Direito de arena

AutorJorge Miguel Acosta Soares
Páginas98-115

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Nos últimos anos, têm aumentado os pedidos para que o Poder Judiciário se manifeste sobre as questões envolvendo o contrato de trabalho do atleta profissional. A nova legislação da categoria, surgida apenas em 1998, o fim do “passe”, a extinção da obrigatoriedade da consulta preliminar à Justiça Desportiva, tudo isso tem levado os jogadores de futebol a procurar cada vez mais os tribunais, na esperança de verem atendidas suas reivindicações e reclamos. Entre as questões que vêm sendo fruto das decisões dos juízes está a parcela do Direito de Arena a que os atletas fazem jus, matéria que ainda não está totalmente compreendida pelos magistrados. Ainda se observam com certa frequência decisões que prescrevem que Direito de Arena é apenas outro nome do Direito de Imagem, ou então que aquele é uma espécie deste, havendo similaridade entre os dois institutos.

DIREITO DE ARENA E DIREITO DE IMAGEM — SIMILARIDADE — O art. 42 da Lei n. 9.615/98 não faz qualquer alusão a Direito de Arena, mas sim ao direito da entidade de prática desportiva de “negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem”, sendo a referida lei uma extensão do Direito de Imagem previsto no art. 5º, XXVIII, letra “a” da Constituição da República Federativa do Brasil, que cuida também da reprodução da imagem e voz humana nas atividades desportivas, não mencionando acerca do Direito de Arena. Logo, se o texto legal não faz qualquer menção a Direito de Arena, deduz-se disto que o Direito de Arena e Direito de Imagem não são figuras distintas, havendo similaridade entre ambas. A doutrina apenas adotou outra terminologia não prevista na lei (TRT 3ª Região — Recurso Ordinário n. 00960-2004-016-03-00-0 — 7ª Turma — Fonte: DJMG 13.9.2005 — Relator: Rodrigo Ribeiro Bueno) (grifo nosso).

ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. DIREITO DE ARENA, ESPÉCIE DO DIREITO À IMAGEM. NATUREZA JURÍDICA SALARIAL DA PARCELA. INTEGRAÇÃO À REMUNERAÇÃO PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS. A quantia informal paga ao reclamante a título de “Direito de Arena”, através de empresa simulada constituída para este fim, não desqualifica a natureza jurídica salarial da verba, conforme o disposto nos art. 9º e 444/CLT (TRT 3ª Região — Recurso Ordinário n. 00954-2002-018-03-00-4 — 4ª Turma

— Fonte: DJMG 14.12.2002 — Relator: Antônio Álvares da Silva). (grifo nosso)

O atual capítulo pretende demonstrar que tal relação de similaridade, ou parentesco, não existe. São dois institutos distintos, os quais, apesar de ambos se situarem no campo dos direitos da personalidade, encontram-se em classes de direitos diferenciados, protegendo bens jurídicos diferentes. Segundo a classificação dos direitos da personalidade de Limongi França210, o Direito de Imagem busca proteger a integridade moral do indivíduo, ao passo que o Direito de Arena — pertencente à espécie dos direitos conexos aos de autor — garantir a integridade intelectual da pessoa.

Os dois direitos também não se confundem, uma vez que seus titulares são distintos. No caso do Direito de Imagem, seu detentor é a pessoa física, no presente trabalho, o jogador de futebol. Já o Direito de Arena, por determinação legal, tem como detentor a entidade de prática desportiva, o clube de futebol, a pessoa jurídica.

5.1. Direitos da personalidade na pessoa jurídica

No capítulo anterior, dedicamos um grande espaço aos direitos da personalidade, um conjunto de leis, normas jurídicas e princípios destinados a defender os valores inatos no homem, como a vida, a integridade física, a intimidade, a honra, a intelectualidade, entre outros. São os direitos intimamente gravados na pessoa, que existem apenas pelo fato de o indivíduo nascer, independentemente de qualquer outra qualificação. Contudo, o ordenamento jurídico nacional não confere apenas às pessoas naturais a qualidade de ser parte numa relação jurídica. Os entes abstratos, as pessoas jurídicas da mesma forma têm direitos subjetivos, inclusive os da personalidade, desde que obtenham o reconhecimento de sua personalidade pelo Direito Positivo.

A personalidade jurídica não é uma ficção, mas uma forma, uma investidura, um atributo que o Estado defere a certos entes, havidos como merecedores dessa situação. A pessoa jurídica tem, assim, realidade, não a realidade física (peculiar às ciências naturais), mas a realidade jurídica,

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ideal à realidade das instituições jurídicas. No âmbito do direito, portanto, as pessoas jurídicas são dotadas do mesmo subjetivismo outorgado às pessoas físicas211.

