O Direito Coletivo do Trabalho

AutorPedro Proscurcin
Ocupação do AutorDoutor em Direito pela PUC/SP. Professor de Direito na FECAP/SP
Páginas314-324

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1. Antecedentes das relações coletivas de trabalho

Falamos de relações coletivas de trabalho com o advento da I Revolução Industrial. Como sabemos, a burguesia tornou-se poderosa graças à industrialização e ao incremento do comércio. No entanto, a burguesia tinha de pagar impostos ao Rei sem participar do poder, fato que era insuportável e impedia o desenvolvimento mais veloz da expansão do capital. A monarquia ociosa e arrogante tornou-se um estorvo e o burguês industrial capitalista passou a conspirar contra o Rei absolutista e sua corte.

A burguesia dispunha de modelos teóricos de contrato social e de governo republicano desenvolvidos por Rousseau, Montesquieu, Voltaire, Hume, Locke, Kant, entre tantos outros. As ideias eram libertárias e individualistas em contraposição ao centralismo absolutista. Não se esquecendo de Adam Smith, que teorizou o modelo económico capitalista liberal com o seu A riqueza das nações. O modelo de governo era a República com divisão de poderes e eleições periódicas.

Com esse aparato teórico que modificou todos os campos do saber e que levou a denominação de Iluminismo, a burguesia, como nova classe social esclarecida, revolucionária e consciente da sua importância, precisava apenas de mais massa social que lhe daria força política e legitimidade para afastar a monarquia do poder político. Aliou-se aos mais pobres e aos proletários por ela criados e, assim legitimada, derrubou, pelas novas ideias, armas e alianças, a monarquia que representava o velho passado tirânico, porque absolutista e insensível.

A Revolução Francesa de 1789, liderada pela burguesia, representou a virada republicana modernizadora e o fim do velho regime - ancien regime -, insuportável pela maioria esmagadora da população, vítima de toda sorte de injustiça. A palavra de ordem da revolução era: "Liberdade, Igualdade e Fraternidade". A assembleia revolucionária aprovou naquele ano uma Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão230, que, ao lado da Declaração dos Representantes dos Estados Unidos da América231 de 1776, representa monumento libertário e conquista de direitos inalienáveis da humanidade.

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A participação dos trabalhadores proletários na revolução burguesa não significou mudança das suas condições de vida e de trabalho. Pelo contrário, o liberalismo aliado ao individualismo prevaleceu sobre a fraternidade e a solidariedade. A exploração do trabalho dos homens, mulheres e crianças continuou sua marcha sinistra. Ao contrário da burguesia, que fez a revolução com base em teorias e programas do governo, os proletários estavam ainda surpresos e desorientados sobre como enfrentar aquela situação de vida. As jornadas extensas e as perigosas condições de trabalho impediam a geração de formas de ação política reivindicatória. Para completar esse quadro desfavorável, foi iniciada uma campanha contra as corporações de ofício que reuniam artesãos mestres, aprendizes e companheiros, cujo formato de trabalho monopolizava a produção de bens e serviços.

As corporações concorriam com a indústria nascente dos burgueses e estes conseguiram eliminá-las em boa parte da Europa, mesmo antes da Revolução de 1789. Tanto que a Inglaterra, berço da revolução industrial, aboliu as corporações de sapateiros e tecelões em 1773. Na Áustria, Prússia, Toscana, Estados Pontifícios e França (Edito de Turgot de 1776), as corporações foram abolidas entre 1771 e 180C232. Na França, o Décretd'Allarde, de 17 de março de 1791, suprime definitivamente as corporações e consagra a chamada liberte du travai233. Porém, para reprimir qualquer tipo de iniciativa de reunião corporativa ou de grupos de trabalhadores, é baixada a famosa Lei Chapelier, em 17 de junho de 1791, proibindo inclusive a convenção entre empregados e empregadores para tratar de "interesses comuns", sendo declaradas "inconstitucionais" as sobreditas convenções.

