O direito à cidade (inteligente): tecnologias, regulação e a nova agenda urbana

AutorJhessica Reia
Páginas140-170
140
O DIREITO À CIDADE (INTELIGENTE): TECNOLOGIAS,
REGULAÇÃO E A NOVA AGENDA URBANA1
JHESSICA REIA
INTRODUÇÃO: O LUGAR DA CIDADE
Observar e estudar a cidade em suas mais variadas formas e perspec-
tivas tem se tornado prática recorrente. Diante de taxas de urbanização
crescentes e do papel central que as cidades vêm assumindo em diversas
áreas do conhecimento, torna-se essencial pensar os centros urbanos a
partir de abordagens variadas, que tenham um entendimento da cidade
que vai além de suas estruturas físicas. Com o avanço de novas tecnolo-
gias da informação e da comunicação, somado à presença marcante dos
meios de comunicação de massa, outras formas de gerir e viver a cidade
acabam surgindo. A construção da cidade é um processo contínuo, fluido
e conflituoso que atrai o interesse de cada vez mais pesquisadores.
É comum ouvir que a população mundial tem se tornado progressivamente
urbana. Segundo o relatório World Urbanization Prospects: The 2018 Revision,2
publicado pela Population Division of the Department of Economic and Social
Affairs, da Organização das Nações Unidas (ONU), 55% da população vive
em áreas urbanas em 2018 – sendo que nos anos 1950 essa taxa era de 30%
e provavelmente atingirá 68% da população mundial até 2050, segundo as
projeções da ONU. Hoje, na América Latina e no Caribe, 81% das pessoas
vivem em regiões urbanizadas (UNITED NATIONS, 2018).
1 Parte da discussão aqui apresentada vem de reflexões feitas ao longo dos últi
-
mos anos, da participação em eventos acadêmicos e da co-coordenação do projeto
Discrimination vs. Data Control in Brazilian Smart Cities, financiado pela Open Society
Foundations (OSF).
2 Ver: UNITED NATIONS. World Urbanization Prospects: The 2018 Revision,
Online Edition, 2018. Disponível em:
Files/WUP2018-KeyFacts.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2018.
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 141
Conforme pode ser visto na Figura 1 abaixo, a proporção da população
urbana no Brasil vem aumentando de forma rápida, passando de 36,2% em
1950 para 86,6% em 2018 – e com uma projeção de 92,4% da população
brasileira vivendo em regiões urbanas até 2050. Ao se comparar com a
sub-região – América do Sul – e região – América Latina –, vê-se que o
Brasil apresenta taxas de urbanização mais elevadas e tem uma projeção
que tende a ultrapassar as taxas sub-regionais e regionais, sendo também
consideravelmente maiores que o total global.
Figura 1 – Proporção da população urbana no Brasil em comparação
à sub-região, região e total global, percentual (1950-2050)
100,0
90,0
80,0
70,0
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0
10,0
0,0
1950
1954
1958
1962
1966
1970
1974
1978
1982
1986
1990
1994
1998
2002
2006
2010
2014
2018
2022
2026
2030
2034
2038
2042
2046
2050
Brasil América
do Sul
América
Latina Mundo
Fonte: UNITED NATIONS, DEPARTMENT OF ECONOMIC
AND SOCIAL AFFAIRS, POPULATION DIVISION.
World Urbanization Prospects: The 2018 Revision, Online
Edition, 2018. Tradução e adaptação minha.
No Brasil, a tendência de migrações cidade-campo e do crescimento
urbano se acentuam a partir, principalmente, do século XX. De acordo
com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil pos-
suía 5.570 municípios em 2013, e a taxa de urbanização saltou de 31,24%
em 1940 para 84,36% em 2010, conforme pode ser visto no quadro 1.
Atualmente, o país tem uma das maiores cidades do mundo: São Paulo, cuja
região metropolitana tem em torno de 22 milhões de habitantes – sendo
superada apenas por Tóquio – 37 milhões –, Nova Deli – 29 milhões – e
Shanghai – 26 milhões –, em termos de aglomeração urbana e empatando
com a Cidade do México em proporção populacional vivendo em áreas
142 HORIZONTE PRESENTE
urbanas (UNITED NATIONS, 2018). Ao mesmo tempo, é preciso ter em
mente que quase metade da população mundial urbana vive em cidades
com menos de 500.000 habitantes, enquanto uma em cada oito pessoas
habita uma das 33 megacidades globais – que possuem mais de 10 milhões
de habitantes –, de acordo com o relatório da ONU.
Quadro 1 – Evolução da taxa de urbanização no Brasil, percentual, 1940-2010
1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2007 2010
31,24 36,16 44,67 55,92 67,59 75,59 81,23 83,48 84,36
Fonte: IBGE, Censo demográfico 1940-2010.
Diante desse cenário, vale também refletir para além dos números. Uma
abordagem multidisciplinar das cidades é necessária para entender as
muitas dinâmicas de poder que operam em diversos âmbitos urbanos. O
peso crescente das iniciativas de desenvolvimento urbano sustentável se
alia à complexificação das disputas pelos espaços públicos e os direitos de
se viver e ocupar as cidades, que tem também se intensificado a partir da
difusão de novas – e consolidadas – tecnologias, entranhadas nas cidades.
Como será brevemente discutido ao longo deste trabalho, analisar os muitos
papéis das tecnologias na cidade, a partir de sua materialidade e dentro
de um contexto histórico, cultural e socioeconômico é imprescindível.
Outras formas de construir, prever, circular, gerir, viver, planejar, se mover,
desfrutar e disputar a cidade vem surgindo e refletem as muitas forças que
atuam sobre ela: do planejamento à regulação de seus usos, do controle
dos espaços aos atos de desobediência civil, dos corpos que ocupam às
ruas às suas afetividades. A partir, principalmente, da chamada “virada
espacial” – spatial turn –, os temas relacionados ao espaço – especialmente
ao espaço urbano – e seus desdobramentos acabam ganhando destaque em
várias áreas do conhecimento – ver, por exemplo, a influência de Lefebvre
(1991); Harvey (1989); e Jacobs (2011) –, inclusive no campo da comuni-
cação, onde os estudos que conjugam mídia, processos comunicacionais,
mediações e cidades vem se multiplicando.
O interesse crescente pelas cidades contemporâneas se reflete em eventos
de magnitudes e propósitos diversos, que se multiplicam ao redor do mun-
do, atraindo representantes da sociedade civil, de governos, da iniciativa
privada e da academia. Um caso emblemático foi a III Conferência das
Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável
(Habitat III), que aconteceu em outubro de 2016, em Quito, na qual foi
assinada a Nova Agenda Urbana (NAU), que estabelece as diretrizes para
o planejamento urbano sustentável nos próximos vinte anos.
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 143
Tendo como ponto de partida a relevância das cidades em um contexto
global, assim como os muitos desafios ligados ao planejamento urbano,
o objetivo central do trabalho aqui apresentado é oferecer uma discussão
preliminar sobre cidades inteligentes a partir da perspectiva do direi-
to à cidade e com uma análise crítica da ideia de “inteligência” urbana
(MATTERN, 2017). Tendo a comunicação urbana como enquadramento
teórico, busca-se analisar a presença de tecnologias nas cidades para além
do hype de smart city e em diálogo com a NAU.
A primeira parte traz à tona uma reflexão sobre inteligência urbana e o en-
trelaçamento entre tecnologias e cidades. Já a segunda parte foca no direito à
cidade sendo incorporado na Nova Agenda Urbana e como ela deve dialogar
com iniciativas de cidades inteligentes. A última parte analisa brevemente a par-
ticipação do Brasil da NAU e alguns desafios da implementação de diretrizes da
agenda, principalmente no que diz respeito às iniciativas de cidades inteligentes.
CIDADES E TECNOLOGIAS:
SOBRE MÍDIAS E INTELIGÊNCIAS
Tecnologia e cidades são temas que tem aparecido cada vez mais en-
trelaçados e muito se fala sobre “inteligência urbana”. Pesquisadores se
debruçaram sobre relações entre mídia, tecnologias e cidade por décadas,
levantando debates que valem ser mencionados. Nos últimos anos houve
um aumento considerável das abordagens que estudam os impactos de
novas tecnologias nas cidades, com conceitos como “computação ubíqua”
(ubicomp), “cidade informacional” (informational city), “cidade midiática”
(media city), “cidade comunicativa” (communicative city) e “cidade inte
-
ligente” (smart city), entre tantos outros, ganhando terreno na literatura
acadêmica, no setor privado e nas esferas de policymaking.
Scott McQuire (2006; 2008), por exemplo, contribuiu para o entendimento
do conceito de “cidades midiáticas” (media city), nas quais os meios de co-
municação de massa habitam os espaços públicos, coexistindo com as novas
tecnologias e criando outras maneiras de experimentar os espaços urbanos.
