O direito ao esquecimento na visão do superior tribunal de justiça

AutorAna Carolina de Mari Rocha, Mariana Alves Lara
Páginas177-195
O direito ao esquecimento... • 177
O DIREITO AO ESQUECIMENTO
NA VISÃO DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ESTABELECENDO PARÂMETROS
DE APLICAÇ ÃO
Ana Carolina de Ma ri Rocha1
Mariana Alves Lara2
Resumo: Embora tenha origem no âmbito do Direito Penal e seja an-
terior à popularização da internet, o chamado direito ao esquecimento
tem ganhado novos contornos com as crescentes revoluções tecnoló-
gicas, além de um enquadramento dentro do Direito Civil como um
direito de personalidade. A presente pesquisa, adotando a vertente jurí-
dico-dogmática, objetivou analisar como o Superior Tribunal de Justiça
tem aplicado esse direito em suas decisões, a m de identicar os parâ-
metros utilizados para a necessária ponderação entre o esquecimento e
os interesses a ele opostos, como a liberdade de imprensa e o direito à
memória. Após a análise jurisprudencial, foi possível identicar alguns
dos referidos parâmetros, bem como vericar certa uniformidade nos
julgados, de modo que se chegou à conclusão de que as divergências
entre os Ministros parecem residir mais na valoração de cada um desses
parâmetros nos casos concretos postos a julgamento, do que à existência
deles.
Palavras-chave: Direito ao esquecimento. Direitos de personalidade.
Superior Tribunal de Justiça.
1
Mestranda em Direito na UFMG. Bacharela em Direito pela UFMG.
2
Professora de Direito Civil da UFMG. Doutora em Direito Civil pela USP. Mestre
em Direito Civil pela UFMG.
178 • O Direito Civil nos Tribunais Superiores
INTRODUÇÃO
O Código Civil brasileiro de 2002 inovou em relação ao seu
predecessor ao dedicar um capítulo da Parte Geral à tutela dos direitos
de personalidade. De acordo com Danilo Doneda, essa opção legislativa
evidencia que o direito civil se reconhece como parte de um ordenamen-
to jurídico cujo valor máximo é a proteção da pessoa humana3.
Muito embora os artigos 11 a 21 do Código Civil positivem
um rol de direitos de personalidade, resta assentado que esta tipicidade
não é fechada. Ao contrário, trata-se de uma tipicação exemplicativa
e numerus apertus. Uma vez que os direitos de personalidade podem
ser entendidos como “direitos subjetivos que põem em vigor, através
de normas cogentes, valores constitutivos da pessoa natural”4, todo e
qualquer valor constitutivo da pessoalidade pode e deve ser reconhecido
como direito de personalidade. Pedro Pais de Vasconcelos arma que os
tipos ideais axiológicos nasceram de experiências reiteradas de agressões
à personalidade, que pela gravidade e repetição foram ganhando auto-
nomia de regime. Assim, os tipos de direitos de personalidade consagra-
dos na lei são as cicatrizes deixadas pelas feridas que são repetidamente
inigidas à dignidade das pessoas. À medida que novas agressões vão
surgindo na prática, a lei vai reconhecendo e estruturando regimes de
defesa e reação contra elas5.
Dessa forma, surgiu o chamado direito ao esquecimento, uma
resposta às constantes violações a determinado aspecto da privacidade
dos indivíduos que viam fatos pretéritos e dolorosos serem rememo-
rados, reabrindo feridas já quase cicatrizadas. Aos poucos, a doutrina
e a jurisprudência passaram a reconhecer esse valor como um direito
de personalidade não positivado, mas merecedor de proteção enquanto
conformador da dignidade da pessoa humana.
Na atualidade, pode-se armar que já se encontra pacicada
a existência e a necessidade de proteção do direito ao esquecimento no
ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, ainda são bastante nebulosos
3
DONEDA, Danilo. Os direitos de personalidade no Código Civil. In: TEPEDI-
NO, Gustavo. (Coord.) A Parte Geral do Novo Código Civil: estudos na perspecti-
va civil-constitucional. 3 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 35-60, pp. 35.
4
STANCIOLI, Brunello. Renúncia ao exercício de direitos de personalidade ou
como alguém se torna o que quiser. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 95.
5
VASCONCELOS, Pedro Pais de. Direitos de Personalidade. Coimbra: Almedina,
2006, p. 65.

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