Direito constitucional do trabalho

AutorGeorgenor de Sousa Franco Filho
Ocupação do AutorDesembargador do Trabalho de carreira do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região
Páginas59-80

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1. Constitucionalização do direito do trabalho

Também chamado de constitucionalismo social, é o momento histórico, surgido após a Primeira Guerra Mun-dial, em que as normas trabalhistas, antes leis ordinárias comuns, foram constitucionalizadas e incluídas nas Leis Fundamentais de muitos países.

As duas primeiras Constituições a adotarem essa postura foram a mexicana de Querétaro, de 1917, e a alemã de Weimar, de 1919. A primeira mais analítica que a segunda, que foi influenciadora da maioria das constituições sociais.

Observa Mario de La Cueca, após considerar as muitas modificações que ocorreram em seguida à revolução francesa, os resultados dessas alterações: un proceso que culminó primero en América en la Declaración de derechos sociales de nuestra Constitución de 1917 y más tarde en Europa, en la Constitución alemana de Weimar de 1919; en esos dos ordenamentos, el derecho del trabajo superó definitivamente el pasado y se presentó a los hombres como un derecho de la classe trabajadora para los trabajadores1.

Embora pioneira, não foi a Constituição mexicana, com os 31 incisos do art. 123, a principal influenciadora do Direito do Trabalho que se seguiu. De La Cueva recorda que la Constitución de Weimar, y en general, el derecho del trabajo de aquellos años veintes, creó en Europa el principio de la igualdad jurídica del trabajo y del capital, pues desde entonces, de forma imperativa, las condiciones de trabajo se fijaron por acuerdos entre los sindicatos y los empresarios2

Lembra Antonio Cantaro que la Costituzione do Weimar del 1919 fu letta e vissuta, all’epoca, come una risposta consapevole alla solenne ‘Dichiarazione dei diritti del popolo fatta dal Congreso dei soviet del gennaio 1919’ (sic) [1918]. E, acentua, il’unica risposta plausibille di fronte all’impasse e alla crisi del liberalismo ottocentesco, della visione liberale dell’economia, della politica, dello Stato, della giustizia.3

No Brasil, as nossas sete Constituições revelaram altos e baixos para a proteção dos direitos do trabalhador, como veremos em seguida, sendo a atual considerada a que maior número de direitos trabalhistas consagrou, embora muitos ainda permaneçam como normas meramente programáticas. Aqui, como de resto em grande parte dos países da América do Sul, tem se expandido o constitucionalismo social, garantindo o império da lei sobre o poder dos governantes.

2. Evolução constitucional no brasil

Vejamos o tratamento que, ao longo do Brasil independente, mereceu o Direito do Trabalho em nível constitucional.

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2.1. Constituição de 1824

A Constituição Política do Império do Brasil, elaborada por um Conselho de Estado e outorgada pelo Imperador D. Pedro I, em 25.03.1824, tinha 179 artigos. Foi nosso primeiro Código Político Máximo, e a mais duradoura de todas as nossas Constituições, seguindo o modelo europeu de liberalismo. Não contemplava regras protetoras aos direitos trabalhistas. À época, predominava a escravidão e, recém-independentes, ainda estávamos sob a influência das Ordenações portuguesas.

O último artigo da Carta Imperial cuidava, dentre outros aspectos, da inviolabilidade dos direitos civis e políticos (art. 179, caput), garantia qualquer gênero de trabalho, cultura, indústria ou comércio, desde que não ofendesse costumes públicos, segurança e saúde dos cidadãos (inciso XXIV) e abolia, certamente a nota mais relevante, as Corporações de Ofícios, seus Juízes, Escrivães e Mestres (inciso XXV), medida que na Europa ocorrera com a Lei Le Chapelier, em 1791.

2.2. Constituição de 1891

Sobreveio a República e com ela nossa segunda Constituição, a da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24.02.1891, elaborada por um congresso constituinte e contemporânea à Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, que, como vimos, lançou as bases da doutrina social da Igreja.

Liberal, silenciou sobre direito do trabalho. Profundamente individualista, nos moldes da Constituição americana que a influenciou, limitou-se apenas a permitir a livre associação (art. 72, § 8º) e a garantir o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial (§ 24), direitos conservados pela Emenda Constitucional (EC) de 03.09.1926, praticamente uma nova constituição.