McQuire (2006, n.p.) apresenta a ideia de “cidade midiática” em contraposição
ao conceito amplamente usado de “cidade informacional” (CASTELLS, 1989),
uma vez que defende ser preciso reconhecer uma história mais longa e diver-
sificada da produção mediada do espaço urbano do que aquela concentrada
nas novas tecnologias da comunicação e da informação. A cidade moderna
transforma-se em um espaço complexo que envolve mídia e arquitetura, no
qual a produção mediatizada do espaço urbano se torna um quadro constitutivo
para um novo modelo de experiência social (McQUIRE, 2008).
144 HORIZONTE PRESENTE
Contudo, é importante ressaltar que a relação entre cidade e mídia
nem sempre é muito evidente, à primeira vista, como no imaginário
das cidades inteligentes. Pensar além dos meios de comunicação de
massa e das novas tecnologias permite enxergar as relações mais pro-
fundas e não óbvias, através de outras estruturas, outros processos e
mediações cotidianas. Na análise apresentada em Deep Mapping the
Media City, Shannon Mattern (2015) propõe uma urban media archae-
ology – em referência à Kittler e Griffin (1996), que desenvolveram a
ideia da “cidade como meio” (city as a medium), permeada por redes
de informação – que busque em profundidade a história material da
cidade, para além dos dispositivos e de encontro às redes e ondas que
constituem (e sempre constituíram) as cidades:
[…] nós também reconhecemos que as cidades inteligentes da atualidade
não possuem um monopólio sobre a inteligência urbana. As cidades vêm
incorporando redes inteligentes e formas de inteligência ‘ambiente’ muito
antes do digital e do que passamos a chamar de “a Rede”. Nossas cidades
vêm sendo mediadas, e inteligentes, por milênios. (MATTERN, 2015, p.
xii-xiii, tradução livre)3
Questionando a busca por data-driven urban efficiencies e se basean-
do em uma análise das estruturas urbanas crítica às iniciativas smart,
Shannon Mattern (2017) traz uma importante contribuição para o debate
aqui proposto:
Conforme caminhamos para um futuro que nos oferece o potencial cada
vez maior para um controle mediado da paisagem urbana e que, ao mes-
mo tempo, nos faz ter uma sensação difusa da perda de controle sobre a
proliferação e aplicação - muitas vezes acrítica - de tecnologias em rede e
metodologias baseadas em dados, nos faria bem refletir sobre que tipo de
‘inteligência’ ou ‘consciência’ nós gostaríamos que nossas cidades incorpo-
rassem, para então encorajar seus líderes e habitantes. Fazer isso, argumento,
também requer que reconheçamos o fato de que as cidades inteligentes da
atualidade não possuem monopólio da inteligência urbana. Na verdade,
podemos traçar esse genoma da ‘inteligência’ até sua origem nas antigas
Roma, Uruk e Catalhöyük. As cidades, incluindo muitas que estão muito
distantes dos nossos data hubs e laboratórios de P&D contemporâneos, já
incorporavam redes inteligentes e formas de inteligência ‘ambiente’ muito
antes de colocarmos sensores nas ruas. As cidades do passado – mesmo
nossos primeiros assentamentos – eram tão inteligentes quanto, apesar de
3 No original: “[…] we also recognize that today’s smart cities don’t have a mono-
poly on urban intelligence. Cities have embodied networked smarts and forms of
“ambient” intelligence since long before the digital and what we know today as “the
network”. Our cities have been mediated, and intelligent, for millennia.”
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 145
que sua inteligência era menos computacional e mais material e ambiental.
(MATTERN, 2017, P. x-xi, grifos no original, tradução livre)4
A noção de que as cidades inteligentes de hoje não têm o monopólio
da inteligência urbana, já que as cidades sempre criaram e usufruíram de
diferentes formas de inteligência – mesmo que menos computacionais e
mais materiais (para quem as construía, administrava ou habitava) – ajuda
a descontruir a visão de que a inteligência é algo novo ou corporativo.
Levar em conta o ambiente urbano como meio (medium) , uma vez que
as paisagens físicas das cidades “inscrevem, transmitem e até incorporam
informações” (MATTERN, 2017, p. xii, tradução livre). 5
Ao retomar o argumento de que as cidades vêm sendo inteligentes por milênios,
Mattern (2015, 2017) afirma que essa inteligência é não apenas tecnológica, mas
também epistemológica e física, indo além de cabos, protocolos, leis e instituições:
[…] por milênios, nossas cidades já eram inteligentes e mediadas, for-
necendo espaços para a mediação dessa inteligência. Essa inteligência é
simultaneamente epistemológica, tecnológica e física; está codificada nas
leis, conhecimentos cívicos e instituições das nossas cidades, conectadas
em seus cabos e protocolos, enquadradas em suas ruas e arquiteturas, em
seus padrões de desenvolvimento. A cidade é mediada entre essas várias
materialidades de inteligência, entre o éter e o minério de ferro. O barro e o
código, a sujeira e os dados estão misturados aqui, como sempre estiveram.
(MATTERN, 2017, p. xii, grifos no original, tradução livre) 6
4 No original: “As we head into a future offering ever more potential for mediated control
of the urban landscape, and, at the same time, a pervasive sense of our loss of control over
the proliferation and sometimes uncritical application of networked technologies and
data-driven methodologies, we would do well to enlighten ourselves about what kind of
“smartness” or “sentience” we want our cities to embody and to encourage in its leaders
and inhabitants. And doing so, I argue, requires that we also recognize today’s smart
cities don’t have a monopoly on urban intelligence. In fact, we can trace that “smart”
genome all the way back to ancient Rome, Uruk, Çatalhöyük. Cities, including many
far afield from our contemporary data hubs and R and D labs, embodied networked
smarts and forms of “ambient” intelligence well before we implanted sensors in the
streets. Yesterday’s cities – even our earliest settlements –were just as smart, although
theirs was an intelligence less computational and more material and environmental.”
5 No original: “inscribe, transmit, and even embody information.”
6 No original: “[…] our cities have been smart and mediated, and they’ve been
providing spaces for intelligence mediation, for millennia. That intelligence is simul-
taneously epistemological, technological, and physical; it’s codified in our cities’ laws
and civic knowledges and institutions, hard-wired into their cables and protocols,
framed in their streets and architectures and patterns of development. The city
mediates between these various materialities of intelligence, between the ether and
the iron ore. Clay and code, dirt and data intermingle here, and they always have.”
146 HORIZONTE PRESENTE
Mattern (2017a, n.p.), em artigo publicado no Places Journal, defende
que não podemos deixar que a ideia da “cidade como um computador”
(the city as computer) nos previna de enxergar inúmeras outras formas dos
dados e lugares de geração de inteligência na cidade – ela menciona, por
exemplo, departamentos municipais, hospitais, laboratórios, empresas,
arquivos municipais, bibliotecas, museus, etc.
Em um texto de 2016, publicado no Mediapolis Journal, Myria Georgiou
questiona especificamente as relações existentes entre conectividade digital
e o direito à cidade, especialmente no que diz respeito à cidade e ao urba-
nismo inteligente. Partindo de trabalhos como os de Greenfield (2013),
Townsend (2013) e Niaros (2016), Georgiou afirma que:
Os estudos críticos sobre o urbanismo inteligente já discutiram extensivamente
sobre as conexões entre o utopismo digital e o capitalismo neoliberal, a vigilân-
cia e o determinismo tecnológico. Esses estudos apresentaram alternativas às
apropriações que as políticas urbanas neoliberais fizeram do digital, propondo
‘cidades (de dados) abertos/as’; ‘cidades inteligentes voltadas para o bem comum’;
e o ‘direito à cidade híbrida’. Ainda assim, nessa literatura crítica, a vida digital
é tomada como se fosse algo ordinário, e não só isso, mas como um quadro
normativo para pensar o direito à cidade. Direta ou indiretamente, essa literatura
confirma que o direito à se comunicar (digitalmente) é um caminho para o direito
à cidade. (GEORGIOU, 2016, n.p., grifos no original, tradução livre)7
Para Georgiou, a falta de universalização da conectividade apropriada
pode acabar excluindo as pessoas de processos participativos que aconte-
cem digitalmente. Para ela:
A conexão é política. Ela toca nos principais desafios da desigualdade nas
cidades. Conforme o digital se tornou um espaço de muitas lutas sobre
acesso e controle de recursos materiais e simbólicos, e também da regu-
lação algorítmica da vida cotidiana, a conexão também é sobre exclusão e
desigualdade. (GEORGIOU, 2016, n.p., tradução livre)8
7 No original: Critical scholarship on smart urbanism has discussed extensively the links
between digital utopianism and neoliberal capitalism, surveillance, and techno-deter-
minism. Such scholarship has proposed alternatives to the corporate and neoliberal
urban policies’ appropriations of the digital, by instead proposing “open (data) cities”;
“commons-oriented smart city”; and the “right to the hybrid city.” Yet, in this critical
literature, digital life is still assumed as ordinary, and not only ordinary, but also a
normative frame to think of the right to the city. Directly or indirectly, this literature
confirms that the right to (digitally) communicate is a pathway to the right to the city”.
