Direito ao desenvolvimento
Autor | Thiago Paluma |
Páginas | 77-104 |
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Este capítulo tem como objetivo estudar o Direito ao Desenvolvimento a partir de sua construção histórica, doutrinária e normativa, colocando-o como um Direito Humano inalienável, capaz de limitar qualquer outro Direito ou política pública, como por exemplo, os direitos de propriedade intelectual. Tal relação entre o Direito ao Desenvolvimento e os direitos de propriedade intelectual será estabelecida no capítulo 4 tendo como base os conceitos trazidos no presente capítulo.
O primeiro grande impulso ao estudo do Direito ao Desenvolvimento ocorreu na década de 1950 após a Segunda Guerra Mundial, sendo influenciado principal-mente pela Teoria da Modernização de Walt Whitman Rostow1. Para Kevin Davis e Michael Trebilcock:
Os teóricos da modernização afirmavam que o subdesenvolvimento de uma sociedade era causado pelas características ou estruturas econômicas, políticas, sociais e culturais tradicionais (em oposição a modernas) e se refletia nelas. Para progredirem, as sociedades subdesenvolvidas teriam de passar pelo
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mesmo processo de evolução do tradicionalismo para a modernidade que as sociedades mais desenvolvidas haviam experimentado anteriormente. Porém, enquanto o ímpeto de modernização nos países agora desenvolvidos resultara de mudanças endógenas, a transformação das nações em desenvolvimento resultaria principalmente de estímulos exógenos. Ou seja, a modernização do Terceiro Mundo seria realizada pela difusão do capital, das instituições e dos valores do Primeiro Mundo2.
Dessa forma, as três medidas indicadas pelos teóricos da Teoria da Modernização para que os Estados subdesenvolvidos pudessem desenvolver-se resumem na incorporação de políticas e da estrutura dos países considerados de primeiro mundo, não levando em consideração as diferenças históricas, políticas, culturais e institucionais existentes entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
Na década de 1960 os teóricos do Direito e Desenvolvimento, influenciados pela Teoria da Modernização, apontavam o Direito como um instrumento de desenvolvimento, além de indicarem a propagação do Direito Ocidental nos países subdesenvolvidos como uma forma de modernização3.
Nessa mesma época, o mundo encontrava-se ideologicamente dividido entre o socialismo e o capitalismo, protagonizados, respectivamente, pela ex-URSS e
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pelos EUA. No campo jurídico esse embate ideológico representava-se pelo conflito criado entre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de um lado e de outro os Direitos Civis e Políticos. A partir dessa perspectiva os países menos desenvolvidos, em busca de uma identidade própria, posicionaram-se na esfera da política internacional pela independência (não-alinhamento) e contribuíram efetivamente na consolidação da Teoria do Direito e Desenvolvimento.
Ainda na década de 1960 consolidou-se o processo de descolonização das várias colônias europeias na África, resultando em um aumento considerável de países terceiro-mundistas na Assembleia Geral da ONU, o que propiciou a aprovação das Resoluções 1.514/1960 ("Declaração sobre a concessão da independência aos países e povos coloniais4") e 1.710/1960 ("Programa de Cooperação Econômica Internacional").
Nesse sentido, Fernando Antônio Amaral Cardia, afirma que na década de 1960 nasce "[...] o Direito do Desenvolvimento, como um programa normativo de cooperação em diversas áreas das relações econômicas, com vistas a superar as profundas diferenças de desenvolvimento existentes entre os povos do mundo5".
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Ainda na década de 1960, mais exatamente em 1964, foi realizada a primeira reunião da UNCTAD6(United Nations Conference on Trade and Development). O discurso dos países em desenvolvimento que participaram desta primeira reunião foi decisivo para a consolidação do conceito de Direito ao Desenvolvimento.
Nesse sentido, Cecília Kaneto Oliveira pondera que: [...] o discurso dos países em desenvolvimento à época da criação da UNCTAD conduziu ao caminho para o reconhecimento do direito ao desenvolvimento. [...] A busca efetiva por uma igualdade efetiva entre os países e não apenas formal, ou seja, a tentativa de implementação de um tratamento diferente para os Estados distintos fundamentou a idéia de um direito ao desenvolvimento7.
Dessa forma, a UNCTAD tem grande importância por ter servido de fórum para a elaboração do conceito de desenvolvimento, além de vinculá-lo ao comércio internacional, que passa a ser mais bem regulamentado três décadas depois com o surgimento da OMC.
Ao final desta década, em 1969, o Cardeal Etienne Duval, arcebispo de Argel, proclamou o Direito ao De-
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senvolvimento dos países do terceiro mundo8. No entanto, a vinculação entre o Direito ao Desenvolvimento como inerente aos Direitos Humanos9é realizada pela primeira vez pelo Chefe de Justiça do Senegal em 1972 durante a sessão inaugural do Curso de Direitos Humanos de Estrasburgo10.