Para completar o quadro de horrores, o Código Penal de 1810 da França proíbe toda reunião não autorizada de mais de vinte pessoas234. A repressão ao movimento dos trabalhadores se espraia pela Europa, a monarquia é deposta ou negocia sua readaptação à nova realidade, e o burguês industrial, revolucionário vitorioso apoiado na técnica, consolida o capitalismo como fase histórica moderna.

Merece registro, em razão da importância histórica, o movimento que ocorreu, sobretudo na Inglaterra, contra o desemprego produzido por novas máquinas, crises económicas de mercado e condições de trabalho.

Tratava-se do movimento "ludista", que ocorreu entre 1811 e 1813 na Inglaterra. Operários invadiam as indústrias e quebravam as máquinas, como que se estas fossem as culpadas pelas suas desgraças. A repressão foi fortíssima e após uma série de enforcamentos o movimento definhou. Era um movimento social não estruturado, sem um programa e sem ideologia definida, mas foi uma das primeiras manifestações modernas contra a exploração operária235.

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2. As relações coletivas de trabalho

O DCT - Direito Coletivo do Trabalho trata das relações entre os grupos sociais de trabalhadores e de empregadores, em suma, de relações coletivas de trabalho. Por oposição ao direito individual traduzido no contrato de trabalho, o DCT se ocupa da contratação entre agentes coletivos representando os interesses de grandes grupos. O DCT - Direito Coletivo do Trabalho é um conjunto de fontes, princípios, normas e instituições jurídicas que tratam das relações coletivas de trabalho. Disciplinam o conflito coletivo e os instrumentos normativos produzidos pelas representações dos trabalhadores e empregadores.

Está implícita a ideia de sindicato, que modernamente é reconhecido e possui o poder de representação dos sujeitos da relação jurídica coletiva. Nessa ordem, o sindicato é órgão de representação dos grupos sociais indeterminados de empregados e de empresas. Estes são os sujeitos da relação coletiva de trabalho. O porte do grupo social que estamos tratando é relativo.

No DCT brasileiro, o grupo de empregados de todas as empresas da mesma atividade forma uma categoria profissional, por exemplo, os metalúrgicos da Capital ou do ABC. Do mesmo modo do lado empresarial, várias empresas do mesmo ramo de atividade são chamadas de categoria económica. Estão no âmbito do DCT situações em que são partes da relação um grupo ou o conjunto de empregados de uma empresa representados pelo seu respectivo sindicato em conflito de interesses com a mencionada empresa.

De acordo com a legislação brasileira, podem ser sujeitos da relação coletiva de trabalho os seguintes grupos: (a) parte ou (b) o conjunto de empregados de determinada empresa representados pelo respectivo sindicato, (c) a referida empresa, (d) a categoria profissional, (e) a categoria económica representada pelos respectivos sindicatos (profissionais e económicos) e (f) até o Ministério Público, caso o interesse da comunidade possa estar envolvido. Esses aspectos da relação coletiva de trabalho ficarão mais transparentes quando estudarmos o contrato coletivo de trabalho, que no Brasil se apresenta nas formas de convenção coletiva de trabalho e acordo coletivo de trabalho. Embora não seja comum, é possível um conflito entre mais de uma categoria profissional e mais de uma categoria económica.

Não podemos descartar um conflito de todos os trabalhadores com todas as empresas de determinada região do país. Basta a existência da reivindicação comum de qualquer dos lados da relação coletiva de trabalho envolvendo todas as categorias profissionais e económicas locais para estarmos diante de um conflito multicategorial.

Pelo que verificamos com base no sistema brasileiro, o DCT é uma das estruturas jurídicas do subsistema Direito do Trabalho. O DCT visa a regular as relações de trabalho entre empregados e empresas, por meio dos respectivos sindicatos represe ntativos236. Essa é uma primeira constatação funcional do DCT.

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3. Liberdades sindicais

As liberdades sindicais são as seguintes: liberdade de organização, liberdade de programa de ação; liberdade de filiação; liberdade em relação ao empregador e vice-versa; liberdade em relação ao Estado. Liberdade de organização significa vida sindical livre quanto aos seus estatutos internos e ao espaço representativo, à composição dos quadros diretivos e das...

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