8 No original: “Connection is political. It touches upon the core challenges of ine-
quality in the city. As the digital has become a space for many struggles around access
and control of symbolic and material resources, but also for algorithmic regulation
of everyday life, connection is also about exclusion and inequality.”
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 147
Uma área que vale destacar, e com a qual esse trabalho dialoga, é a “co-
municação urbana” (urban communication). As discussões em torno da co-
municação urbana são relativamente recentes
9
e se somam a outros debates
que traçam as relações entre mídia e cidade. Nas palavras de Giorgia Aiello
e Simone Tosoni (2016, p. 1253), a comunicação urbana se dedica a estudar
as formas pelas quais as pessoas se conectam ou não com os outros e com o
espaço urbano através de meios materiais, tecnológicos e simbólicos:
De modo geral, os estudos de comunicação urbana estão preocupados com
os modos pelos quais as pessoas nas cidades se conectam (ou não) com os
outros e com o ambiente urbano, por meios simbólicos, tecnológicos e/ou
materiais. Ao tentar entender essas relações mais amplas e suas dinâmicas,
no entanto, é necessário manter um olhar holístico sobre as várias formas
que esses estudos de fato assumem. Conforme nos mantemos observan-
do o crescimento e o alcance da comunicação urbana como uma área de
interesse independente, também é preciso parar e refletir o modo como
nós, pesquisadores de mídia e comunicação, tratamos a cidade. (AIELLO;
TOSONI, 2016, p. 1254, tradução livre) 10
O espaço urbano construído também é comunicativo (DICKINSON;
AIELLO, 2016, p. 1295) e se exacerba ao ser ocupado por diferentes práticas
cotidianas.
11
Para Ferrara (2008, p. 43), “enquanto construção, a cidade
é meio, enquanto imagem e plano, a cidade é mídia, enquanto mediação,
a cidade é urbanidade”. No Brasil, trabalhos interessantes que entrelaçam
cidades, meios e mediações vêm sendo realizados. Vale citar Lucrécia
D’Alessio Ferrara (2008), que coloca a cidade como a “maior experiência
9 Ver, por exemplo, a edição especial Urban Communication: Going About the City:
Methods and Methodologies for Urban Communication Research do International Journal
of Communication, organizada por Giorgia Aiello e Simone Tosoni, volume 10 de
2016. Ver também as coletâneas do Urban Communication Reader, em dois volumes:
BURD et al., 2007 e JASSEM et al., 2010.
10 No original: “Generally speaking, urban communication scholarship is concerned
with the ways in which people in cities connect (or do not connect) with others and
with their urban environment via symbolic, technological, and/or material means.
In trying to understand these broader relationships and dynamics, however, it is
necessary to maintain an ecumenical view on the various forms that this kind of
scholarship may in fact take. As we keep observing the growth and outreach of ur-
ban communication as an area of inquiry in its own right, we also need to take time
to reflect on how we, as media and communication researchers, go about the city.”
11 Ver, por exemplo, o conceito de “cidade comunicativa” (communicative city),
cujos desdobramentos impulsionaram a criação de um prêmio e de uma área es-
pecífica de estudo e atuação política (GUMPERT; DRUCKER, 2008; BURD, 2008;
MATSAGANIS et al., 2013).
148 HORIZONTE PRESENTE
comunicativa da humanidade” (FERRARA, 2008, p. 42), cuja funciona-
lidade e comunicação são dois parâmetros básicos, induzidos através de
sua forma construída, a arquitetura (FERRARA, 2008, p. 41-42).
Como mencionado anteriormente, esse trabalho está centrado na cres-
cente disseminação de conceitos e inciativas vinculadas à uma ideia de
“cidade inteligente” – e sua relação com o direito à cidade. Além de olhar
de forma crítica para a associação entre inteligência urbana e novas tecno-
logias, é preciso também ter em mente as narrativas criadas em torno dos
múltiplos conceitos de cidades inteligentes (ver, por exemplo, KITCHIN,
2014, 2015; KITCHIN et al, 2017; NIAROS, 2016; SHELTON et al, 2015).
Para Söderström et al (2014), é relevante considerar a atividade discursiva
em torno desses conceitos, uma vez que ela é performativa e “[…] molda
os imaginários e práticas de uma miríade de atores construindo concreta-
mente a cidade através de estudos de caso particulares ou projetos-piloto,
decisões e ações cotidianas […].” (SÖDERSTRÖM et al, 2014, p. 307,
tradução livre).12 Os autores colocam o enredo dominante de cidades inte
-
ligentes como uma “[…] ferramenta estratégica para ganhar uma posição
dominante em um mercado enorme.” (SÖDERSTRÖM et al, 2014, p. 316,
tradução livre)13 ao se debruçarem sobre as narrativas construídas por
grandes empresas como IBM, assim como o discurso em torno de cidades
inteligentes é entendido por eles como um “framing device” (SÖDERSTRÖM
et al, 2014, p. 317). Outros pontos que valem ser ressaltados – e que são
resultado desse discurso – consistem na consolidação de um discurso
tecnocrático e informacional da gestão urbana, na qual dados e softwares
seriam suficientes; e na mentalidade de que os assuntos urbanos seriam
apolíticos ou politicamente neutros (SÖDERSTRÖM et al, 2014, p. 317).
As questões levantadas por Söderström et al (2014) são de grande rele-
vância para o debate aqui apresentado, já que oferecem uma perspectiva
crítica para a adoção de inciativas de cidades inteligentes – e para o uso
de rankings na avaliação de inteligência urbana:
A aparente neutralidade política da narrativa dominante sobre cidades inte-
ligentes é reforçada pela produção de critérios de avaliação e rankings, pelos
quais as cidades são classificadas de acordo com seu grau de inteligência
[…]. Esses rankings e incentivos financeiros, alimentados por conversas
inteligentes, levam à desenvolvimentos tecnológicos necessários, mas ao
mesmo tempo podem ofuscar necessidades mais urgentes. Tornar-se uma
12 No original: “[…] shapes the imaginaries and practices of a myriad of actors
concretely building the city through particular case studies or pilot projects, decisions
and everyday action […].”
13 No original: […] strategic tool for gaining a dominant position in a huge market.”
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 149
cidade mais inteligente implica em dar prioridade a investimentos em tec-
nologia, enquanto moradias de baixo custo e sistemas de esgoto que não
exigem altos investimentos em tecnologia são na verdade mais urgentes
para muitas cidades no mundo. A prioridade na tomada de decisões não é,
obviamente, um assunto apolítico, mas o núcleo duro das políticas muni-
cipais. (SÖDERSTRÖM et al, 2014, p. 317, tradução livre).14
Outras questões também devem ser levadas em conta ao se pensar em
cidades inteligentes e o direito à cidade. O tema da privacidade tem aparecido
com maior destaque na literatura técnica e acadêmica, no debate público
e nos documentos da sociedade civil. Vale destacar brevemente o relatório
da Privacy International intitulado Smart Cities: Utopian Vision, Dystopian
Reality (2017), que parte da afirmação de que mesmo que se encare a smart
city como um conceito mercadológico, as iniciativas de cidades inteligentes
já estão moldando as ruas de cidades ao redor do mundo, e “[…] o que
todas essas iniciativas têm em comum é que a inteligência é entendida como
coleta de dados, facilitada pelo cada vez mais capazes sensores tecnológicos.
Muitas daquelas iniciativas também focam intensamente em segurança.”
(PRIVACY INTERNATIONAL, 2017, p. 11, tradução livre).
15
Analisando
casos de algumas cidades – incluindo o Rio de Janeiro – acabam identi-
ficando algumas tendências que devem ser mais amplamente discutidas:
o crescimento da coleta de grande volume de dados16 e dos propósitos
de vigilância (ver também CARDOSO, 2014; BRUNO et al, 2015), assim
como a necessidade de supervisão pública da questão, principalmente pelos
cidadãos (PRIVACY INTERNATIONAL, 2017, p. 19-21).
