Direito de Participar Ativamente do Resultado do Processo Trabalhista

AutorCarolina Tupinambá
Ocupação do AutorMestre e Doutora em Direito Processual. Professora Adjunta de Processo do Trabalho e Prática Processual Trabalhista na UERJ
Páginas284-295

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A garantia de participação1014 eficaz na produção do resultado da demanda trabalhista se perfaz mediante análise de características específicas deste ramo do direito processual.

Com efeito, o contraditório participativo exalta três valores de suma relevância já apresentados, quais sejam, (i) oralidade, (ii) publicidade e (iii) fundamentação das decisões. Esta será a filtragem tricotômica pela qual o processo trabalhista será avaliado se justo ou não. Nesse viés, a oralidade, como meio de diálogo humano, revelar-se-á o meio mais expressivo e autêntico de influenciar eficazmente uma decisão. A publicidade, por sua vez, dotará o raciocínio jurídico de transparência, daí instrumento de controle social da exação do juiz no cumprimento do seu dever de respeitar o devido processo legal. Por fim, a fundamentação deve expandir-se para além de um mero discurso justificador, propondo-se didaticamente incrementar os escopos sociais e políticos do processo trabalhista.

Nesse enfoque, relevante analisar a oralidade como grande mote do princípio da valorização do diálogo que ousamos delimitar como diferencial do processo do trabalho. Da oralidade decorrem (i) irrecorribilidade das decisões interlocutórias. (ii) a concentração dos atos no processo do trabalho e (iii) as audiência unas.

Em um segundo momento, reforçaremos temas que ganham contornos específicos no que se refere ao devido processo legal e ao contraditório trabalhista. São eles (i) a motivação da sentença e o princípio da estabilidade da ordem econômica; e
(ii) a publicidade do processo e o problema das listas negras.

Ao final deste capítulo, varreremos os aparentes óbices à participação efetiva e isonômica das partes no processo trabalhista, especificamente alocados: (i) no direito probatório; e (ii) na fase recursal.

2.1. Oralidade: preservação da vivacidade do processo trabalhista

Historicamente, “os reis primitivos, depois os juízes que passaram a exercitar a distribuição da justiça em nome do monarca, o iudex e o pretor romanos, o vizir egípcio, o cádi muçulmano e o Rachimbourg germânico sempre ouviram de viva voz as partes, antes de fazerem ouvir seu julgamento”1015.

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Em suma, a forma oral do processo esteve presente nos mais clássicos ordenamentos jurídicos da antiguidade, como caminho para a efetividade jurisdicional. Seja porque os povos primitivos ignoravam a escrita, seja porque tinham o hábito de usar as assembleias públicas para tratar das causas judiciárias, fato é que a oralidade fora prática comum em toda a Europa, conferindo simplicidade à marcha processual e racionalizando sua estrutura.

No processo romano, era preponderante o caráter da oralidade e concentração dos atos processuais. Assim, os debates do pretório eram reservados para oradores e advogados que tinham os predicados da eloquência. Este modo de ser do processo caracterizou tanto a fase ordo judiciorum privatorum como a cognitio extra ordinem1016. A prova produzida dentro do processo romano era eminentemente oral e dirigida a formar o convencimento do juiz.

Com a queda do império romano, passaram a coexistir o processo romano e o germânico, que paulatinamente se converteram em um único sistema processual, lento, com amplas possibilidades de impugnação no curso da demanda, formalista e escrito, qual seja, o processo canônico característico de toda a Idade Média.

O fracasso do processo comum europeu rompia tentativas de reanimação da experiência romana do procedimento oral, defendidas, principalmente por Chiovenda na Itália em 1906 e Jeremy Bentham na Inglaterra10171018. Nesse particular, segundo Eduardo J. Couture, a história do processo oral teve dois grandes momentos, quais sejam, para os países de cultura germânica, a sanção da Ordenança Processual Civil Austríaca, de 1895, e para os países de cultura latina, o Relatório de Chiovenda para a Comissão de Reforma do Pós-Guerra1019.

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Especificamente na Áustria, no ano de 1895, um movimento renovador chamou a atenção de todo o mundo pela implantação do princípio da oralidade no processo. Giuseppe Chiovenda recorda que: os advogados vienenses, em 1897, ameaçaram fazer uma pequena revolução com o fim de impedir a aplicação do novo procedimento, do qual tornaram-se depois adeptos entusiastas, quando compreenderam que as formas do processo oral eram mais fáceis de manejar e que a justiça, tomada acessível a todos, era fonte de maiores ganhos.1020Neste contexto, o código austríaco de Franz Klein sustentava-se fundamentalmente nos princípios da oralidade, imediatidade, concentração, publicidade, autoridade judicial e livre apreciação das provas pelo juiz. Este marco do processo oral sistematizado buscava essencialmente a verdade, final-mente distanciando o conceito de processo da justiça francesa contemporânea, marcada pelo formalismo e contraditório meramente aparente.

