Direito comparado

AutorMarco Aurélio Aguiar Barreto - Camila Pitanga Barreto
Páginas62-74

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Dentro do estudo a respeito do assédio sexual, observa-se uma convergência de concei- tuação e caracterização dessa prática reprimida em diversos países, notadamente os pertencentes à América do Sul, divergindo apenas no grau de responsabilidade dos autores dessa conduta reprovável, conforme a seguir exposto com mais detalhes. Entretanto, procura-se no trabalho de pesquisa enfatizar que, também, no contexto da União Europeia, o tema tem suscitado preocupação e destaca-se a sua importante normatização naquele conjunto de países.

União Europeia

O olhar acerca do que acontece e se discute sobre o assédio sexual no cenário da União Europeia enriquece o trabalho, porque possibilita observar que não se trata de um problema inerente a países não integrantes do denominado Primeiro Mundo, ou de educação e culturas menos evoluídos.

Importantes as informações colhidas no trabalho de pesquisa desenvolvido pelas Dras. Tatiana Morais, Cláudia Múrias e Maria José Magalhães53, sobre o assédio sexual no trabalho tendo como ponto de análise a relexão a partir de diversos ordenamentos jurídicos, publicado no International Journal on Working Conditions, onde destacam que:

Relativamente à prevalência, estudos realizados na década de 90, apontavam para 1 vítima em cada 2 mulheres, isto é, 50% das mulheres eram ou tinham sido, na sua juventude, alvo de comportamentos de assédio (Fitzgerald & Shullman, 1993), na europa, a incidência nas mulheres revelada pelos estudos com caráter nacional variava entre 81% na Austrália, 78% no Luxemburgo, 72% na Alemanha, 54% no Reino Unido, 32% na Holanda, 27% na Finlândia, 17% na Suécia e 11% na Dinamarca (Garcia, 2001).

Apesar da esmagadora maioria das vítimas serem mulheres, veriica-se, também, a existência de homens vítimas de assédio sexual, embora em menor escala,

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nomeadamente quando pertencem a grupos socialmente mais vulneráveis como jovens, gays, membros de minorias étnicas ou “raciais” e homens que trabalham em ambientes dominados por mulheres. Nas mulheres, destacam-se os seguintes grupos mais vulneráveis ao assédio sexual: mulheres mais dependentes economicamente, imigrantes, de minorias étnicas ou “raciais” e em locais de trabalho mais masculinizados (McCann, 2005).

Ainda com base nesse trabalho, informa-se que a noção de assédio sexual foi veiculada em alguns diplomas legais, a exemplo da Diretiva n. 2004/113/CE do Conselho, de 13 de dezembro de 200454, como a Diretiva n. 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 05 de julho de 2006, bem como a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, que é a denominada Convenção de Istambul, de 2011.

A Diretiva n. 2004/113/CE do Conselho, de 13 de dezembro de 2004, destaca que a igualdade entre homens e mulheres é um princípio fundamental da União Europeia e que o direito das pessoas à igualdade perante a lei e à proteção contra a discriminação são direitos universais, inclusive, reconhecidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem. Assim, merece ênfase que em seu art. 2º, alínea “d”, a Diretiva deine o assédio sexual como:

(...)

  1. Assédio sexual: sempre que ocorra um comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma física, verbal ou não verbal, com o objetivo ou o efeito de violar a dignidade da pessoa, em especial quando criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo.

(...)

Documento considerado importante direcionador das normas internas dos países membros da União Europeia, informa-se a Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho n. 2002/73/CE55, de 23 de setembro de 2002, com o intuito, não apenas de reforçar a necessidade de tratamento igualitário entre homens e mulheres, mas de forma oportuna deinindo conceitualmente o que deve ser entendido por discriminação direta e indireta, principalmente, o assédio sexual, dentre as formas de assédio sobre o indivíduo e que deve ser combatido e, terminantemente, proibido no âmbito do quadro normativo da União Europeia.

A Diretiva tem ainda mais importância, por exortar os Estados-membros, parceiros sociais, empregadores e as pessoas responsáveis pela formação proissional, a assumirem atitudes na prevenção de todas as formas de discriminação sexual e, especialmente, o assédio moral e o assédio sexual no ambiente de trabalho.

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Por essa Diretiva, os Estados-Membros aprovaram o compromisso de dar-lhe cumprimento até 5 de outubro de 2005. E, dela também constam as conceituações sublinhadas no seu art. 2º, sobre discriminação direta, discriminação indireta, assédio e assédio sexual, este último como a situação em que ocorre um comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objetivo ou o efeito de violar a dignidade da pessoa, em particular pela criação de um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo; qualquer forma de assédio, é também considerada igualmente uma forma de discriminação.