A transferência da inteligência para os cidadãos – smart citizens e smart
citizenship – e para o papel da participação cidadã no enquadramento
teórico, técnico e prático das cidades inteligentes também vale ser men-
cionada, nem sempre funcionando como esperado, conforme mostram
14 No original: “The apparent political neutrality of the dominant smart city story is
reinforced by the production of evaluation criteria and rankings where cities are classi-
fied according to their degree of smartness […]. Such rankings and financial incentives
fueled by smart talk can of course lead to necessary technological developments, but
they might also obfuscate more urgent needs. Becoming a smarter city implies giving
priority to investments in technology while technology-poor affordable housing or
sewage systems are arguably more urgent in many of the world`s cities. Priority-making
is of course not an apolitical matter, but the very core of municipal politics.”
15 No original: […] what all these initiatives have in common is that smartness is
understood as data collection, facilitated by ever more capable sensor technologies.
Many of those initiatives also have a strong focus on security.”
16 Vale destacar também o interessante trabalho de Meijer, 2017.
150 HORIZONTE PRESENTE
Cardullo e Kitchin (2018).
17
Entre os principais achados dos autores, que
analisaram o enquadramento dos cidadãos dentro de iniciativas de cidades
inteligentes em Dublin, uma das principais críticas é a possibilidade de
operar apenas dentro do modelo pré-estabelecido:
Apesar da participação cidadã ser potencialmente diversa, na maioria das
vezes ela é formulada de modo pós-político, fornecendo feedback, nego-
ciação, participação e criação, mas dentro de um enquadramento instru-
mental, ao invés de político ou normativo. Em outras palavras, os cidadãos
são encorajados a ajudar na apresentação de soluções para questões prá-
ticas – tais como produzindo um aplicativo, comentando sobre um plano
de desenvolvimento ou assumindo certos papéis/responsabilidades – mas
não para questionar ou substituir as racionalidades políticas fundamentais
que moldam uma questão ou plano. Ao invés disso, a maioria dos cidadãos
são ‘empoderados’ nas cidades inteligentes por tecnologias que os tratam
como consumidores ou testadores, ou como pessoas que serão direcionadas,
controladas ou provocadas a agir de certa maneira, ou como fontes de dados
que poderão ser transformados em produtos. Em outras palavras, cidadãos
inteligentes atuam dentro dos limites de comportamento aceitáveis ou
esperados, ao invés de transgredir ou resistir às normas sociais e políticas.
Seu envolvimento expressão uma forma de cidadania neoliberal que não
está baseada em direitos civis, políticos e sociais, ou na promoção do bem
público e comum, mas sim na autonomia individual. Assim, as demandas
voltadas à criação de cidades inteligentes ‘centradas no cidadão’ parecem ser
muito superficiais ou meramente simbólicas, nas quais a administração da
cidade ou as corporações continuam controlando a governança urbana e seus
serviços, e as iniciativas de cidades inteligentes acabam sendo usadas para
exercer uma forma de urbanismo empreendedor liderado pela tecnologia.
(CARDULLO; KITCHIN, 2018, n.p., tradução livre) 18
17 Ver também Datta (2017).
18 No original: “While citizen participation is potentially diverse, it is most often
framed in a post-political way that provides feedback, negotiation, participation and
creation, but within an instrumental rather than normative or political frame. In other
words, citizens are encouraged to help provide solutions to practical issues – such
as producing an app, or feeding back on a development plan, or to perform certain
roles/responsibilities – but not to challenge or replace the fundamental political
rationalities shaping an issue or plan. Instead, most citizens are ‘‘empowered’’ in the
smart city by technologies that treat them as consumers or testers, or people to be
steered, controlled, and nudged to act in certain ways, or as sources of data which can
be turned into products. In other words, smart citizens perform within the bounds
of expected and acceptable behaviour, rather than transgressing or resisting social
and political norms. Their involvement expresses a form of neoliberal citizenship
not grounded in civil, social and political rights, or in the promotion of public or
common good, but rather in individual autonomy. As such, claims concerning the
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 151
Muitas dessas questões ainda não são abordadas de maneira adequada – e
com a urgência necessária – nos espaços institucionalizados de debate e to-
mada de decisão: as cidades inteligentes ainda precisam ser melhor integra-
das à agenda de pesquisa e advocacy das conferências da ONU de políticas
urbanas – como a Habitat – e de governança da internet – especialmente
o Internet Governance Forum. Essa integração tem surgido, assim como
estudos que se dedicam a obter uma perspectiva crítica, multidisciplinar
das cidades inteligentes. Mudanças estão à caminho e é preciso levar em
consideração o impacto de regulações como a General Data Protection
Regulation (GDPR) 2016/679 da União Europeia, implementada em 2018,
e a Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/2018) brasileira, sancionada
em agosto de 2018.19
A seguir será discutida a estruturação da Nova Agenda Urbana, um dos
principais documentos que orientará a urbanização sustentável nos próxi-
mos anos, com destaque tanto para a incorporação do direito à cidade na
agenda, quanto para o papel da discussão de cidades inteligentes na Habitat
III e em seus documentos. Busca-se enfatizar questões que foram (ou não)
levadas em conta no processo multissetorial que convergiu na NAU.
NOVA AGENDA URBANA:
O DIREITO À CIDADE GANHA DESTAQUE
Em outubro de 2016 foi realizada a III Conferência das Nações Unidas
sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), em
Quito, no Equador, cuja finalidade era debater os processos de urbaniza-
ção e o desenvolvimento sustentável nos últimos vinte anos, bem como
construir e adotar uma Nova Agenda Urbana (NAU), que consiste em um
documento que orientará a urbanização sustentável nas próximas duas
production of ‘‘citizen-centric’’ smart cities appear to be largely tokenistic, with city
administrations and corporations still owning and controlling urban governance and
services, and smart city initiatives being used to enact a form of technologically-led
entrepreneurial urbanism.”
19 Outra questão que vale a pena seguir de perto nos próximos anos diz respeito ao
arcabouço regulatório que impacta diretamente as inciativas de cidades inteligentes
no Brasil, como as normas referentes às Parcerias Público-Privadas (ver ROLNIK
et al, 2018), o Marco Regulatório para cidades inteligentes e os esforços em torno
de Plano Diretor de tecnologias e cidades inteligentes (aprovado foi em Juazeiro
do Norte-CE).
152 HORIZONTE PRESENTE
décadas.20 Ela foi precedida pela Habitat II, que aconteceu em Istambul
(1996) e a Habitat I, em Vancouver (1976). A NAU foi endossada pela
Assembleia Geral da ONU em 23 de dezembro de 2016.
Os países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) produ-
ziram relatórios nacionais, que ajudaram a compor os relatórios regionais
e o relatório global, a fim de guiar as discussões da Nova Agenda Urbana.
Também vale ressaltar as muitas reuniões preparatórias e negociações em
diversos níveis para se chegar a um acordo sobre o documento que guiará
os esforços multissetoriais e de variados atores em relação às transforma-
ções urbanas nos vinte anos vindouros. Quito acolheu cerca de 30.000
pessoas, de muitos países e trajetórias, para refletir sobre o futuro urbano,
tamanho o interesse no tema.
A estrutura das áreas e temas discutidos foram organizados conforme
mostra o Quadro 2. Segundo Galindo e Monteiro (2016), dialogando com
as seis áreas existem os documentos temáticos elaborados por especialis-
tas, chamados de issue papers, cuja finalidade é “aprofundar a análise de
questões importantes sobre temas urbanos para discussões na conferência
que, após um processo de consulta, resultaram em documentos de poli-
cy units” (GALINDO e MONTEIRO, 2016, p. 27). Já as policy units são
“documentos que apontam estudos, dados, práticas e desafios acerca de
desenvolvimento urbano, assim como apontam recomendações técnicas,
correlacionando temáticas vivenciadas em diversas cidades” (GALINDO;
MONTEIRO, 2016, p. 28).
20 Ver: UNITED NATIONS. New Urban Agenda. 2017. Disponível em: -
bitat3.org/the-new-urban-agenda/documents/issue-papers/>. Acesso em: 2 abr. 2018.