A obra de Franz Klein exerceu imensa influência sobre a redação dos códigos modernos, combinando a escritura com a oralidade com fim de proporcionar rapidez e segurança aos jurisdicionados. Segundo o código austríaco, a causa era processada em uma única audiência e as provas produzidas na medida em que requeridas. Também origina-se no referido Código a inquirição direta das testemunhas, assim como a participação dos advogados limitada aos fatos que oferecem alguma importância à causa. Neste viés, a reforma processual alemã de 1933 foi visivelmente contaminada pela fórmula inovadora da concepção de Franz Klein acerca da oralidade e já defendia, por exemplo, ampla concessão de poderes ao juiz.

Para melhor noticiarmos a evolução no sistema latino, anote-se que, no início do século, Giuseppe Chiovenda, Mortara e Alfredo Rocco elaboraram projetos de códigos de processo para a Itália, com ideias diferentes exatamente no que se refere ao princípio da oralidade. Enquanto o primeiro defendia a oralidade, Rocco a tinha como mero meio de comunicação do pensamento. O projeto deste último não chegou a ser concluído, dado seu súbito falecimento. Todavia, suas obras indicavam o respeito pela liberdade de forma dos atos processuais. Mortara, por sua vez, desenvolveu doutrina a qual enveredava-se por uma espécie de mistura de oralidade e escritura, ou tempero de uma pela outra1021.

O projeto do Código de Processo Civil de Chiovenda, de 1920, consagrou o princípio da oralidade, sobre o qual o mestre italiano vinha dissertando desde 1906. O trabalho baseava-se na concentração, imediatidade e aumento dos poderes do juiz. O mestre italiano definia o processo oral como aquele cuja audiência era utilizada para o trato da causa, comportando escritos preparatórios das partes. Segundo a doutrina chiovendiana, um processo dominado pelo princípio da livre convicção será necessariamente oral, na medida em que somente dessa forma se oferece ao juiz a formação da convicção pela observação pessoal e direta do material da causa. O juiz que prolata a sentença deve ser o mesmo que interroga as partes, as testemunhas, os peritos e examina os objetos controvertidos. É o mesmo juiz desde o início até o fim do processo e as atividades processuais serão concentradas em breve espaço de tempo, resolvendo-se os incidentes no mesmo momento em que surgem. O relatório de Chiovenda datado de 1920 é apontado como fundamental na reforma processual dos países latinos, inclusive para a evolução brasileira1022.

Ampliando-se o cenário de investigação, no âmbito da União Europeia, o Comitê de Ministros do Conselho da Europa editou a Recomendação n. 5, de 1995, cujo objeto anunciado constitui aprimoramento dos sistemas recursais no processo civil. O art. 3º da referida norma dispõe sobre as circunstâncias em que se poderia afastar o direito ao recurso, ou, ao menos, discipliná-lo de forma mitigada, a fim de preservar os tribunais de segunda instância para o exame de questões mais relevantes. Com esse caráter, recomenda-se que os Estados excluam determinadas causas do reexame pelo tribunal, a exemplo de demandas de baixo valor econômico (art. 3º, a). Outrossim, estimula-se a adoção do regime da autorização para recorrer, que se funda em avaliações, feitas pelo juízo a quo, à luz de cláusulas gerais (art. 3º, b), dentre outras proposições do gê-nero. Sobre o específico tema da recorribilidade imediata com a finalidade de preservar o papel dos tribunais de apelação, a alínea d do art. 3º recomenda expressamente a adoção do regime da irrecorribilidade em separado de certas questões interlocutórias, de forma a se adiar a possibilidade de revisão para o tempo do recurso contra a decisão final sobre o mérito da causa10231024.

Seguindo a referida Recomendação, Portugal editou o Decreto-Lei n. 303/2007, promovendo profunda alteração em seu sistema recursal, a ponto de instaurar uma espécie de “regime monista” de recursos contra as decisões de primeira instância, as quais não mais desafiarão os clássicos e tradicio-

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nais agravos1025. Desde a relevante alteração legislativa, no ordenamento processual português, as decisões proferidas em primeiro grau desafiam apenas o recurso de apelação. A finalidade buscada foi alcançar o ideal de simplificação, evitando sutilezas na definição da espécie recursal cabível. Nem todas as decisões que anteriormente seriam impugnáveis por agravo passaram a se sujeitar à apelação. Na realidade, a reforma processual estendeu o regime da apelação apenas para aqueles casos em que, antes, fosse cabível o agravo de subida imediata, reservando-se para as demais decisões interlocutórias o sistema da irrecorribilidade em separado1026.

Na Espanha, a Ley de Enjuiciamento Civil de 2000 prevê como técnica ordinária de impugnação de...

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