Direito de (des)associação e o princípio da manutenção da empresa

AutorEdson Isfer - Marcia Carla Pereira Ribeiro
Páginas79-89

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1. Introdução

A análise da atual legislação nacional, especialmente do Código Civil, permite que se tenha acesso a algumas indicações acerca das linhas divisórias/demarcatórias das pessoas jurídicas por ele reguladas.

Pode-se dizer que estas linhas são, de certo modo, claras nas associações, sociedades e fundações. Ou seja, o Código Civil brasileiro estabelece o caráter de discrímen existente entre os entes jurídicos reconhecidos pela lei.

Na sua formatação de pessoa jurídica de direito privado, associações, sociedades e fundações podem aparecer como agentes de atividades econômicas, ainda que a des-tinação que será dada a eventuais resultados econômicos seja necessariamente diferente em cada uma das mencionadas modalidades.

Compreender as semelhanças e as diferenças entre as modalidades de organiza-ção produz também um impacto relativamente à aplicação de princípios estabelecidos na Constituição Federal, especialmente no que se refere à preservação da empresa, quando cotejada com a liberdade de associação.

Observa-se no teor do art. 5o, XVII ("é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramili-tar") e XX ("ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado"), da CF uma menção genérica ao termo "associação".

Este artigo pretende apontar traços característicos das associações e das sociedades, a fim de colaborar para a identificação de suas semelhanças e diferenças, necessária à melhor compreensão e aplicação dos princípios constitucionais da preservação da empresa e da liberdade de associação.

2. Associações e sociedades no Código Civil

O legislador brasileiro de 2002 utilizou as expressões "sociedade" e "associa-

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ção", qualificando-as e classificando-as de modo distinto.

O art. 981 do CC enuncia a noção legal de sociedade a partir do instrumento que a constitui - logo, a partir de sua natureza contratual -, expressando que contratam sociedade aqueles que se comprometem a reciprocamente contribuir com bens e esforços para a partilha entre si dos resultados; o que relaciona o conceito legal à prestação de atividade de cunho econômico.

Já, na noção de associação, a partir da redação do art. 53 do CC, destaca-se a finalidade da conjugação dos esforços para fins não-econômicos.

No entanto, pode-se dizer que nem sempre tais distinções, identificáveis nos critérios hoje utilizados, inspiraram o legislador ou impressionaram a doutrina.

Na obra de Pontes de Miranda fica clara essa posição, pois, como diz o autor: "As leis e a doutrina empregam as expressões 'associação' e 'sociedade', sem dar-lhes os conceitos (arts. 16,I, 22 e 23)". E, mais adiante: "Nem as distinguiria o fim econômico ou não-econômico: há associações de fim não-econômico e associações de fim econômico; sociedades de fim econômico e sociedades de fins não-eco-nômicos”1

Usando os critérios do Código Civil de 1916, Washington de Barros Monteiro identifica uma bifurcação do gênero sociedade civil, apontando para a existência de sociedades civis de fins econômicos e sociedades de fins não-econômicos. As sociedades civis de cunho econômico apresentam a mesma forma de organização das sociedades empresariais, partindo da constituição de um capital social (capital mínimo) para o exercício da atividade que compõe seu objeto, e buscam o lucro. Já, as sociedades civis de fins não-econômicos voltam-se a interesses imateriais "e seus matizes podem ser os mais diversos: religiosos, literários, científicos, artísticos, recreativos, beneficentes, desportivos, políticos, culturais (...)", sempre desprovidas da finalidade especulativa - vale dizer, sem o propósito de viabilizar a partilha de lucro, mas, em relação aos seus integrante, para "propiciar-lhes o gozo de bens imateriais ou espirituais, ou então visam a ser úteis e agradáveis".2

Ainda, analisando a questão sob o enfoque do Código Civil de 1916, Waldemar Ferreira afirma que o legislador usou indistintamente as expressões "associação" e "sociedade", não lhes definindo contornos distintos.

No entanto, já naquela época, em termos de doutrina estrangeira, o autor acentua a alteração de parâmetros de distinção, apontando para a direção que veio a ser adotada no Brasil em 2002.

Após reconhecer que a lei francesa de 1.7.1901 definiu a associação como aquela em que "duas ou mais pessoas põem em comum, permanentemente, seus conhecimentos ou atividades para fim outro que não o da partilha de lucros",3 o doutrinador descreve o pensamento da doutrina alemã sobre a distinção entre esses entes, para reconhecer às associações a vinculação afins exclusivamente altruísticos ou extrapecu-niários.4

Por outro lado, para o Direito Português, segundo Vital Moreira, a associação é "uma entidade baseada numa colectividade de pessoas reunidas em função de um interesse comum".5 O professor de Coimbra classifica essas entidades como corpo-

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rativas, ou seja, decorrentes da reunião de pessoas, para distingui-las das fundações, que se organizam a partir de determinado patrimônio.