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 153
Quadro 2 – Enquadramento de áreas e temas dos Issue
Papers e Policy Units, HABITAT III, 2016
Área Issue Papers Policy Units
1. COESÃO SOCIAL E
EQUIDADE – CIDADES
HABITÁVEIS
1.Cidades inclusivas 1. Direito à cidade e
cidades para todos
2. Estruturas urbanas
socioculturais
2. Migração e refugiados em áreas urbanas
3.Cidades mais seguras
4.Cultura e patrimônio urbano
2. ESTRUTURA
URBANA
5. Normas e legislação urbana 3. Polticas urbanas
nacionais
4. Governança, capacidade
e desenvolvimento
institucional urbanos
5. Finanças e sistema
scal municipais
6. Governança urbana
7. Finanças municipais
3. DESENVOLVIMENTO
ESPACIAL
8. Desenho e planejamento urbano e espacial
6. Estratégias territoriais
urbanas: mercado
imobiliário e segregação
9. Terras urbanas
10. Conexões urbano-rurais
11. Espaço público
4. ECONOMIA URBANA
12. Desenvolvimento econômico local 7. Estratégias de
desenvolvimento
econômico urbano
13. Emprego e subsistência
14. Setor informal
5. ECOLOGIA URBANA
E MEIO AMBIENTE
15. Resiliência urbana
8. Ecologia urbana
e resiliência
16. Ecossistemas urbanos e
gestão de recursos
17. Cidades, mudanças climáticas e
a gestão de riscos de desastres
6. HABITAÇÃO
URBANA E SERVIÇOS
BÁSICOS
18. Infraestrutura urbana e serviços
básicos, incluindo energia
9. Serviços urbanos
e tecnologia
10. Polticas habitacionais
19. Transporte e mobilidade
20. Habitação
21. Cidades inteligentes
22. Assentamentos informais
Fonte: UNITED NATIONS, 2016. Tradução e adaptação mi-
nha, baseadas nos documentos em inglês e português.21
21 Disponível em: THE NEW URBAN AGENDA. Disponível em:
org/the-new-urban-agenda/>. Acesso em: 02 abr. 2018.
154 HORIZONTE PRESENTE
Pela primeira vez, o direito à cidade assumiu um papel central na com-
posição da NAU. De acordo com Alfonsin et al. (2017), as conferências
HABITAT envolvem intensa mobilização da sociedade civil ao redor do
mundo, com participação ao longo do evento e em agendas de debate
paralelas que pautam a construção da agenda urbana:
Na Conferência de 2016 uma das articulações mais importantes, ao longo
do processo preparatório, foi aquela conduzida pela ‘Plataforma Global pelo
direito à cidade’, que congregou, internacionalmente, as diversas entidades e
agremiações sociais que participaram do processo de construção internacio-
nal do direito à cidade, no qual a elaboração da ‘carta Mundial pelo direito
à cidade’ foi um momento chave. O objetivo de tal articulação era incluir,
na nova agenda urbana, o direito à cidade, reconhecido como um novo
direito humano dos habitantes das cidades. (ALFONSIN, 2017, p. 1216)
Ao retratar os momentos e documentos da construção da categoria ju-
rídica do direito à cidade, Alfonsin et al. (2017) refazem a trajetória desse
conceito desde a publicação da emblemática obra de Henri Lefebvre, Le droit
à la ville nos anos 1960 (ver LEFEBVRE, 2001), passando pelo Estatuto
da Cidade (Lei 10.257/2001),
22
a Carta Mundial pelo Direito à Cidade
23
e a NAU/HABITAT III – salientando a centralidade do direito à cidade nos
documentos. Os autores também chamam a atenção ao “valor legal atribu-
ível” à NAU, considerada uma Soft Law, ou seja, sem valor vinculante, mas
que exerce pressão política sobre os estados que assumem compromissos
ao assiná-la (ALFONSIN et al, 2017, p. 1223-1224).
Como pode ser visto no Quadro 2, a primeira policy unit se dedica à
questão do direito à cidade – HABITAT III Policy Paper 1: Right to the City
and Cities for All –, colocando-o como um novo paradigma para o desen-
volvimento urbano:24
O Direito à Cidade deve ser considerado como um novo paradigma para
o desenvolvimento urbano que busca resolver os principais desafios das
cidades e assentamentos urbanos, como a rápida urbanização, redução da
pobreza, exclusão social e riscos ambientais, que clamam por ações decisivas
22 Ver: BRASIL. LEI No 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001. Disponível em:
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em: 02 abr. 2018.
23 Ver: INSTITUTO PÓLIS. Carta Mundial pelo Direito à Cidade. Disponível em:
g.br/uploads/709/709.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2018.
24 Ver: UNITED NATIONS. HABITAT III Policy Paper 1 – Right to the City and
Cities for All. 2016. Disponível em:
Policy-Paper-1-English.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2018.
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 155
e prioridades políticas dos governos nacionais, regionais e locais. (UNITED
NATIONS, 2016, p. 2, tradução livre).25
Um dos principais argumentos para que o direito à cidade tenha grande
importância na atual agenda urbana baseia-se no fato de que o modelo
de desenvolvimento urbano vigente não foi capaz de sanar problemas de
desigualdade, pobreza e exclusão nas cidades. Com o rápido crescimento
do número de pessoas vivendo em áreas urbanizadas, a urgência de garan-
tir o cumprimento de diversos âmbitos dos direitos humanos se acentua:
O direito à cidade […] fornece um enquadramento alternativo para repensar
as cidades e a urbanização. Ele busca a efetiva realização de todos os direitos
humanos internacionalmente acordados, dos objetivos de desenvolvimen-
to sustentável, tal como estão expressos nos Marcos de Desenvolvimento
Sustentável e dos compromissos da Agenda Habitat. Não obstante, em face
dessa estrutura, ele traz uma nova dimensão que serve de fundação para
a Nova Agenda Urbana, baseada na compreensão da cidade como lugar
que se esforça para garantir uma vida decente e plena para todos os seus
habitantes. (UNITED NATIONS, 2016, p. 3, tradução livre)26
Os princípios adotados se alinham às convenções, acordos e tratados
internacionais de direitos humanos – como a Declaração e Programa de
Ação de Viena de 1993. Partindo de 50 anos de experiência e debate, o
conceito de direito à cidade adotado também se baseia em legislações
nacionais, declarações municipais, entre outros documentos. Uma das
referências citadas no Policy Unit é a Lei 10.257 de 10 de julho de 2001,
conhecida como “Estatuto da Cidade”, que estabelece diretrizes gerais
para a política urbana no Brasil.27
25 No original: “The Right to the City should be considered as a new paradigm for
urban development that seeks to address the major challenges in cities and human
settlements of rapid urbanization, poverty reduction, social exclusion, and environ-
mental risk that call for decisive actions and policy priorities by national, regional,
and local governments.”
26 No original: “The right to the city […] provides an alternative framework to re-
think cities and urbanization. It envisions the effective fulfilment of all internationally
agreed human rights, sustainable development objectives as expressed through the
Sustainable Development Goals, and the commitments of the Habitat Agenda. Against
this framework, it nevertheless brings a new dimension to serve as foundation for
the New Urban Agenda based on an understanding of the city as a place that strives
to guarantee a decent and full life for all inhabitants.”
27 Ver: BRASIL. LEI No 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001. Disponível em:
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em 02 abr. 2018.
156 HORIZONTE PRESENTE
O direito à cidade é um direito difuso e coletivo que pertence a todos os
habitantes, no presente e no futuro, similar ao direito ao meio ambiente
e outros instrumentos legais e leis nacionais, como de equidade de gêne-
ro, diversidade de expressões culturais e Patrimônio Mundial (UNITED
NATIONS, 2016, p. 4), como pode ser visto na figura 2. Nesse enquadra-
mento, o direito à cidade prevê:
[…] garantir que todos os habitantes tenham capacidade de acessar os re-
cursos urbanos, serviços, bens e oportunidades da vida na cidade; permitir a
participação efetiva dos cidadãos nas políticas locais, com responsabilidade;
permitir que governos garantam uma distribuição justa de recursos e re-
conhecer a diversidade sociocultural como fonte de aprimoramento social.
(UNITED NATIONS, 2016, p. 5, tradução livre) 28
A cidade como bem comum que engaja diversos atores e grupos de inte-
resse para ação e implementação da Nova Agenda Urbana, dos cidadãos e
organizações da sociedade civil ao governo – federal, estadual e municipal –,
setor privado e academia. O acompanhamento desse processo se dá através,
principalmente, da formulação, implementação e monitoramento de políticas.
Segundo Nelson Saule Júnior:
O direito à cidade deve ser adotado e compreendido na nova agenda urbana
como o direito de todos os habitantes, da presente e das futuras gerações,
de ocupar, usar e produzir cidades justas, inclusivas e sustentáveis, definido
como um bem essencial comum para a qualidade de vida. O direito à cidade
implica ainda responsabilidades sobre os governos e as pessoas a reclamar,
defender e promover este direito. (SAULE JÚNIOR, 2016, p. 75)
28 No original: “[…] ensuring that all inhabitants have the capacity to access the
urban resources, services, goods, and opportunities of city life; enabling effective
citizen participation
in
local policies with responsibility; enabling governments to
ensure just distribution of resources, and acknowledging sociocultural diversity as
a source of social enhancement.”
