Direito Concorrencial e Penal Tributário

AutorAnna Emília Cordelli Alves
Páginas219-240

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Anna Emilia Cordelli Alves - Nós vamos dar início, agora, à nossa mesa de direito concorrencial e penal tributário. E gostaria de saudar os professores aqui presentes e, antes de passar a palavra ao doutor Celso Campilongo - que vai ser o primeiro a falar e se manifestar sobre o tema -, eu gostaria de falar um pouquinho do doutor Celso, do seu currículo. O doutor Celso é graduado pela Universidade de São Paulo, mestrado e doutorado também pela Universidade de São Paulo e livre docente pela PUC de São Paulo e pela Faculdade de Direito da USP. Atualmente, o professor Celso Campilongo é professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, professor doutor pela PUC de São Paulo, coordenador de cursos de extensão da Sociedade Brasileira de Direito Público e coordenador acadêmico dos grupos de extensão universitária, serviço de assessoria jurídico-universitária e Núcleo de Direito à Cidade, do Departamento Jurídico XI de Agosto. Atua com ensino e pesquisa nas áreas de Teoria do Direito, Filosofía do Direito e Sociologia Jurídica. Orienta trabalhos acadêmicos, principalmente nas áreas de Teoria do Direito, Filosofia do Direito, Sociologia Jurídica e Teorias Sociais do Direito, Teoria dos Sistemas e Teoria do Direito Econômico. É com muito prazer que nós recebemos o professor Celso Campilongo e vamos ouvi-lo com a nossa máxima atenção. Professor?

Direito Concorrencial e Tributação - O Papel do CADE

Celso Campilongo - Muito obrigado, é um prazer enorme participar da reunião do IDEPE, do Instituto Geraldo Ataliba e poder falar sobre um tema tão desafiador, na presença de um auditório tão qualificado, de uma mesa composta por tantos amigos, uma mesa tão especial. Indo diretamente ao ponto, que o tempo que a gente tem é um tempo muito restrito. O tema que me foi proposto, direito concorrencial e tributação, o papel do CADE. Então, é importante a gente rever de onde eu estou partindo e qual é o meu tema. O meu tema não é o papel dos tribunais, o papel da Secretaria da Fazenda, o papel da legislação tributária. O meu tema é o papel do CADE, o que o CADE pode ou não fazer quando, eventualmente, eu tiver um embate entre a legislação de defesa da concorrência e a legislação tributária, ou desdobramentos da legislação tributária, ou na seara judicial ou na seara administrativa. Na verdade, esse é um tema recorrente no Direito da Concorrência brasileira. Vira e mexe, nós nos deparamos com questões concorrenciais que relacionam não apenas o CADE e a ordem tributária, mas o CADE e, por exemplo, as agências reguladoras; o CADE e o mercado de capitais; o CADE e o Direito Societário; o CADE e o Direito das Obrigações; o CADE e o Direito do Trabalho, por incrível que pareça. Muitas vezes, concentrações empresariais são feitas impondo-se à pes-

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soa física uma cláusula de não concorrência que acaba inviabilizando a própria carreira profissional do indivíduo. Então, até com o Direito do Trabalho nós já temos precedentes que relacionam o Direito Antitruste, o direito concorrencial com todos esses setores.

O primeiro ponto importante é saber, afinal de contas, qual é a competência do CADE. Será que o CADE é um superórgão - a imprensa vem chamando, com a nova Lei de Defesa da Concorrência, que entrou em vigor agora, há poucos meses, pouco mais de quatro meses, vem chamando o órgão de Supercade. Será que o Supercade tem competência para falar sobre tudo isso? Tributação, regulação, Direito Privado, propriedade intelectual, Direito do Trabalho, Direito Societário, mercado de capitais? é evidente que não. Isso só bate no CADE de uma maneira muito, mas muito subsidiária, muito secundária. Mal comparando, nós poderíamos dizer o seguinte, a competência do CADE é a competência para manter um ambiente econômico purificado, em relação exclusivamente às relações concorrenciais.

Mas acontece que, às vezes, a poluição do ambiente concorrencial, ela não brota ou não é oriunda das próprias normas de Direito Antitruste. A fumaça vem de outros atos. Eu tenho uma fumaça originária de outra chaminé, por exemplo, eventualmente originária da ordem tributária, que pode, eventualmente, comprometer a ordem econômica. O CÂDE não pode, sob hipótese alguma, se preocupar com a chaminé dos outros. O CADE não tem competência para falar coisa alguma a respeito da ordem tributária ou a respeito de propriedade intelectual, ou a respeito de regulação. Ao contrário, deveria - e, na verdade, tem observado essa regra - prestar um dever de deferencia em relação a esses outros aspectos do ordenamento jurídico. Ele deve tomar a ordem tributária ou o Direito Patentário, por exemplo, como estruturas que são pressupostos da sua atuação e não o contrário. Então, não pode, evidentemente, o CADE sair determinando: "Olha, esta regra tributária ou aquele convênio, ou aquela resposta à consulta gera efeito concorrencial, portanto não vale nada e eu vou desconsiderar isso tudo e vou aplicar aqui o direito à concorrência". Não há nada, absolutamente nada na ordem jurídica brasileira que coloque o Direito Antitruste numa posição diferenciada em relação a outros aspectos da ordem jurídica brasileira, inclusive aspectos relevantes também para a dimensão concorrencial.

