Possibilidade de relativização do princípio da dignidade humana de acordo com a teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy

AutorAna Paula Costa Barbosa
CargoBacharel em Direito (1995) e Mestre em Direito Público (2001) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Páginas1-15

Bacharel em Direito (1995) e Mestre em Direito Público (2001) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Formação complementar em Curso de Direito Internacional Público pela Académie de Droit International de La Haye (2006). Doutora em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Heidelberg (2007).

Assistente Científica, desde 2006, do Projeto "Dignidade Humana no Começo e Fim da Vida", na Cátedra de Filosofia do Direito e Direito Constitucional, da Universidade de Heidelberg. Pesquisadora, desde 2008, do Instituto Max-Planck de Direito Público Comparado e Direito Internacional Público. Autora de A Legitimação dos Princípios Constitucionais Fundamentais, Rio de Janeiro: Renovar, 2002 e Die Menschenwürde im deutschen Grundgesetz und in der brasilianischen Verfassung von 1988. Ein Rechtsvergleich. Münster: LIT, 2008.

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1 - Introdução

Com base na teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy, vai-se diferenciar, em primeiro lugar, qual é a distinção entre regras e princípios, assim como vai-se precisar o caráter de norma da dignidade humana, como princípio e regra jurídica. Page 2

Essa diferenciação permite que, no campo dos princípios, se realize uma ponderação. O princípio da dignidade humana, que não é, na visão de Alexy, um princípio absoluto, pode ser ponderado com outros princípios, como o da democracia e o da soberania, muito embora a regra da dignidade humana não possa se submeter à restrição e, conseqüentemente, à violação.

Essa teoria serve, como base, para se discutir no Brasil, se o princípio fundamental da dignidade humana do art. 1º III da Constituição Federal de 1988 deve ser sempre considerado um princípio absoluto ou se pode ser relativizado. Para tanto, vai-se construir uma formulação teórica com base num caso concreto - a construção de uma creche na Favela Dona Marta - que foi levado ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em 2005. Com base nesse caso, vai-se contrapor, de um lado, o princípio da dignidade humana e do interesse social e, de outro lado, os princípios da proteção do meio ambiente, da soberania e da segurança pública.

Deve-se ressaltar, entretanto, que não se pretende construir um método de ponderação,1 mas, sim, mostrar, com base no método de ponderação desenvolvido por Alexy, que é possível, sim, contrapor princípios fundamentais que, à primeira vista, parecem não se confrontar e, conseqüentemente, não ter precedência um sobre o outro por haver um entendimento geral de que são, em qualquer caso e sob qualquer circunstância, absolutos.

2 - Visão Geral do Sistema Jurídico como Sistema de Normas: A Distinção entre Regras e Princípios, Conflito de Regras e Colisão de Princípios

A teoria da argumentação jurídica de Robert Alexy conecta dois tipos diferentes de sistemas jurídicos: o sistema jurídico como um sistema procedural e o sistema jurídico como um sistema de normas. O primeiro tem, como base, quatro procedimentos: o do discurso prático geral, o da origem jurídica estatal, o do discurso jurídico e o do processo jurídico. O segundo reside na relação entre regras e princípios.2 Aqui, vai-se tratar do sistema jurídico Page 3 como um sistema de normas, a fim de se esclarecer o caráter da dignidade humana como princípio ou regra jurídica.

Tanto regras como princípios têm natureza normativa, pois expressam o que deve ser. São formulados com base em expressões fundamentais deônticas, que se manifestam em mandamentos, permissões e proibições.

Regras e princípios são, no entanto, dois tipos de normas. Para diferenciá-los, Alexy segue determinados critérios, como o da generalidade, gradação e qualidade.

De acordo com o critério da generalidade, princípios são normas com um grau relativamente alto de generalidade, enquanto regras são normas com um grau relativamente baixo de generalidade.3

O segundo critério é o da gradação. Princípios são normas ou "mandados de otimização", cuja essência se apóia no fato de que podem ser satisfeitos em diferentes graus e cuja satisfação é dependente das possibilidades reais e jurídicas existentes.4 Já as regras são normas que seguem a lógica do "tudo ou nada", ou seja, só são capazes de estabelecer duas alternativas de satisfação de seu conteúdo. "Se uma regra é válida, então, fica determinado que se faça exatamente aquilo que ela exige, não mais e não menos." 5 São, em suma, determinações juridicamente e concretamente possíveis.6