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 157
Figura 2 – Matriz do direito à cidade
PILARES
Distribuição de recursos
espacialmente justa
Agência política
Diversidade
socioeconômica
e cultural
Proteção legal
como um
direito difuso
A cidade como
um bem comum
RESPONSABILIDADES
O direito à cida impõe
responsabilidades aos
governos e pessoas
para requerer,
defender e prmovê-lo
PROPRIEDADE
Habitantes
Grupo de habitantes
Associações
demoradores
ONGs
Promotores
públicos
Defensores
públicos etc.
COMPONENTES
Uma cidade livre de
discriminação
Uma cidade de cidadania
inclusiva
Uma cidade com maior
participação política
Uma cidade que cumpre
suas funções sociais
Uma cidade com espaços
públicos de qualidade
Uma cidade com equidade
de gênero
Uma cidade com
diversidade cultural
Uma cidade com
economias inclusivas
DEFINIÇÃO
Direito de todos os
habitantes, atuais e
futuros, de ocupar, usar e
produzir cidades justas,
inclusivas e sustentáveis,
definidas como um bem
comum essencial para a
qualidade de vida.
Fonte: UNITED NATIONS, 2016. Tradução e adaptação minha.
Na visão compartilhada da Nova Agenda Urbana, em seu item 11, há
um panorama sobre a inclusão do direito à cidade no documento e o lugar
que ele ocupa na discussão geral:
Partilhamos a visão de cidades para todos, no que se refere à igualdade de
utilização e fruição de cidades e aglomerados urbanos, procurando promo-
ver a inclusão e assegurar que todos os habitantes, das gerações presentes e
futuras, sem discriminações de qualquer ordem, possam habitar e construir
cidades e aglomerados urbanos justos, seguros, saudáveis, acessíveis, resi-
lientes e sustentáveis e fomentar a prosperidade e a qualidade de vida para
todos. Salientamos os esforços envidados por governos nacionais e locais
no sentido de consagrar esta visão, referida como direito à cidade, nas suas
legislações, declarações políticas e diplomas. (UNITED NATIONS, 2017, p. 5)
Menções ao uso de tecnologias são transversais nos documentos, mas
há casos específicos que valem ser citados para o propósito do debate aqui
proposto. O HABITAT III Policy Paper 9 – Urban Services and Technology29
29 Ver: UNITED NATIONS. HABITAT III Policy Paper 9 – Urban Services and
Technology. 2016a. Disponível em:
Policy-Paper-9-English.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2018.
158 HORIZONTE PRESENTE
já indica, no sumário executivo, que as soluções tecnológicas devem ter
como propósito contribuir para a equidade e o acesso aos serviços urbanos
para todos os cidadãos, incluindo grupos vulneráveis. Adiante, no item 15,
salienta que os serviços urbanos devem levar em consideração a crescente
digitalização de modo a otimizar os usos de conhecimentos disponíveis,
dados e tecnologias “inteligentes”, desde que estas contribuam para me-
lhorias para população a fim de manter ou conquistar uma distribuição
equitativa e justa de recursos (UNITED NATIONS, 2016a, p. 6). Além
disso, o papel do acesso à informação e dados é essencial nesse processo,
assim como a questão de gênero:
[…] acesso aberto à informação e aos dados é crucial para democratizar
conteúdos técnicos de decisões políticas. Investimentos urbanos sensíveis
às questões de gênero são planejados e implementados com a devida con-
sideração às dimensões de gênero e abordando adequadamente as necessi-
dades, prioridades e preferências de infraestrutura das mulheres. (UNITED
NATIONS, 2016a, p. 6, tradução livre).30
Ao falar das relações entre o avanço de conceitos de cidades inteligentes
e o espaço urbano, o documento sugere precaução na integração dessas
tecnologias com serviços e infraestrutura:
O avanço dos conceitos de cidades inteligentes e o ritmo acelerado das
tecnologias de informação e comunicação (TIC) tornando-se aninhados
dentro da esfera urbana clamam por uma maior integração, ainda que cui-
dadosa, nas políticas de infraestrutura e serviços, sob condições de inclusão,
segurança, resiliência e sustentabilidade, ao mesmo tempo em que devem
levar em consideração as dinâmicas distintas de governança e inovação dos
serviços e da infraestrutura urbana. A resiliência pode ser aprimorada pelo
desenvolvimento de sistemas e redes adaptáveis, incluindo aqueles descen
-
tralizados que facilitam a autossuficiência dos municípios e comunidades.
(UNITED NATIONS, 2016a, p. 2, tradução livre).31
30 No original: “[…] open access to information and data is crucial to democrati-
zing technical contents of political decisions. Gender-responsive urban investments
are planned and implemented with due consideration to gender dimensions and
adequately addressing women’s infrastructure needs, priorities and preferences.”
31 No original: “The advancement of smart city concepts and the high pace of in-
formation and communications technology (ICT) becoming nested within the urban
sphere both call for further yet careful integration into infrastructure and service
polices under the conditions of inclusiveness, safety, resilience and sustainability,
while taking into account the distinctive governance and innovation dynamics of
urban services and infrastructure. Resilience may be improved by developing adaptive
systems and networks, including decentralized ones facilitating the self-sufficiency
of municipalities and communities.”
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 159
Há também a identificação de categorias e tendências das áreas temáticas
que são discutidas no Policy Paper 9, divididas em duas: “água, energia e
recursos” e “transporte, mobilidade e acesso à oportunidades urbanas”, e que
podem ser amplamente beneficiadas por uma adoção crítica de tecnologias.
O Issue Paper 21 – Smart Cities
32
trata especificamente dos conceitos e apli-
cações de cidades inteligentes no enquadramento da HABITAT III, começando
pelo reconhecimento da pluralidade conceitual em torno da cidade inteligente:
Existem muitas definições do que é uma ‘cidade inteligente’ e abordagens ‘in-
teligentes’ vêm sendo compreendidas de modo distinto por diferentes pessoas
e setores. Algumas definições apontam que cidade inteligentes são aquelas
com ‘infraestrutura física, social, institucional e econômica inteligente, que ao
mesmo tempo garanta a centralidade do cidadão em um ambiente sustentável’;
se referem a características chave definidas por fatores distintos (ex.: economia
inteligente, mobilidade inteligente, pessoas inteligentes, ambiente inteligente,
habitação inteligente, governança inteligente); e focam no uso estratégico de
novas tecnologias e abordagens inovadoras para aprimorar a eficiência e com-
petitividade das cidades. A definição do Grupo Focal em Cidades Inteligentes
sustentáveis (FG-SSC) da União Internacional de Telecomunicações (ITU)
apresenta: ‘uma cidade inteligente sustentável é uma cidade inovadora que
usa as TICs e outros meios para melhorar a qualidade de vida, a eficiência dos
serviços e operações urbanas e a competitividade, ao mesmo tempo em que
garante os meios para suprir as necessidades de gerações presentes e futuras,
com relação aos aspectos econômicos sociais e ambientais’. O Departamento
de Negócios, Inovação e Competências do Reino Unido, considera as cidades
inteligentes como um processo, ao invés de um resultado estático, pelo qual o
engajamento cidadão, a infraestrutura pesada, capital social e tecnologias digitais
‘tornam as cidades mais habitáveis e resilientes e, com isso, capazes de responder
mais rápido aos novos desafios’. A Accenture define como inteligente a cidade
que fornece serviços para cidadãos e empresas de maneira eficiente em recursos
e integrada, e permite colaborações inovadoras para melhorar a qualidade de
vida e apoio ao crescimento da economia local e nacional. (UNITED NATIONS,
2015, p. 1, tradução livre) 33
32 Ver: UNITED NATIONS. HABITAT III ISSUE PAPERS: 21 – SMART CITIES.
Disponível em:
_Smart-Cities-2.0.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2018.
33 No original: “Many definitions of “smart city” exist, and “smart” approaches have been
understood differently by different people and sectors. Some definitions note that smart
cities are those cities with “smart (intelligent) physical, social, institutional and economic
infrastructure while ensuring centrality of citizens in a sustainable environment;” refer
to key characteristics defined by distinct factors (e.g., smart economy, smart mobility,
smart people, smart environment, smart living, smart governance); and focus on the
strategic use of new technology and innovative approaches to enhance the efficiencies
and competitiveness of cities. A definition by the International Telecommunication Union
160 HORIZONTE PRESENTE
O documento posiciona as cidades inteligentes como “uma opção vi-
ável para o futuro” (UNITED NATIONS, 2015, p. 3), colocando vários
atributos, temas e infraestruturas que devem estar ligadas ao conceito de
inteligência urbana (ver Quadro 3):
Quadro 3 – Aspectos de uma cidade inteligente sustentável
Atributos
Sustentabilidade: Relacionada à infraestrutura e governança da cidade, energia
e mudanas climticas, poluio, resduos, sociedade, economia e sade;
Qualidade de vida (QdV): Melhoria da QdV em termos
de bem-estar emocional e nanceiro;
Aspectos urbanos: Inclui tecnologia e infraestrutura,
sustentabilidade, governana e economia;
Inteligência ou smartness: Aspectos de inteligência comumente citados
incluem economia inteligente, pessoas inteligentes, governança inteligente,
mobilidade inteligente, vida inteligente, meio ambiente inteligente.