No Direito Italiano a questão da partilha dos lucros como forma de identificar as sociedades e diferenciá-las das associações, em que o fim altruístico é determinante, já era apontado por Navarrini e Fag-gella em seus estudos acerca das sociedades e associações comerciais.6 Neste caso, os autores utilizam a expressam "associação" em seu sentido mais geral de comunhão de pessoas, e não no seu sentido técnico, atualmente empregado de forma predominante no Direito Brasileiro.

Ainda no Direito Italiano mais recente, interessa apontar a posição de Galgano,7 para quem é de difícil afirmação a distinção entre sociedade e associação, eis que o legislador não definiu associação, tendo-o feito apenas em relação às sociedades, naquele sistema, o que conduz a uma definição de associação em termos negativos, ou seja, por exclusão. Verificam-se os elementos alocados na lei para definir sociedade - exercício de atividade econômica e distribuição dos resultados entre os sócios - para se poder buscar a definição de associação.

Segundo Galgano, o elemento distintivo entre as duas formas ainda não está bem assentado na técnica jurídica. Na tentativa de encontrar essa distinção, apresenta duas fórmulas ponderáveis: (a) para haver associação, o grupo não deve exercitar tarefas definidas como "atividades econômicas"; ou, (b) para haver associação, bastaria não haver distribuição dos resultados decorrentes da atividade econômica.

A jurisprudência italiana inclinou-se no sentido da solução "a", ao permitir a decretação de falência de ente que explorava atividade econômica ainda que não tivesse como objetivo a obtenção de lucro a ser distribuído entre os sócios.

Galgano8 objeta a orientação doutrinária de qualificar a associação pela não-prática da atividade econômica. Segundo o autor, a associação pode ter atividade econômica, porque o fenômeno da empresa coletiva é maior que o fenômeno da empresa social. Desta sorte, se a falência vier a ser decretada, ela é decretada contra o empresário - neste caso, coletivo -, ainda que seja associativo, pois não importa mais o ente que explora a empresa, e sim a atividade que se está a explorar. Trata-se de alteração de foco, sendo a distribuição dos resultados o grande baliza-dor para se distinguir entre a sociedade e a associação.

Voltando ao Direito Brasileiro contemporâneo, verifica-se que o art. 53 do CC conceituou associações como aqueles entes em que haja "união de pessoas que se organizem para fins não-econômicos".

Desse conceito, pode-se dizer que a questão que está por definir ou identificar define ou identifica a associação é o propósito com o qual as pessoas se reúnem em torno de determinada organização. Neste caso, poderiam ser considerados dois obje-tos: um imediato e outro mediato. O objeto imediato perseguido pelos sujeitos que se reuniram seria a atividade organizada. O objeto mediato, neste caso, não poderia ser o fim econômico, mas outro qualquer, como o filantrópico, o religioso, o de lazer - enfim, não-especulativo.

Além disso, pode-se dizer das associações - acompanhando Gonçalves Neto9 - que elas só podem se constituir com plu-

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ralidade de pessoas. É que, além de existir a previsão expressa, do art. 53 do CC brasileiro, da necessidade de união de pessoas, inexiste qualquer exceção a essa regra na legislação em vigor. Portanto, a caracterização das associações no Direito Brasileiro hodierno seria feita por meio desses dois pontos principais: (a) a reunião de duas ou mais pessoas; (b) com objeti-vos não-especulativos.

3. As sociedades

As sociedades encontram-se reguladas, atualmente, no Título II do Livro II ("Do Direito de Empresa") da Parte Especial do Código Civil brasileiro. O art. 981 da referida lei cuidou de definir o instituto: "Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados".

No Direito anterior não havia definição de sociedades no Código Comercial, e o Código Civil de 1916 o fazia nos seguintes termos: "Celebram contrato de sociedade as pessoas, que mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comuns".10

Da análise comparativa entre esses dois dispositivos verifica-se que essa duplicidade de aspectos veio a se incorporar na definição de sociedade: a economicida-de da atividade e a necessidade de partilha dos resultados.

No entanto,não é essa a concepção externada por Gustavo Tepedino, Heloía Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes. Reconhecem os autores que há distinção legal entre associações e...

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