Direito Desportivo do Trabalho

AutorMariana Rosignoli/Sérgio Santos Rodrigues
Ocupação do AutorAdvogada e sócia do Santos Rodrigues Santiago Tonello Advogados / Advogado e sócio do Santos Rodrigues Santiago Tonello Advogados
Páginas59-85

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1. Introdução

Direito do Trabalho é o complexo de normas jurídicas que cuida das relações entre empregados e empregadores

O e estão regidas pela Constituição Federal de 1988, pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e por outras leis esparsas.

Em razão de algumas de suas peculiaridades, o desporto conta com um Direito Desportivo do Trabalho, que apresenta alguns conceitos e regras próprias, aplicando naquilo que for cabível as regras gerais trabalhistas.

As regras trabalhistas relacionadas especificamente ao desporto tiveram início em 1943, com a assinatura do Decreto-Lei n. 5.342, que tratou da prática esportiva profissional, através do registro de contratos firmados entre atletas e clubes no Conselho Nacional de Desportos (CND).

Posteriormente, em 1964, foi publicado o Decreto n. 53.820, que dispunha sobre a profissão de atleta de futebol, além de disciplinar a sua participação em partidas. Em 1973 e 1975, foram publicadas normas importantes, como leciona Luiz Felipe Guimarães Santoro:

Em 1973, por ocasião da sanção da Lei n. 5.939/73, o atleta profissional de futebol (e somente de futebol, pois não havia o profissionalismo em nenhuma outra modalidade) foi incluído dentre os beneficiários da previdência social, passando a receber sistema de assistência complementar em 1975, por intermédio da Lei
n. 6.269/75. No mesmo ano de 1975 foi sancionada a Lei n. 6.251/75, que ao instituir normas gerais sobre desportos, tratou, ainda que de passagem, a respeito da prática profissional.90

Em 1976, foi sancionada a Lei n. 6.354, que tratou das relações de trabalho do atleta profissional de futebol, definindo o clube como empregador e o atleta como empregado, tratando, ainda, de algumas particularidades no conteúdo contratual.

Atualmente, a matéria trabalhista no esporte é abordada principalmente pela Lei n. 9.615, que regula de maneira geral o desporto nacional e, naquilo que for compatível, o disposto na Constituição e na CLT.

2. Relação de emprego entre atleta e clube

A legislação brasileira, que cuida da relação específica de trabalho, a relação de emprego, é composta pela Constituição Federal (art. 7º e seguintes) e pela CLT. Para que se configure relação de emprego são necessários alguns requisitos, denominados por Mauricio Godinho Delgado como elementos fático-jurídicos91 da relação de emprego. Os arts. e da CLT tratam desses elementos e assim dispõem:

Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

§ 1º – Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.

§ 2º – Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.

Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Parágrafo único – Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.

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Os requisitos portanto, são: pessoa física, pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação. Tais requisitos estão presentes na maioria das relações estabelecidas entre atletas e entidades de prática esportiva brasileiras, principalmente no que tange ao futebol.

Porém, apesar da presença dos elementos fático-jurídicos, a relação entre atleta e clube apresenta muitas especificidades e, assim, as partes firmam um contrato de trabalho, que possui natureza especial, em razão de alguns aspectos elencados por Álvaro Melo Filho:

— Aspectos desportivos (treinos, concentração, preparo físico, disciplina tática em campo)

— Aspectos pessoais (alimentação balanceada, peso, horas de sono, limites à ingestão de álcool)

— Aspectos íntimos (uso de medicamentos dopantes; comportamento sexual)

— Aspectos convencionais (uso de brincos, vestimenta apropriada)

— Aspectos disciplinares (ofensas físicas e verbais a árbitros, dirigentes, colegas, adversários e torcedores, ou recusa em participação em entrevistas após o jogo).92

Em face das peculiaridades presentes nessa relação atleta/clube, a mesma é regida por norma especial, qual seja, a Lei n. 9.615/98 e supletivamente pela Constituição e a CLT.

2.1. Competência da Justiça do Trabalho após a EC n 45/2004

Muito se discutiu sobre qual seria a competência para tratar de questões trabalhistas envolvendo clubes e atletas. Porém, atualmente, não há mais dúvidas de que a competência para dirimir tais conflitos seja da Justiça do Trabalho.

No Capítulo III da Constituição Federal de 1988, que trata do poder judiciário, estão previstos, em sua seção V, os tribunais e juízos do trabalho, sendo considerado como órgãos da Justiça do Trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho, os Tribunais Regionais do Trabalho e os Juízes do Trabalho.

A essa justiça especializada, de acordo com a redação original do art. 114 da Constituição93, competia o julgamento dos conflitos oriundos da relação entre empregados e empregadores e, excepcionalmente, as controvérsias decorrentes da relação de trabalho.

Ocorre que, em 2004, foi aprovada a Emenda Constitucional da Reforma do Judiciário — EC n. 45/2004 — que, além de outras importantes alterações, aumentou consideravelmente a competência material da Justiça do Trabalho. A nova redação do art. 114 passou a prever:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II – as ações que envolvam exercício do direito de greve;

III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;

V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;

VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

VIII- a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

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§ 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.

§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.

§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio...

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