Direito coletivo e sindicato

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas1468-1513

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I Introdução

Direito Coletivo do Trabalho é o conjunto de regras, princípios e institutos regulatórios das relações entre os seres coletivos trabalhistas: de um lado, os obreiros, representados pelas entidades sindicais, e, de outro, os seres coletivos empresariais, atuando quer isoladamente, quer através de seus sindicatos.

Os sujeitos do Direito Coletivo são, portanto, essencialmente os sindicatos, embora também os empregadores possam ocupar essa posição, mesmo que agindo de modo isolado. Tal diferenciação ocorre porque os trabalhadores somente ganham corpo, estrutura e potência de ser coletivo por intermédio de suas organizações associativas de caráter profissional, no caso, os sindicatos. Em contraponto a isso, os empregadores, regra geral, já se definem como empresários, organizadores dos meios, instrumentos e métodos de produção, logo, são seres com aptidão natural de produzir atos coletivos em sua dinâmica regular de existência no mercado econômico e laborativo.

Por isso é que, quando se estudam os sujeitos do Direito Coletivo do Trabalho, concentra-se a análise nas entidades sindicais, as únicas que se distinguem dos sujeitos do Direito Individual do Trabalho, agindo em nome e em favor dos empregados. Já os empregadores podem agir no Direito Coletivo, quer isoladamente, quer mediante a representação de suas entidades sindicais.

É claro que existem ordens jurídicas que não circunscrevem todos os atos próprios à seara juscoletiva apenas à participação dos sindicatos obreiros, permitindo, assim, que surjam outros sujeitos juscoletivos distintos dessas entidades e da figura do empregador. São comissões de empresas, delegados representativos do pessoal de certo estabelecimento ou empresa, a par de fórmulas organizativas congêneres. É o que se passa, por exemplo, na Inglaterra (delegados de empresas — shop stewards), na Itália (comissões de empresas) e outras experiências de países capitalistas desenvolvidos1. Trata-se de entes coletivos trabalhistas, não necessariamente restritos aos sindicatos (embora a prática histórica de tais países demonstre que os próprios sindicatos, reco-

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nhecendo a força de tais fórmulas representativas, busquem participar de sua composição, mediante a apresentação de candidaturas próprias).

No Brasil, porém, a atuação obreira nas questões juscoletivas está fundamentalmente restrita às entidades sindicais. É claro que podem existir, na prática, entidades organizativas não sindicais em lugares e segmentos não abrangidos por sindicatos; porém, no país, esses entes estão destituídos dos poderes jurídicos que o Direito confere aos sindicatos. A própria Constituição de 1988 cuidou, por precaução, de restringir à participação dos sindicatos obreiros os atos inerentes à principal dinâmica juscoletiva, a negociação coletiva. Efetivamente, dispõe o Texto Máximo da República ser obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho (art. 8º, VI, CF/88).2

II Definição

Sindicatos são entidades associativas permanentes, que representam trabalhadores vinculados por laços profissionais e laborativos comuns, visando tratar de problemas coletivos das respectivas bases representadas, defendendo seus interesses trabalhistas e conexos, com o objetivo de lhes alcançar melhores condições de labor e vida.

A definição constrói-se tendo em vista os sindicatos obreiros, cuja presença confere a marca distintiva do Direito Coletivo, em sua dinâmica atual e em sua própria evolução histórica ao longo do capitalismo.

Entretanto, à medida que existem também, é claro, sindicatos empresariais, pode-se construir definição mais larga, que abranja os dois polos trabalhistas, de obreiros e de empregadores.

Nessa linha mais lata, envolvendo empregadores, empregados e outros obreiros que se vinculam sindicalmente (como profissionais liberais e traba-

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lhadores avulsos), sindicatos seriam entidades associativas permanentes, que representam, respectivamente, trabalhadores, “lato sensu”, e empregadores, visando a defesa de seus correspondentes interesses coletivos.

É evidente, porém, que a definição de qualquer figura regulada pelo Direito passa, sem dúvida, pelas particularidades normativas de cada experiência histórica e cada sociedade. Assim, no Brasil, a definição de sindicato envolve, também, a incorporação da ideia de categoria, inerente ao sistema jurídico vigorante no país desde a década de 1930.

