O Que é o Direito?

AutorFrancesco Carnelutti
Ocupação do AutorAdvogado e jurista italiano
Páginas21-34

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A primeira entre as perguntas, que podem servir para conhecer um jurista, é esta, naturalmente: O que é o direito? Suponho que meus amigos americanos também tenham, a respeito, tal curiosidade e me preparo para satisfazê-la. Exatamente na transformação das minhas ideias sobre esse tema a minha vida de jurista alcançou o seu pleno significado.

Uma vez, quando ainda era jovem e, como se costuma dizer, os meus estudos ainda eram frescos, a uma pergunta semelhante teria respondido com uma definição exata; porém, muitas coisas mudaram no decorrer da minha vida. Talvez a definição, que me ensinaram na universidade, ainda não esqueci; mas o que enfraqueceu dentro de mim é a fé no objeto a ser definido.

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Agora não acredito mais poder responder à pergunta sem recorrer a uma comparação. O mal é que não presumo saber, melhor do que eu sabia, o que é o direito, nem que seja propriamente uma comparação; ou, pelo menos, qual seja a função de uma comparação. Portanto, não consigo explicar-me a não ser por meio de uma comparação. Uma comparação da comparação? Estranho, mas é assim. O homem quando pensa faz como quando caminha. Há estradas planas; há estradas montanhosas. E todos sabem como se desenvolvem as estradas montanhosas. Na planície a estrada pode andar reta, mas na montanha se adapta naquilo que em francês é chamado de tourniquets (torniquete). Essa é uma comparação. Também no terreno do pensamento há uma planície e uma montanha. Ora, a via que leva ao conceito do direito é uma rude vereda alpina. Daqui, ao menos para mim, que não sou um famoso alpinista, a necessidade das viradas ou das comparações.

O conceito do direito, como todos sabem, liga-se estritamente ao conceito de Estado. Provavelmente, para saber o que é o direito, devemos nos perguntar, a nós mesmos, o que é o Estado.

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Na verdade, a palavra Estado é mais transparente do que direito. Uma vez ouvi dizer por um crítico que Miguel de Unamuno foi um “quebrador de palavras”. Não sei se este é um juízo exato; todavia, não acredito que haja necessidade de quebrar as palavras, ou pelo menos certas palavras quando deixam ver, como um vaso de cristal, o que contém. Estado é verdadeiramente uma palavra cristalina. O que se vê dentro dele é o verbo estar; com ele transparece uma ideia de firmeza daquilo que está. O povo, enquanto alcança uma certa firmeza, se torna Estado. Entre povo e Estado encontra-se a mesma diferença que entre os tijolos e o arco de uma ponte. O Estado é verdadeiramente um arco; veremos, mais adiante, como se chamam as beiras que o arco une.

Há, certamente, uma força que mantém unidos os tijolos no arco. Mas essa força não opera até que o arco seja terminado. Agora, como se faz para terminá-lo? Esse é o problema. Os engenheiros sabem que o arco, enquanto se constrói, precisa da armação. Sem a armação o arco resiste quando concluído; mas antes de então, se a armação não o sustentasse, precipitaria.

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O direito é a armação do Estado. O direito é necessário para que o povo possa alcançar a sua firmeza.

Agora também a palavra direito começa a deixar transparecer o seu conteúdo. O cristal estava um pouco embaçado; poucas reflexões serviram para torná-lo transparente. Talvez uma palavra mais clara é o latim ius. Acredito que o latim seja a mais transparente entre as línguas do mundo. Os glotólogos ainda não descobriram o vínculo entre ius e iungere; todavia, não tenho dúvida que na mesma raiz dessas duas palavras se manifeste uma das mais maravilhosas intuições do pensamento humano. O ius liga os homens como o iugum liga os bois ou a armação os tijolos.

Um pouco menos clara é a palavra direito; ela também pode expressar a ideia do vínculo; a reta, na verdade, não une dois pontos? Os pontos são os homens, que formam o...

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