Temas
Sociedade: A cidade  para seus habitantes;
Economia: A cidade deve ser capaz de prosperar – empregos,
crescimento econmico e nanceiro, etc.;
Meio ambiente: A cidade deve ser sustentável em seu
funcionamento para as geraes presente e futuras;
Governança: A cidade deve ser robusta em sua habilidade
para administrar polticas pblicas.
Infraestrutura
Infraestrutura fsica inclui edifcios, ferrovias, estradas,
linhas eltricas, gasodutos, gua, indstrias, etc.;
A infraestrutura de TIC age como a “cola” que integra todos os outros elementos
de inteligência da cidade, atuando como uma plataforma fundamental.
A infraestrutura de TIC funciona como o centro nervoso, orquestrando
todas as diferentes interações entre vários elementos importantes.
Fonte: UNITED NATIONS, 2015. Tradução e adaptação mi-
nha, baseadas nos documentos em inglês e português.
(ITU)’s Focus Group on Smart Sustainable Cities (FG-SSC) reads: “A smart sustainable
city is an innovative city that uses ICTs and other means to improve the quality of life,
efficiency of urban operation and services, and competitiveness, while ensuring that
it meets the needs of present and future generations with respect to economic, social
and environmental aspects.” The UK Department of Business, Innovation and Skills
considers smart cities a process rather than as a static outcome, through which citizen
engagement, hard infrastructure, social capital and digital technologies “make cities
more livable and resilient and, hence, able to respond quicker to new challenges.”
Accenture defines smart city as a city that delivers services to citizen and businesses in an
integrated and resource efficient way and enables innovative collaborations to improve
inhabitants’ quality of life and support the growth of the local and national economy.”
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 161
É importante ressaltar que a urgente questão referente à privacidade e
proteção de dados pessoais dos cidadãos não entrou nesse mapeamento
dos aspectos de uma cidade inteligente sustentável. O documento aponta,
ainda, as principais áreas necessárias para um novo modelo de planejamento
urbano: ruas e espaços públicos de alta qualidade; densidade adequada
e bem desenhada; usos urbanos mistos e limitação da especialização do
uso da terra; conectividade; estrutura social mista; resiliência urbana; efi-
ciência de energia e recursos; observância de normas e regras (UNITED
NATIONS, 2015, p. 4-5). Também se reconhece que as cidades inteligentes
não existem em um vácuo e precisam ser devidamente integradas aos seus
territórios, como as áreas rurais, e com o uso estratégico de novas e antigas
tecnologias para dar voz às populações marginalizadas e em situação de
vulnerabilidade (UNITED NATIONS, 2015, p. 7).
O Issue Paper 21 indica, por fim, os principais fatores para a ação, que
se baseiam em políticas estratégicas, legislação, regras e regulação, tendo
em vista que os benefícios não são automáticos; planejamento/desenho
urbano responsivo e inovador; planejamento financeiro robusto, baseado
no contexto local; e coerência, advinda principalmente de um consenso
internacional do que é uma cidade inteligente e sustentável (UNITED
NATIONS, 2015, p. 7-8). O uso e a adoção crítica da tecnologia no âmbito
municipal perpassa o documento em questão e as discussões preparatórias
para a HABITAT III, e que a NAU incorpora em seu texto.
Já no próprio documento da NAU a única menção direta (item 66) à questão
das cidades inteligentes diz respeito, em linhas gerais, à abordagem adotada:
Comprometemo-nos a adotar uma abordagem de ‘cidade inteligente’ que faça
uso de oportunidades de digitalização, energia e tecnologias limpas, assim
como de tecnologias de transporte inovadoras, proporcionando consequen
-
temente alternativas para os habitantes tomarem escolhas mais amigáveis ao
ambiente e impulsionarem o crescimento econômico sustentável, permitindo
que as cidades melhorem a sua prestação de serviços. (UNITED NATIONS,
2017, p. 19, tradução livre) 34
Ao incorporar conceitos de cidades inteligentes nos documentos pre-
paratórios e na própria NAU, os atores envolvidos na Habitat III, por um
lado, reconhecem a emergência dessa tendência; mas, por outro lado,
trazem para as orientações que guiarão as políticas urbanas nas próximas
duas décadas um conceito bastante corporativo – e sem algumas reflexões
34 No original: “We commit ourselves to adopting a smart-city approach that makes
use of opportunities from digitalization, clean energy and technologies, as well as
innovative transport technologies, thus providing options for inhabitants to make
more environmentally friendly choices and boost sustainable economic growth and
enabling cities to improve their service delivery”.
162 HORIZONTE PRESENTE
necessárias sobre desafios que as iniciativas de cidades inteligentes im-
põem aos municípios. Como será visto adiante, a participação do Brasil na
preparação dos documentos e na reflexão posterior à conferência apontam
lacunas e questões que precisam ser melhor discutidas (BALBIM, 2017).
A PARTICIPAÇÃO DO BRASIL E OS DESAFIOS VINDOUROS
É importante salientar as contribuições e análises do Brasil nas discus-
sões que moldaram a Habitat III e a Nova Agenda Urbana. De acordo com
Galindo e Monteiro (2016), em texto publicado anteriormente ao Encontro
em Quito, coube ao Ipea a relatoria do documento brasileiro, conforme
estipulou a Resolução Administrativa nº 29, de 25 de julho de 2014.35 Os
autores afirmam que:
No âmbito dos Estados-partes, foram inicialmente solicitados relatórios na-
cionais com a análise dos últimos vinte anos, apontando também diretrizes
para os próximos vinte. No Brasil, coube ao Ipea, a convite do Conselho
das Cidades do Ministério das Cidades (ConCidades/MCidades), a relatoria
do documento brasileiro, nos termos da Resolução Administrativa nº 29,
de 25 de julho de 2014. Administrativamente, a parceria foi estabelecida
externamente por um termo de execução descentralizada e internamente por
meio de projeto de pesquisa alocado no plano de trabalho da Diretoria de
Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais (Dirur) do Ipea. Além
dos produtos já finalizados com o relatório nacional, eventos acompanha-
dos e organizados e publicações diversas, o Ipea dedica-se no momento a
elaborar um novo documento em conjunto com o ConCidades para pautar
a discussão da nova agenda urbana. (GALINDO; MONTEIRO, 2016, p. 25)
Os comentários da República Federativa do Brasil aos HABITAT III Policy
Papers, realizados por 14 Ministérios no nível federal, assim como estados
e municípios, evidencia os esforços em construir uma agenda urbana que
dialogasse com questões de grande relevância para as cidades brasileiras.36
O reconhecimento do direito à cidade como um aspecto central da
NAU é visto como bastante positivo na análise brasileira do Policy Paper
1 – Right to the City and Cities for All,37 assim como a garantia do direito à
35 Disponível em:
ADMINISTRATIVA_N_29_DE_25_DE_JULHO_DE_2014.aspx>. Acesso em: 02 abr. 2018.
36 O documento pode ser encontrado em:
PU_Comments_Brazil.pdf>. Acesso em 02 abr. 2018.
37 Ver: UNITED NATIONS. HABITAT III POLICY PAPER: 1 – RIGHT TO THE CITY
AND CITIES FOR ALL. Disponível em:
PU1-HABITAT-III-POLICY-PAPER.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2018.
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 163
participação, institucionalizada ou não, com regras e papeis bem deline-
ados, identificando, também, a cidade como espaço de debate e conflito
(BRASIL, 2016, p. 1). Além disso, ressalta-se a importância de fomentar
planejamento e gestão urbana participativos, de modo a dialogar com
princípios de governança como a acessibilidade, transparência e inclusão.
Outros pontos positivos endossados no documento são (BRASIL, 2016, p.
2): a necessidade de se criar mecanismos que fortaleçam a identidade urbana,
cultura e patrimônio; a importância de se garantir os espaços públicos como
lugares de geração de renda e atividades legalizadas; a abordagem da dico-
tomia crescimento e bem-estar, que foca na formulação e implementação de
estratégias de desenvolvimento que priorizem o bem-estar humano, lutem
contra a pobreza e garantam meios de subsistência para todos.