Nesse quadro, a partir da concepção de associação sindical prevista na CLT, que leva em conta a noção de categoria profissional, diferenciada e de trabalhadores autônomos, além da categoria dos empregadores, chamada econômica (art. 511 e seguintes), pode-se inferir uma definição legal desse sujeito do Direito Coletivo Trabalhista. Assim, a lei brasileira define sindicato como associação para fins de estudo, defesa e coordenação de interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos, ou profissionais liberais, exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas (art. 511, caput, CLT).

III Sistemas sindicais

A evolução do sindicalismo no mundo ocidental permite apreender a presença de certos padrões de organização dos distintos sistemas sindicais. Tais padrões levam em consideração, mais uma vez, os sindicatos de trabalhadores, exatamente porque neste polo é que se encontra o cerne de todo o desenvolvimento do Direito Coletivo do Trabalho.

É que, na verdade, os empregadores, enquanto empresários, organizam-se de inúmeras e diversificadas maneiras, de modo a alcançar a multiplicação de seu poder no âmbito do conjunto da sociedade e do Estado. Eles organizam-se, em primeiro lugar, individualmente, na qualidade de agentes estruturadores e administradores do processo produtivo em seus estabelecimentos e empresas (por isso é que são, naturalmente, seres cole-tivos trabalhistas). Eles agregam-se, em seguida, a distintas e concomitantes associações empresariais (de caráter permanente ou meramente circunstancial), segundo pontos de contato considerados relevantes para a defesa de seus interesses. Eles podem se agregar, por fim, em conformidade com o modelo sindical seguido na respectiva ordem jurídica, em sindicatos empresariais, voltados às relações com seus respectivos trabalhadores e os demais da correspondente categoria econômica.

O estudo dos padrões de organização sindical obreira deve ser dividido em dois tópicos, correspondentes a duas perspectivas diferenciadas de se examinar o problema.

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De um lado, situam-se as fórmulas de estruturação dos sindicatos de trabalhadores, isto é, os critérios de agregação de obreiros em determinado sindicato. Nesta perspectiva, podem ser encontrados, essencialmente, sindicatos que agregam trabalhadores seja por ofício ou profissão, seja por categoria profissional, seja também por empresa e, finalmente, cite-se o importante critério de agregração por ramo ou segmento de atividade empresarial.

De outro lado, situa-se a contraposição entre dois modelos, segundo a regulação legal do unitarismo ou pluralismo sindicais. Há, em um polo, o sistema jurídico de sindicalismo único representativo de trabalhadores, imposto por lei. Em outro polo há o modelo jurídico que não impõe, legalmente, o unitarismo, viabilizando a pluralidade sindical ou a unidade construída pela prática mesma do movimento obreiro. Trata-se, em suma, do conhecido debate entre unicidade determinada por lei e a não prefixação legal da unidade ou pluralidade sindicais.

1. Critérios de Agregação dos Trabalhadores no Sindicato

Conforme exposto, há, basicamente, quatro padrões de agregação de trabalhadores a seus respectivos sindicatos. Esses padrões, esclareça-se, não são, necessariamente, todos eles, excludentes entre si; alguns deles, pelo menos, podem se combinar em uma certa realidade sociojurídica.

A) Sindicatos por Ofício ou Profissão — Nesse quadro, há os sindicatos que agregam trabalhadores em virtude de seu ofício ou profissão. É claro que o sistema pode exigir identidade profissional ou apenas uma relevante similitude de profissões.

Trata-se de modelo sindical prestigiado nos primeiros momentos do sindicalismo, com perda de densidade nos períodos subsequentes, ao menos nos países capitalistas centrais. Contudo, sempre preservou grande influência no berço do movimento operário ocidental, a Inglaterra3. No Brasil, esse padrão tem certa importância no conjunto das entidades sindicais, embora não seja, de modo algum, dominante.

São sindicatos que agregam trabalhadores em vista de sua profissão, no Brasil, ilustrativamente, os chamados sindicatos de categoria diferenciada, como professores, motoristas, aeronautas, aeroviários, jornalistas profissionais, músicos profissionais, etc.

A CLT arrola, em seu final, no quadro a que se refere seu art. 577, um grupo de categorias diferenciadas. Esclarece a Consolidação que categoria diferenciada é a que se forma dos empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em consequência de condições de vida singulares (art. 511, § 3º)4.

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Esse tipo de associação tem recebido o epíteto de sindicatos horizontais, porque...

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