Dimensões Históricas da Internacionalização: o papel da diplomacia cultural alemã na mobilidade acadêmica transnacional (1919?1945)

AutorAndré Felipe Cândido da Silva
Páginas256-303
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2018v17n38p256/
256 256 – 303
Dimensões Históricas da
Internacionalização: o papel
da diplomacia cultural alemã na
mobilidade acadêmica transnacional
(1919–1945)
André Felipe Cândido da Silva1
Resumo
A internacionalização é considerada um processo fundamental para aperfeiçoamento da quali-
dade do ensino superior e da pesquisa científ‌ica e como fruto da globalização contemporânea e
das exigências por ela impostas. A mobilidade transnacional de estudantes e pesquisadores re-
presenta um dos principais aspectos da internacionalização, sendo perseguida e enfatizada pelas
distintas políticas e atores que a promovem.
O presente artigo analisa a internacionalização como dinâmica histórica que nas primeiras dé-
cadas do século XX esteve associada às políticas de diplomacia cultural dos países europeus e
Estados Unidos. Nesse sentido, pretende mostrar como ela se articulou com o intenso nacio-
nalismo do período e com o esforço de modif‌icar correlações de força pela conquista de nichos
de identif‌icação cultural. A análise se concentra na diplomacia cultural exercida pela Alemanha
durante a República de Weimar e o regime nazista, país que esteve no epicentro dos dois con-
f‌litos mundiais, onde o incentivo ao intercâmbio de estudantes e acadêmicos assumiu sentidos
específ‌icos, referidos ao isolamento internacional pós-Tratado de Versalhes e à ambição de obter
hegemonia cultural e política por meio de estratégias que variaram de acordo com o contexto
político. Detalhará algumas ações direcionadas aos países latino-americanos, sobretudo ao Brasil.
Palavras-chave: Internacionalização. Mobilidade acadêmica. Diplomacia cultural. Política cultu-
ral externa alemã. República de Weimar. Alemanha nazista.
1 Pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz – Fundação Oswaldo Cruz – Centro de Documentação e História da Saúde.
E-mail: andre-felipe.silva@f‌iocruz.br
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 17 - Nº 38 - Jan./Abr. de 2018
257256 – 303
Nos últimos anos, as agências e instituições brasileiras de educação,
ciência e tecnologia vêm enfatizando a importância da internacionalização
como alavanca de desenvolvimento, qualicação e, ao mesmo tempo, de
reconhecimento da pesquisa e ensino produzidos no País. As estratégias
para alcançá-la não são acordes, como tampouco são acordes, ou claro o
que se compreende como internacionalização (KNIGHT, 2004), talvez
porque seja considerado como algo autoevidente, isto é, como o processo
por meio do qual os agentes, meios e produtos do conhecimento tornam-se
mais “internacionais”. Em termos gerais, a internacionalização abrange a
mobilidade de estudantes e pesquisadores, redes transnacionais de coope-
ração, por meio das quais se intercambiam conhecimentos e serviços, e a
circulação e impacto da produção cientíca originada em um país.
A internacionalização acadêmica é reconhecida como expressão da
globalização contemporânea e do primado do conhecimento na sua con-
formação. Nesse sentido, seria consequência lógica da maior possibilidade
de conexão, franqueada pelas tecnologias digitais, e pela maior facilidade
de circulação de pessoas e produtos. Vozes mais críticas têm chamado aten-
ção para a desigualdade estrutural que marca a internacionalização acadê-
mica, já que formações sociais com maior tradição cientíca e universitária
permaneceriam atuando como centros de atração de estudantes e pesqui-
sadores, ao passo que aquelas de desenvolvimento acadêmico mais recente
ou com sistemas de ensino e pesquisa menos consolidados e robustos con-
tinuariam como mananciais desses agentes. Fala-se em “internacionaliza-
ção hegemônica”, expressão que marca esse desequilíbrio que favorece os
países do Norte (SANTOS, 2002). A direção dos uxos de acadêmicos e
estudantes “[...] indica estruturas de dominação acadêmica e dependência
cultural.” (CHARLE; SCHRIEWER; WAGER 2004, p. 13).
Esses desequilíbrios evidenciam os fatores econômicos, sociais, cultu-
rais e políticos ligados à internacionalização. Ela não é consequência in-
trínseca do desenvolvimento cientíco, nem da conectividade da sociedade
global e do suposto primado do conhecimento. Tomada como um m em
si mesmo, ganha uma aura “ilusória e quase alquímica” (ARAÚJO; SILVA,
2015, p. 85–86), à medida em que autodesigna “[...] um conjunto de atri-
butos susceptíveis de serem classicados como necessariamente vantajosos
e imprescindíveis nos processos de construção identitária das universidades
e centros de investigação”. Segundo Antelo (2012), as questões políticas
Dimensões Históricas da Internacionalização: o papel da diplomacia cultural alemã na mobilidade acadêmica transnacional
(1919–1945)| André Felipe Cândido da Silva
258 256 – 303
e culturais devem ser levadas em conta na análise da internacionalização,
que assume signicados distintos segundo os campos disciplinares, as cul-
turas cientícas, as motivações e as formações sociais nas quais tem lu-
gar. Ao identicá-la como expressão da globalização contemporânea ou
como fruto espontâneo de fatores pertinentes à prática cientíca, perde-se
não só a importância dessas questões políticas e culturais, como também
sua dimensão histórica. Hoje a internacionalização está institucionalizada
em graus variados em programas de intercâmbio acadêmico, em políticas
nacionais, nas estruturas de ensino e investigação. No entanto, essa ins-
titucionalidade é produto de um desenvolvimento histórico que ganhou
vulto no século XX. Uma análise histórica possibilita conjugar os dife-
rentes fatores, atores e interesses que conuíram em iniciativas e projetos
de internacionalização, ainda que impelidos por motivações não necessa-
riamente referidas a um ideal de internacionalidade ou cosmopolitismo,
mas a ambições de cariz nacionalista. Ela permite reconhecer o caráter
multifacetado dos processos de internacionalização, que dessa forma se
apresenta não como uma dinâmica geral e trans-histórica, mas como fruto
de arranjos sócio-históricos especícos. A perspectiva histórica ajuda-nos
a evitar encarar a internacionalização como consequência inexorável da
evolução das comunidades acadêmicas ou como processo lógico e neces-
sário da gradativa universalização do conhecimento, a qual seria corolário
do próprio estatuto epistemológico dos enunciados cientícos. Como nos
adverte Elisabeth Crawford (1992), a internacionalização não pressupõe
um endosso do universalismo epistemológico, ou seja, a ideia de validade
dos enunciados, independente do sujeito do conhecimento, do seu tem-
po e lugar. Interessa-nos como manifestação prática da crença e ação de
sujeitos históricos; como dinâmica de circulação, por canais concretos, de
formas especícas de conhecimento.
O objetivo deste artigo é contribuir para o debate histórico da inter-
nacionalização, de maneira a evidenciar como o campo da política externa,
nomeadamente da diplomacia cultural, favoreceu ações de parceria inter-
nacional e de mobilidade acadêmica através de fronteiras, em um consór-
cio de atores estatais e não estatais mobilizados por interesses de diversas
ordens. O foco recairá no caso alemão, menos por ser representativo do
que pela sua particularidade: protagonista dos dois principais conitos bé-
licos do século XX, a Alemanha impulsionou suas ações de promoção do

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT