O direito da conformidade, a partir da leniência, é uma revolução no regramento da empresa

AutorWalfrido Warde - Valdir Moysés Simão
Páginas59-74
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CAPÍTULO VII
O DIREITO DA CONFORMIDADE,
A PARTIR DA LENIÊNCIA, É UMA
REVOLUÇÃO NO REGRAMENTO
DA EMPRESA
A importância das empresas determinou, no curso da História,
sobretudo a partir do final do século XIX, a percepção do fenômeno
multifário a que o termo “empresa”, então cunhado, correspondia.
A empresa passou a expressar uma manifestação do intelecto hu-
mano, nos sistemas econômico, político e social, cuja importância não
poderia escapar da atuação dos Estados Nacionais, recém-erigidos e capa-
citados. E, isso, imediatamente em razão de sua utilidade mais sensível, à
geração de riquezas, à promoção de crescentes taxas de lucro e, portanto,
à afirmação essencial dos regimes de produção capitalista. Mas também
porque esse novo conceito, que correspondia naquele momento a um
novo fenômeno, inspirava – dada a sua importância central – a atuação
do Estado, uma atuação reguladora movida pelas relações biunívocas que
se estabelecem entre o Direito e a Economia. A Economia que atribui
funções ao Direito, e o Direito que permite ao Estado atuar na Economia.
A empresa se estabeleceu, portanto, como um conceito instru-
mental, como uma verdadeira técnica de regulação, que manejava um
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WALFRIDO WARDE; VALDIR MOYSÉS SIMÃO
fenômeno de muitos significados. Mas também como o objeto da tute-
la estatal, dada a sua importância, sua centralidade ao contínuo cresci-
mento econômico das nações, à autogeração do capital e, por isso, ao
salvamento do capitalismo.46
A afirmação da empresa como técnica de regulação total, indis-
pensável ao cumprimento das funções atribuídas pelo capital ao Estado,
tornou necessária a compreensão precisa dos complexos fenômenos
econômico-sociais cobertos pela empresa. O fenômeno empresarial é
tudo a que à empresa corresponde (é a fattispecie de empresa): um con-
junto de fatos complexos, sempre cambiantes e sujeitos à toda a sorte de
particularismos (mas ainda assim descritos [abarcados] por uma única
hipótese objetiva).
O estudo do fenômeno empresarial, justamente por se debruçar
sobre objeto amplíssimo, é tarefa de muitos campos do saber, do Direito,
da Economia, da Sociologia, da Psicologia etc.
Essa constante investigação ajuda a atualizar e calibrar a disciplina
jurídica da empresa às finalidades instrumentais que lhe impõe a Políti-
ca do Direito, em vista das novas descobertas sobre o fenômeno empre-
sarial e de seus constantes desenvolvimento e transformação.
As primeiras reflexões sobre a empresa iriam tratá-la, a partir dos
anos 1930 e especialmente no auge do regime nacional-socialista, como
especial núcleo defletor de interesses; assumiria a tarefa de introduzir
importantes influxos ideológicos no ordenamento, a exemplo do que se
tentou por meio da doutrina do Unternehmen an sich.47 E superado, com
a queda do Reich, um tom demasiado publicista (que inspirou, em 1937,
46 Cf. Para uma explicação exauriente, WARDE, Walfrido. “Teoria Geral da Empresa”,
In: Tratado de Direito Empresarial. ed. São Paulo: RT, 2018.
47 Cf. RATHENAU, Walther. Vom Aktienwesen: Eine Geschäftlische Betrachtung.
Berlin: Fischer Verlag, 1917; NETTER, Oskar. Zur aktienrechtlichen Theorie des
“Unternehmens an sich”. JWI, p. 2953-2956, 1927; HAUSSMANN, F. “Gesellschaftsinteresse
und Interessenpolitik in der Aktiengesellschaft. Bank-Archiv”, vol. 30, p. 57-65 e 86-95,
1930-1931. Para uma visão histórica desse processo, mesmo que algo distorcida,
JAEGER, Pier Giusto. L’interesse sociale. Milano: Giuffrè, 1964. p. 17.

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