Em 1979, também em Estrasburgo no Instituto Internacional de Direitos Humanos, o jurista Karel Vasak formulou a Teoria das Gerações de Direito11, inspirada
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na bandeira francesa e nos lemas da Revolução Francesa (Liberté, Egalité e Fraternité). Para este autor, os direitos poderiam ser divididos em três gerações, correspondendo os direitos de terceira geração aos direitos de solidariedade (ou fraternidade a partir de uma tradução literal do terceiro lema da Revolução Francesa). Dessa forma, vinculam-se aos Direitos de terceira geração: o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito a um ambiente saudável, e o direito à equidade intergeracional.
Contrário à teoria das gerações dos direitos, Cançado Trindade pondera que o Direito ao Desenvolvimento, quando recebe status de Direito Humano, passa a complementar toda uma gama de direitos pré-existentes, e não a suceder os anteriores. Nesse sentido, o autor afirma que:
O direito ao desenvolvimento teve o propósito de fortalecer, jamais restringir, os direitos pré-existentes. Assim ocorre em razão da natureza complementar de todos os direitos humanos. [...] Assim, uma denegação do direito ao desenvolvimento há de acarretar consequências adversas para o exercício dos direitos civis e políticos assim como dos direitos econômicos, sociais e culturais. [...] O fenômeno que hoje testemunhamos não é o de uma sucessão geracional imaginária (a infundada teoria das gerações de direitos), mas antes o da expansão e fortalecimento dos direitos humanos reconhecidos12.
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A evolução dos estudos referentes ao Direito ao Desenvolvimento foi essencial para a formação de uma base teórica que desse substrato aos documentos inter-nacionais produzidos a partir das décadas de 1960 e 1970. Várias Convenções Internacionais e Cartas de Direitos Humanos atentaram-se à importância do Desenvolvimento e normatizaram este tema em seus textos, conforme será abordado no próximo item.
A normatização de princípios jurídicos ou valores, como é o caso de alguns Direitos Humanos, é uma importante tendência jurídica13, observada sobretudo a partir da segunda metade do século XX, com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Tal declaração é um marco histórico-jurídico, sendo importante na medida em que positivou Direitos Humanos em um momento pós-segunda guerra mun-dial, quando a sociedade mundial encontrava-se fragi-
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lizada e assustada com a carnificina do holocausto e a utilização de armas nucleares14.
Junto aos textos internacionais que positivaram diversos princípios morais sob o status de Direitos Humanos, surgiram nas décadas seguintes declarações que associaram os temas Direito ao Desenvolvimento e Direitos Humanos. Tal associação foi influenciada principalmente pelos países menos desenvolvidos e não-alinhados ao conflito político-ideológico da Guerra Fria, que buscavam formas concretas para diminuir a dependência tecnológica em relação aos países mais ricos, e desenvolverem-se social e economicamente.
Em 1967, o Papa Paulo VI publicou a Encíclica papal "Populorum Progressio", sobre o desenvolvimento dos povos. Tal encíclica é interessante na medida em que realiza um apelo para uma "ação organizada para o desenvolvimento integral do homem e para o desenvolvimento integral da humanidade". Apesar de não ser um documento de natureza jurídica internacional, representa a preocupação de um importante líder mundial com a difusão e busca do desenvolvimento dos povos15.
No âmbito da Organização das Nações Unidas o primeiro documento a fazer menção expressa ao tema foi a Resolução n° 4 de 21 de fevereiro de 1977 da Comissão de Direitos Humanos, que pela primeira vez
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reconhece de forma oficial a importância do Direito ao Desenvolvimento16. Em 1979, a Comissão de Direitos Humanos (resolução n° 5) reiterou o entendimento anterior e reafirmou que "o direito ao desenvolvimento é um direito humano e que a igualdade de oportunidades é uma prerrogativa tanto das nações como dos indivíduos que formem as nações".
Este avanço do tema no âmbito da ONU durante a década de 1970 é resultado do já citado processo de descolonização da África e Ásia, resultando no aumento da representação dos países com menor desenvolvimento relativo na Assembleia Geral da organização, e também da instauração da Nova Ordem Econômica Internacional (Resolução 3201 da ONU, de 1° de maio de 1974). Esta resolução da ONU reconheceu a necessidade de mudanças na atual estrutura do sistema econômico internacional, tendo em vista que este foi apontado como o responsável pelas desigualdades sociais e econômicas entre os Estados, o que resultava na posição vulnerável dos países mais pobres. Na mesma data foi aprovada a Resolução 3202, responsável por ditar as orientações desta Nova Ordem Econômica Internacional17.
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A Assembleia Geral da ONU em 18 de...
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