O tratamento sugerido para evitar gentrificação em grandes projetos
urbanos e em projetos implementados via parcerias público-privadas
com grandes empresas, buscando-se propostas para a descomodificação
dos espaços urbanos e a discussão de mecanismos que balanceiem a dis-
tribuição de problemas e benefícios que surgem dos processos de urbani-
zação. Ganham destaque outras questões, como o tratamento adequado
de questões ambientais; políticas de empregabilidade para populações
jovens; equilíbrio do desenvolvimento de regiões metropolitanas, médias
e pequenas cidades; entre outras (BRASIL, 2016, p. 2-3).
O documento também aponta omissões de importantes questões, como
a não inserção de vários grupos minoritários e sub-representados (BRASIL,
2016, p. 3): jovens, idosos, pessoas com deficiência, crianças e a população
LGBT, além de pessoas que sofrem discriminação racial, étnica e religiosa. A
falta do caráter interseccional de vulnerabilidades e discriminação – ressal-
tando-se a juventude negra no Brasil – é tida como um ponto que precisava
ser melhorado na discussão do direito à cidade na NAU.
Dentro dos objetivos estabelecidos neste trabalho, vale também abordar
alguns comentários e análises do governo brasileiro ao Habitat III Policy
Paper 9 – Urban Services and Technology.
38
As críticas se voltaram às omis-
sões de questões consideradas relevantes, como a falta de atenção apropriada
ao debate sobre cidades inteligentes e tecnologias (BRASIL, 2016, p. 28),
que foram abordadas nos Issue Papers. Alguns pontos destacados pelo
Brasil em relação às cidades inteligentes e que merecem atenção (BRASIL,
2016, p. 29, tradução nossa) são:
38 Ver: UNITED NATIONS HABITAT III POLICY PAPER: 9 – URBAN
SERVICES AND TECHNOLOGY
PU9-HABITAT-III-POLICY-PAPER.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2018.
164 HORIZONTE PRESENTE
I. Criar de cidades inteligentes sustentáveis, com modelos de finan-
ciamento de longo prazo e legislações que levem em conta prote-
ção de dados;
II. Estimular a criação e o desenvolvimento de soluções que usem
Internet of Things;
III. Encorajar o desenvolvimento de startups focadas em gestão de re-
síduos, saúde, água e esgoto, segurança pública, ecologia urbana e
energia, assim como na promoção da capacitação na implementação
de tecnologias inteligentes;
IV. Fomentar a participação da sociedade civil em projetos de cidades
inteligentes e que o debate sobre “cidades inteligentes” seja baseado
na promoção de inclusão social;
V. Garantir que os projetos de cidades inteligentes sejam adequados
às aos contextos e particularidades das cidades, levando em consi-
deração a forte assimetria no controle dos dados existentes sobre as
pessoas – é preciso explorar melhor os potenciais efeitos do uso de
Big Data na gestão das cidades, evidenciando problemas e discutindo
os possíveis benefícios para os cidadãos;
VI. Incentivar a adoção de tecnologias abertas, de propriedade inde-
pendente e colaborativa, assim como o uso de software livre na
administração pública, especialmente em sistemas de informação
de gestão e planejamento.
O Brasil também forneceu comentários aos Issue Papers para ajudar
nas discussões da Habitat III. Cabe aqui destacar a breve contribuição ao
Issue Paper 21: Smart Cities.
39
O documento aponta, em poucas linhas,
que diante da crescente urbanização, pesquisas e trabalhos sobre cidades
inteligentes devem resultar:
Na oferta de modelos responsivos às crescentes pressões enfrentadas por paí-
ses em desenvolvimento para fornecer mais e melhores serviços básicos à uma
população urbana crescente. No que diz respeito à aplicação do conceito de
‘cidades inteligentes’ para países em desenvolvimento, também é importante
enfatizar que as discussões devem levar em consideração a possibilidade de
salto nas cidades dos países em desenvolvimento, com a incorporação de
tecnologia de ponta, assim como o acesso facilitado à tecnologias urbanas
básicas já consolidadas. (BRASIL, 2016a, n.p., tradução livre) 40
39 Ver: HABITAT III. Comments from Brazil to the issue papers that will inform the
discussions of the UN Habitat III Conference. Disponível em:
wp-content/uploads/BRASIL-Comments-on-Habitat-III-Issue-Papers.pdf>. Acesso
em: 02 abr. 2018.
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 165
Renato Balbim (2017) faz uma breve reflexão sobre seu livro A geopolítica
das cidades: velhos desafios, novos problemas, organizado por ele e lançado
pelo Ipea em 2016, antes da Habitat III. Nessa reflexão, ele indica, entre
outros pontos, que “a forte presença das empresas de tecnologia no co-
mando dos destinos da NAU” (BALBIM, 2017, p. 43) pode ser percebida
após a análise atenta dos documentos da conferência:
A ideia de smart cities, em certa medida já antiga, foi, pela primeira vez,
referendada em uma conferência da ONU. Diversas foram as mesas de debate
sobre o tema durante a conferência, com a presença de bancos, companhias e
consultores internacionais. A ideia de smart cities faz parte dos documentos
finais e é apresentada como uma das soluções para inúmeros problemas nos
mais diversos contextos urbanos. A feira de expositores durante o evento,
por exemplo, teve forte presença de companhias e bancos internacionais,
37 de 141 expositores, interessados em apresentar temáticas similares. A
título de exemplo, os termos ‘informação’, ‘comunicação’ e ‘tecnologia’ apa-
recem 41 vezes no texto final da NAU, enquanto o termo “direito” aparece
23 vezes. É exemplar também como vários compromissos assumidos são
claras intenções de reconhecimento e/ou abertura de mercados, lembrando
sempre que, apesar de citado o termo, não há o efetivo reconhecimento do
‘direito à cidade’ na NAU. (BALBIM, 2017, p. 43)
Essa reflexão de Balbim é fundamental para a discussão aqui apresentada,
justamente por oferecer um contraponto bastante crítico do papel do setor
privado e da narrativa das cidades inteligentes na NAU. As iniciativas de
cidades inteligentes já são uma realidade em diversos municípios brasi-
leiros, com a consolidação de centros de operações e departamentos cuja
finalidade é monitorar a cidade em tempo real, coletar grandes volumes
de dados e dirigir a tomar decisões. A ocorrência de fóruns variados de
cidades inteligentes, a criação de rankings41 e a participação do setor pri-
vado na discussão e aprovação de quadros regulatórios para municípios
brasileiros chama a atenção para a urgência de se olhar para esse tema a
partir de uma perspectiva crítica, multissetorial e transdisciplinar.
40 No original: “In the offer of models responsive to the increasing pressures faced
by developing countries to deliver more and better basic services to a growing urban
population. As far as the application of the concept “smart cities” to developing cou-
ntries is concerned, it is also important to emphasize that the discussions should take
into consideration the possibility of leap-frogging for cities in developing countries,
with the incorporation of cutting edge technology, as well as the facilitated access to
already consolidated basic urban technologies.”
41 Ver, por exemplo: CONNECTED SMART CITIES. Ranking: conceito. Disponível
em: . Acesso em: 20
set. 2018.
166 HORIZONTE PRESENTE
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Nova Agenda Urbana deu passos importantes na incorporação e con-
solidação do conceito de direito à cidade, graças à mobilização de diversos
atores em torno da problemática nas últimas décadas. A Nova Agenda
Urbana tem muitos pontos que mostram a complexidade do pensar, gerir
e viver a/na cidade. Como visto, as tecnologias são partes essenciais desse
processo e do cotidiano urbano que precisam ser utilizadas e entendidas
de acordo com suas potencialidades e limitações.
É necessário não ver a inteligência urbana como algo que diz respeito
apenas às iniciativas inteligentes, ou as novas tecnologias como um fim
em si mesmo. Também é preciso enxergar para além do hype das smart
cities, uma vez que as tecnologias não são solucionadoras automáticas de
problemas, mas sim ferramentas promissoras, repletas de desafios – como
a privacidade e a proteção de dados pessoais, por exemplo. A participação
social deve ser levada em consideração ao longo da priorização e escolha
de tecnologias, assim como durante sua implementação e avaliação, para
além do usual enquadramento de smart citizenship.
As relações entre a NAU, o direito à cidade e as tecnologias serão ques-
tões centrais das políticas urbanas nos próximos anos, já que as iniciativas
de cidades inteligentes já estão sendo implementadas nos municípios
brasileiros, o enquadramento regulatório deixa a desejar e a participação
social nessas tomadas de decisão não se tornou uma realidade difundida.
Um alinhamento das agendas de governança da internet e de políticas
urbanas, assim como a urgência de se olhar para as cidades inteligentes
a partir de uma perspectiva crítica, multissetorial e transdisciplinar são
essenciais para garantir o direito à cidade (inteligente).
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 167
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