regulamentadas.

No seu bojo, aponta claramente para o tratamento da comunicação como um direito fundamental e não apenas como uma mercadoria. Trata-se de uma perspectiva inédita na história brasileira e de uma das raras legislações do

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mundo no campo da Internet que cria mecanismos de proteção do usuário. Neste sentido, o Marco Civil da Internet, que nasceu por sugestão da sociedade civil e foi construído de forma colaborativa, com ampla participação popular, poderá servir de modelo para todas as democracias que buscam reforçar a liberdade e os direitos humanos nas redes.

Além do Marco Civil da Internet, que é considerada a primeira lei no mundo a tratar sobre o uso livre da rede mundial de computadores, também merece destaque a Lei nº 12.737/2012 (conhecida como Lei Carolina Dieckmann), a Lei nº 12.735/2012 (conhecia como Lei Azeredo), o Projeto de Lei nº 5.555/2013 (propõe alterações na Lei Maria da Penha no que diz respeito a criminalização da disseminação indevida de fotos íntimas na Web), o Projeto de Lei nº 5.276/2016 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) e a Lei nº 13.441/2017 (dispõe sobre a infiltração de agentes policiais na web para investigação de crimes sexuais).

Fundamentos legais aplicados ao direito digital

Todas as ciências sociais aplicadas possuem princípios que norteiam e regulam as normas que serão porventura estabelecidas. Desta feita, como o Direito Digital é um ramo que necessita de outras áreas do Direito para se correlacionar, os seus princípios basilares também advém destas disciplinas.

Os fundamentos jurídicos de uma disciplina se inspiram, inicialmente, à luz da Constituição Federal. A partir dos seus ensinamentos, princípios específicos para cada ramo do direito são construídos e adequados a aplicação do caso concreto.

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