2.3. Constituição de 1934

A Assembleia Constituinte convocada durante a ditadura Vargas elaborou a Constituição promulgada a 16.07.1934, de conotação social-democrática, e, no art. 113, garantia a inviolabilidade de direitos, inclusive aquele concernente à subsistência, com o n. 34 afirmando que a todos cabe o direito de prover à própria subsistência e à de sua família, mediante trabalho honesto, amparando o Poder público as pessoas indigentes.

Constituição evoluída para a época, a de 1934 introduziu o título IV tratando Da ordem econômica e social, admitindo o reconhecimento de sindicatos e associações profissionais, adotando o pluralismo sindical (art. 120). Para os direitos trabalhistas foi dedicado o art. 121, devendo a lei promover o amparo à produção e estabelecer condições de trabalho na cidade e no campo, para proteger socialmente o trabalhador e os interesses econômicos do país.

Esse art. 121 foi muito expressivo. Seu § 1º contemplava a isonomia salarial, o salário mínimo, a jornada de trabalho de oito horas/dia, restrições ao trabalho do menor, repouso semanal, férias anuais remuneradas, indenização por dispensa sem justa causa, assistência e previdência a maternidade, velhice, invalidez, acidente de trabalho e morte, regulamentação de todas as profissões e reconhecimento das convenções coletivas de trabalho.

Além desses direitos, outros temas foram tratados, como o trabalho agrícola (§ 4º), a organização de colônias dessa natureza (§ 5º) e a situação do trabalhador migrante (§§ 6º e 7º).

O grande fruto da Constituição de 1934 foi a criação da Justiça do Trabalho, como integrante do Poder Executivo, vinculada ao então Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (art. 122), com seus órgãos possuindo composição paritária, nem sequer exigida formação jurídica, bastante ser pessoa de experiência e notória capaci-dade moral e intelectual (parágrafo único).

2.4. Constituição de 1937

A Constituição de 1934 teve, porém, vida curta. Vargas implantou um regime ditatorial e outorgou uma Carta, a 10.11.1937, conhecida como Polaca. Durante quase cinco anos, vigeu em plenitude, apesar de ser profundamente restritiva da liberdade. A partir do Decreto n. 10.358, de 31.08.1942, quando foi declarado estado de guerra no Brasil contra as potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), o dispositivo que tratava dos direitos trabalhistas (art. 137) foi suspenso, mantido apenas o art. 136, que considerava o trabalho um dever social, que deveria ser exercido honestamente, da mesma forma com o de livre circulação no território brasileiro e o de a pessoa poder exercer de sua atividade regular (art. 122, § 2º).

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Antes da suspensão de 1942, o art. 137 conservava vários artigos do Diploma de 1934, sendo que repouso semanal foi fixado aos domingos, foi criada licença anual remunerada por ano de serviço, estabilidade no emprego, garantia do contrato de trabalho em caso de sucessão e reconhecida a assistência administrativa e judicial por entidade de classe.

Extremamente corporativista, seu art. 138, também suspenso em 1942, reconhecia a liberdade de associação profissional e sindical, adotando a unicidade sindical. Deveria o sindicato ser reconhecido formalmente pelo Estado, que lhe forneceria uma carta patente, exercendo funções delegadas pelo Poder Público, tendo igualmente implantado o imposto sindical (hoje, contribuição sindical).

Ademais, foi mantida, ainda fora do Poder Judiciário, a Justiça do Trabalho (art. 139, parte), que havia sido criada na Constituição anterior, tendo a greve e o lock out sido declarados recursos antissociais nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional (art. 139, 2ª parte).

2.5. Constituição de 1946

Finda a Segunda Guerra Mundial e redemocratizado o Brasil, a Assembleia Constituinte reunida no Rio de Janeiro aprovou nova Constituição a 18 de setembro de 1946, que encerrava um conteúdo social que a colocava entre as mais completas do mundo, conforme Segadas Vianna, um dos constituintes de então4.

A Justiça do Trabalho passou a integrar o Poder Judiciário (art. 94, V), e os direitos trabalhistas foram tratados, exemplificativamente, no art. 157: salário mínimo regionalizado, isonomia salarial, adicional noturno, participação nos lucros das empresas conforme lei, limitação da jornada diária em oito horas, repouso semanal agora remunerado, férias anuais também remuneradas, higiene e segurança do trabalho, proteção ao trabalho do menor e à mulher gestante, percentagem entre trabalhadores brasileiros e estrangeiros, estabilidade e...

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