O Direito Comercial e a formação histórica do princípio da boa-fé objetiva

AutorFabio Queiroz Pereira
CargoDoutorando em Direito Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais
Páginas9-28
9
DOI: 10.5433/2178-8189.2013v17n2p9
* Doutorando em Direito Civil
pela Universidade Federal de
Minas Gerais. Mestre em
Direito Civil pela Universidade
de Coimbra – Portugal.
Professor de Direito Civil na
Faculdade IBMEC-MG e na
Faculdade de Direito Milton
Campos. E-mail: fabio.queiroz
@gmail.com
SCIENTIA IURIS, Londrina, v.17, n.2, p.9-28, dez.2013
O Direito Comercial e a formação
histórica do princípio da boa-fé
objetiva
THE COMMERCIAL L AW AND THE HISTORICAL
FORMATION OF THE PRINCIPLE OF OBJECTIVE
GOOD FAITH
Fabio Queiroz Pereira *
Resumo: O presente trabalho aborda o desenvolvimento
histórico do princípio da boa-fé objetiva, tendo por cerne as
relações jurídicas de natureza comercial. O tema é explorado a
partir dos atuais contornos da boa-fé objetiva. A partir da aludida
base conceitual, são traçados alguns cortes históricos, buscando
demonstrar a influência do direito comercial no surgimento e
desenvolvimento da boa-fé objetiva, notadamente, em
decorrência do cosmopolitismo que caracteriza esse ramo
jurídico. Verificou-se, assim, que os usos e costumes comerciais,
os juramentos de honra e a jurisprudência comercial alemã são
pontos de extrema importância para a atual compreensão de
boa-fé objetiva.
Palavras-chave: Boa-fé objetiva. Direito comercial. História
do direito comercial.
Abstract: This paper discusses the historical development of
the objective good faith, based on the legal relationships of
commercial character. The theme is explored from the current
contours of objective good faith. From the mentioned conceptual
basis, are plotted some historic cuts, seeking to demonstrate
the influence of commercial law in the emergence and
development of objective good faith, especially as a result of
cosmopolitanism that characterizes this area of law. It is seen,
therefore, that the trade usages, the oaths of honor and german
commercial jurisprudence are points of extreme importance to
the current understanding of objective good faith.
Keywords: Objective good faith. Commercial law. History of
commercial law.
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SCIENTIA IURIS, Londrina, v.17, n.2, p.9-28, dez.2013
FABIO QUEIROZ PEREIRA
INTRODUÇÃO
Contemporaneamente, a boa-fé objetiva é compreendida como princípio
essencial a vincular todas as relações de direito obrigacional. Trata-se de
referência imprescindível, que permeia a atuação de todos os agentes, nos mais
variados ordenamentos jurídicos. Falar em boa-fé objetiva significa estar adstrito
a valores de cunho ético desenvolvidos no seio de um grupo social1. Denota,
ainda, inserir na ordem jurídica padrões de conduta concebidos como adequados
e que devem ser seguidos, tratando-se de verdadeiras expressões de justiça2.
O conceito de boa-fé alcançou espaço demasiadamente significativo na
cultura jurídica universal, apesar de estar inserido no pensamento científico
desde tempos mais remotos3. As ilações envolvendo a temática são resultados
de debates travados nos mais variados campos do Direito que, por sua vez, têm
como objetivo constante a delimitação do conteúdo e alcance da aplicação
desse novo matiz principiológico4.
Apesar de sua destacada importância no âmbito das relações de natureza
cível, a boa-fé objetiva possui grande aplicação no campo do direito comercial.
Os contratos travados pelas empresas devem ser necessariamente ponderados
e interpretados tendo por cerne axiológico a boa-fé objetiva. Os deveres laterais,
como a lealdade, a probidade, ou mesmo os deveres de informação, vinculam
as relações obrigacionais travadas no âmbito empresarial. Ademais, os vínculos
relacionais existentes dentro da sociedade empresarial – figura elementar para
1 Em mesma perspectiva, afirma Carlos Alberto da Mota Pinto (2005, p. 124): “A boa fé é hoje
princípio fundamental, particularmente relevante no campo das relações civis e, mesmo, de todo o
direito privado. Exprime a preocupação da ordem jurídica pelos valores extra-jurídicos da comunidade,
pelas particularidades da situação concreta a regular e por uma juridicidade social e materialmente
fundada”.
2 Nesse sentido, Massimo Bianca (2000, p. 423) aduz: “La buona fede non ha un contenuto prestabilito
ma è un pricipio di solidarietà contrattuale che si specifica in due fondamentali aspetti, quello della
salvaguardia (attivarsi per salvaguardare l’utilità dell’altra parte nei limiti di un apprezzabile sacrificio)
e della lealtà”.
3 Sobre a constatação da boa fé em tempos remotos, assevera Menezes Cordeiro (2007, p. 18): “Os
jurisprudentes romanos intentaram descobrir, num mar de decisões empíricas, encontradas na busca
de um equilíbrio, capaz de suscitar consenso, manifestações de regularidade que, permitindo tratar o
igual, por igual, e o diferente, de modo diferente, de acordo com a medida da variação, tornassem
previsíveis as saídas para litígios futuros. Fazendo-o, fundaram a Ciência do Direito onde, de imediato,
se incluiu a boa fé”.
4 É importante estar atento, contudo, aos discursos falaciosos e vazios envolvendo a boa fé. Nesse
sentido, Menezes Cordeiro (2007, p. 41) adverte: “A boa fé sofre, na actualidade, as consequências do
divórcio entre os discursos metodológicos oficiais e a dogmática jurídica. E de modo agravado: noção
vaga, carregada de história, rica em implicações emotivas e objecto de utilização alargada, embora de
contornos pouco conhecidos, ela presta-se, por excelência, a desenvolvimentos verbais, numa aporética
dominada por uma linguagem grandiloquente e vazia de conteúdo. Há uma mitificação da boa fé”.

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