Durante muito tempo, a doutrina discutiu se as pessoas jurídicas teriam os mesmos direitos garantidos às naturais. A promulgação do novo Código Civil encerrou a questão de forma definitiva. O novo Código, Lei n. 10.406/2002, em seu Capítulo II, fixou a proteção aos direitos da personalidade: direito ao corpo, mesmo depois da morte (arts. 12 a 15), direito ao nome (arts. 16 a 18), direito ao pseudônimo (art. 19), direito aos escritos, à voz, à honra, imagem e boa-fama (art. 20) e à vida privada e intimidade (art. 21). O art. 52 do mesmo diploma legal estendeu essa proteção às pessoas jurídicas, determinando que os direitos da personalidade descritos naquele capítulo, e outros mais que porventura venham a ser criados, também se aplicam à pessoa abstrata no que couber.

Por fim, são eles [os direitos da personalidade] plenamente compatíveis com pessoas jurídicas, como entes dotados de personalidade pelo ordenamento positivo (novo Código Civil, art. 340 e 345), fazem jus ao reconhecimento de atributos intrínsecos à sua essencialidade, como, por exemplo, os direitos ao nome, à marca, a símbolos e à honra. Nascem com o registro da pessoa jurídica, subsistem enquanto estiverem em atuação e terminam com a baixa do registro, respeitada a prevalência de certos efeitos posteriores, a exemplo do que ocorre com as pessoas físicas212.

É entendimento doutrinário pacífico que os direitos intrínsecos e essenciais à existência da pessoa jurídica são protegidos, desde seu registro — seu nascimento — até seu encerramento e mesmo além deste213.

Assim, pelo entendimento do art. 52 do Código Civil, são compatíveis com a pessoa jurídica: o direito à honra, reputação, nome, marca e símbolos — identidade da pessoa jurídica –, propriedade intelectual, ao segredo e a sigilo e privacidade.

Entre todos os direitos da personalidade da pessoa jurídica, um vai interessar especialmente para o presente estudo, o direito à propriedade intelectual, ou melhor, os direitos autorias e conexos, dos quais o Direito de Arena faz parte.

5.2. Direito intelectual e direitos conexos

A formulação dos direitos da personalidade consolidou e aprofundou-se no final do século XIX, início do século XX. As lutas sociais, aliadas ao trabalho da doutrina e da jurisprudência, contribuíram para a sua criação e a delimitação de seus contornos. Dentro deles, foram inseridos os direitos intelectuais, conceito formulado pelo jurista belga Edmond Picard (1836-1924) em 1877, transformado em lei em 1886, na Bélgica214.

Hoje se entende que os direitos intelectuais se inserem entre os direitos da personalidade — aqueles que se referem às relações da pessoa consigo mesma –, uma vez que são frutos unicamente da criação do intelecto, sobre o qual a pessoa detém verdadeiro monopólio. São direitos voltados à sensibilidade da alma humana, à transmissão de conhecimentos, à satisfação de interesses materiais, imateriais e lúdicos da vida diária215. Situam-se como ramo do Direito Privado, regulando as relações jurídicas ligadas à utilização de obras intelectuais ou estéticas, nascidas das artes ou nas ciências.

Os direitos intelectuais nascem para o criador no momento da elaboração da obra. Da mesma forma que todo o conjunto dos direitos da personalidade, o criador tem direito sobre sua produção, não por qualquer outro motivo, apenas por tê-la criado, sem necessitar de qualquer outra formalidade ou declaração. São os direitos ligados ao intelecto, que fixam os vínculos entre o criador e a obra.

Por estarem inseridos no conjunto dos direitos da personalidade, os direitos intelectuais são dotados das mesmas características destes: irrenunciabilidade, perenidade, inexpropriabilidade,

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imprescritibilidade, impossibilidade de sub-rogação, extrapatrimonialidade e intransmissibilidade. Contudo, da mesma forma que o Direito de Imagem, os direitos intelectuais permitem a seu titular alguma margem de disponibilidade, a qual garante sua entrada no comércio jurídico. A cessão parcial dos direitos que o criador faz para terceiros se dá graças a essa certa disponibilidade, que lhe permite colher os frutos de sua criação.

Os direitos intelectuais, lato sensu, inserem-se em um conjunto de outros direitos, um gênero que regula a relação entre a pessoa e seu domínio sobre bens imateriais e intelectuais e suas atividades conexas. Esse conjunto engloba várias espécies de direitos: os direitos autorais — obras literárias, artísticas, científicas e programas de computador —, os direitos conexos do autor, os direitos de patente, o direito marcário, o direito de concorrência. Essa definição está expressa no art. 2º, inciso VIII, da Convenção de Estocolmo de 1967, que instituiu a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto n. 75.541, de 31 de março de 1975. Dadas as limitações do presente trabalho, a análise se restringe aos direitos conexos aos de autor, uma vez que são estes que mantêm relação estreita...

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