A Diretiva n. 2006/54/CE56 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade proissional, procedeu reformulação e atualização de disposições de Diretivas anteriores, teve o propósito de mais clareza e unidade, ainda com apoio na jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.

Essa Diretiva reforçou o conceito de assédio sexual, como prática contrária ao princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres, considerado como forma de discriminação, com ocorrência não só no local de trabalho, mas também no contexto do acesso ao emprego, à formação proissional e às promoções na carreira. Por conseguinte, estas formas de discriminação deverão ser proibidas e sujeitas a sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas.

A preocupação das autoridades da União Europeia é constante. Por isso, tendo em consideração diversas Diretivas e Recomendações, o Parlamento Europeu aprovou em 08 de outubro de 2015, uma Resolução57 sobre a aplicação da Diretiva n. 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidade e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade proissional, reforçando os princípios emanados da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, aprovada no quadro da Resolução n. 34/180 de 18 de dezembro de 1979, da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas.

No texto aprovado, sempre tendo presente que a discriminação em razão de sexo, da origem racial ou étnica, de religião ou crença, de deiciência, de idade ou da orientação sexual é proibida conforme o Direito da União Europeia, o Parlamento por intermédio dessa Resolução, solicitou à Comissão e aos Estados-Membros que criassem sistemas de monitoramento eicazes, como medidas de iscalização e controle, com o objetivo de melhorar as bases de dados sobre ocorrências de práticas de assédios e sobre os casos de discriminação

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em razão do sexo, sobretudo, neste caso, quando associadas as discriminações à gravidez e à licença maternidade.

A Resolução exorta, ainda, a Comissão a propor medidas claras para o combate, de forma eicaz, ao assédio sexual no local de trabalho, lamentando que, apesar da legislação da União Europeia a esse respeito, ainda são consideráveis as ocorrências de discriminações, mencionando, expressamente, contra transexuais.

Argentina

A Lei n. 1.225, de 4.12.2003, publicada no BOCBA n. 1.855 de 12.1.200458, aplicável aos organismos públicos da Cidade Autônoma de Buenos Aires, trata de forma geral o assédio como prática de superiores hierárquicos contra o pessoal dependente. Em seu art. 2º a Lei sanciona toda ação exercida sobre um(a) trabalhador(a) por superior hierárquico que atente contra a dignidade, integridade física, sexual, psicológica ou social daquele(a) mediante ameaça, intimidação, abuso de poder, assédio, assédio sexual, maltrato físico ou psicológico, social ou ofensa exercida sobre um(a) trabalhador(a).

Especiicamente o art. 6º é dedicado ao tipo assédio sexual com o entendimento de que tal prática se conigura quando há solicitação por qualquer meio, de favores de natureza sexual para si ou para outrem, prevalecendo-se de uma situação de superioridade, sempre que concorrer alguma das situações:

  1. quando se formular com anúncio expresso ou tácito de causar dano à vítima, no que diz respeito a suas expectativas no âmbito da relação de trabalho;

  2. quando diante do repúdio ou negativa da vítima for utilizado como fundamento à tomada de decisão relativa a essas pessoas ou a uma terceira pessoa diretamente a ela vinculada;

  3. quando a assédio interfere no habitual desempenho do trabalho, estudos, tratamentos provocando um ambiente intimidatório, hostil ou ofensivo.

Uma diferença comparativa fundamental da legislação sob comento com a tipiicação do assédio sexual no Brasil é o fato do assédio sexual no Brasil ser tipo quando praticado por superior hierárquico, enquanto outras formas de assédio, como o moral, poder ser veriicado tanto na linha hierárquica vertical de hierarquia — tanto ascendente, como descendente — como na linha horizontal, ou seja, entre pessoas do mesmo nível hierárquico.

No âmbito privado o assédio sexual ainda não foi legislado como igura autônoma, embora existam vários projetos de leis — alguns não prosperaram — na tentativa de tipiicar. Entretanto, o assédio sexual no âmbito das relações de trabalho, pode ser enquadrado como injúria, nos termos do art. 242 da Lei de Contrato de Trabalho.

Chile

No Chile, a Lei n. 20005, de 8.3.2005, introduziu modiicação no Código do Trabalho, para tipiicar e sancionar o assédio sexual...

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