Mas o que tem acontecido, apesar dessa característica ou dessa natureza da competência do CADE é que, em alguns casos, o CADE tem dado sinais de que, se o concorrente, se o pleito, se a empresa está às voltas comum processo administrativo junto ao CADE, no caso, concorrencial, tramitando na jurisdição administrativa concorrencial, se a empresa age, se comporta, se prevalecendo de uma vantagem tributária obtida no Judiciário ou obtida administrativamente ou de uma vantagem patentaría obtida no órgão próprio - no INPI, por exemplo, e se isso tem um efeito nocivo à concorrência, não é que o CADE vá declarar nula, inconstitucional, ilegal aquela vantagem tributária ou aquela vantagem patentaría. Não é da sua competência fazer isso. Mas há indícios de que possivelmente - não há um precedente, há indícios apenas, alguns casos em que o CADE disse algo muito parecido como que eu vou mencionar - que esta vantagem tributária ou esta vantagem patentaría, apesar de escaparem à competência do CADE, provocam um efeito anticoncorrencial, o que o CADE vai examinar não é a ordem tributária e nem a ordem patentaría. O que o CADE irá examinar é uma outra questão. E um desdobramento dessa fumaça produzida em outros ares, em outros campos, na seara concorrencial.

Por exemplo - não estou citando precedente, estou trabalhando apenas com uma hipótese para ilustrar quais se-

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riam, eventualmente, as possibilidades do CADE nesse campo. Digamos que, em um mercado qualquer, sempre levando em consideração que o CADE não trata de lides interindividuais, do problema de um concorrente com ò seu rival. O CADE trata do tema o mercado, o ambiente competitivo no mercado como um todo e não a relação entre "A" e "B". Ou um caso tem um impacto sobre um determinado mercado como um todo, ou o caso não é da competência do CADE. O CADE trata de direitos difusos e coletivos, não trata de conflitos interindividuais. Evidentemente, se eu estou falando de um mercado no qual exista um monopólio, apenas duas empresas atuam naquele mercado, muda um pouco de figura. O mercado é composto apenas por duas empresas. Mas estas são situações mais raras. No geral, ou a conduta tem impacto no mercado como um todo, ou não é da competência do CADE. Então, mesmo que, eventualmente, seja originária de um problema patentário, de um problema tributário, há que se verificar se a conduta examinada ali pelo CADE tem ou não tem, em primeiro lugar, um efeito sobre o mercado como um todo.

Digamos que, eventualmente, esse efeito seja passível de ser demonstrado, de ser aferido. E digamos que, por exemplo, um competidor com impacto sobre a concorrência em todo o setor tenha obtido uma vantagem tributária qualquer, em decorrência da legislação, em decorrência da resposta a uma consulta à Administração - pouco importa o origem - por conta de uma liminar, ele tenha uma vantagem que lhe permita, em razão de um decréscimo muito acentuado da carga tributária, uma vantagem que lhe permita praticar preços que os seus rivais são absolutamente incapazes de reproduzir, por conta de que só ele possua ou possui essa vantagem. Ora, o que o CADE vai fazer não é revogar a consulta à legislação ou a liminar. Evidentemente, isso escapa à competência dele. Mas o CADE pode eventualmente - estou especulando, dando um exemplo, não há registro de um precedente nesse sentido - o CADE poderia, eventualmente, por exemplo, na aplicação da sua legislação específica, dizer: "Este preço que você está praticando é um preço que tem um efeito anticoncor-rencial. É um preço predatório". E, eventualmente, a condenação de uma empresa que atue no mercado com essa vantagem, tutelada, protegida por essa vantagem, não será uma punição por conta de que obteve uma liminar, uma resposta à consulta ou uma lei que a favoreça. Mas poderia, eventualmente, ser uma condenação em relação à prática de um preço predatório, de um preço anticoncorrencial, de um preço que os demais rivais pura e simplesmente não conseguem praticar. E, dependendo da configuração do mercado, cinco, seis meses praticando um preço com essas características é mais do que suficiente para você liquidar com a concorrência, para você perverter completamente o ambiente concorrencial que o CADE deve tutelar.

Claro que isso não ocorre sem problemas, são incontáveis os problemas decorrentes deste quadro hipotético que eu estou descrevendo. Eu vou selecionar um deles, em razão da falta de tempo, para a gente desenvolver esta matéria. Mas eu já tenho alguns precedentes do CADE, de condenações por shqm litigation. A linguagem do antitruste é uma toda uma linguagem norte-americana e, praticamente, tudo em inglês. O que é a sham litigation? Mais ou menos uma litigância de má-fé, ou um abusó de um direito processual, por...

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