O terceiro critério é o da qualidade. O conflito de regras ocorre na dimensão da validade; a colisão de princípios, na dimensão do peso, tendo em vista que só princípios válidos podem entrar em colisão.7 O resultado dessa colisão de princípios será a precedência de um princípio sobre um ou mais princípios. Para se saber qual é o princípio predominante, deve-se aplicar o princípio da proporcionalidade.8

2. 1 - A Dignidade Humana como Norma-Princípio e Norma-Regra

A explicação sobre o caráter de norma da dignidade humana na visão de Alexy advém das respostas às seguintes indagações: A dignidade humana é realmente um princípio absoluto? Ela pode ser ponderada com outros princípios? É possível se violar a inviolabilidade da dignidade humana? Page 4

Os princípios absolutos são princípios extremamente fortes, que não podem ser restringidos por outros princípios. Quando aplicados, não encontram limitação jurídica. A esses princípios, não se aplica o teorema da colisão. Alexy explica:

"Quando um princípio se refere a bens coletivos e é absoluto, as normas de direitos fundamentais não podem lhes impor qualquer limitação. Se o princípio fundamental é suficiente, não há, portanto, direito fundamental. Quando o princípio absoluto é válido para direitos fundamentais, sua ausência de limitação jurídica leva à conclusão de que, no caso em colisão, os direitos de todos indivíduos justificados com base no princípio devem ceder em face do direito justificado de cada indivíduo com base no princípio, o que é uma contradição. Vale, portanto, a proposição de que princípios absolutos ou não estão ou só estão de acordo com direitos individuais, quando os direitos individuais, que se justificam com base neles, se refiram a não mais do que um sujeito jurídico."9

A impressão de que a dignidade humana é absoluta advém do fato de que ela pode ser considerada, ao mesmo tempo, uma norma-princípio e uma norma-regra.

Como norma-princípio, a dignidade humana pode, na visão de Alexy, colidir com outros princípios e se submeter à ponderação. Por exemplo: No julgamento das escutas ("Abhör-Urteil"), o Tribunal Constitucional Alemão ("Bundesverfassungsgericht" - BVerfG) ponderou a dignidade humana com o princípio da democracia e da existência do Estado. Nessa ponderação, a dignidade humana não teve precedência absoluta sobre os outros dois princípios, mas, sim, esses dois tiveram precedência sobre ela.

Como norma-regra, a dignidade humana se apresenta em vários casos concretos, em que "não se indaga se ela tem preferência sobre outras normas, mas apenas se ela foi ou não foi violada."10 Em outras palavras, a dignidade humana estará atuando como norma-regra, se houver a possibilidade de violação da dignidade humana.

O próprio BVerfG reconhece a possibilidade dessa violação no caso concreto, como se pode inferir da seguinte citação: Page 5

"No que diz respeito ao princípio da inviolabilidade da dignidade humana do art. 1º da Lei Fundamental, tudo depende da determinação de que, sob certas circunstâncias, a dignidade humana pode ser violada. Evidentemente, isso não pode ser afirmado de forma geral, mas sempre tendo em vista o caso concreto."11

O Tribunal verifica se houve ou não violação da dignidade humana através da aplicação da fórmula do "tratamento desprezível" ("verächtliche Behandlung").12 Mas, ressalte-se, só consegue constatar a existência ou não dessa violação porque, previamente e antes de tudo, abriu a possibilidade de ponderação do princípio da dignidade humana com outros princípios constitucionais.

O BVerfG descreve, da seguinte forma, essa possibilidade de ponderação: "... quando a exclusão da proteção judicial é motivada não pelo desrespeito ou menosprezo da pessoa humana, mas pela necessidade de manter em segredo medidas para a proteção da ordem democrática e da existência do Estado."13

De acordo com a interpretação de Alexy, com base nesse caso das escutas, a dignidade humana, como norma-princípio, colide com os princípios da ordem democrática e da existência do Estado. Como norma-princípio, ela não obteve, nessa colisão, precedência sobre os outros princípios. Mas, ao não ter precedência e não ser absoluta, ela não estaria sendo violada? A resposta é negativa, e isso se infere do trecho acima citado da mesma decisão do BVerfG: "...não pelo desrespeito ou menosprezo da pessoa humana." Isso é assim porque, como norma-regra, a dignidade humana não pode ser violada. Dessa constatação se deduz o seguinte: Quando a dignidade humana, no campo dos princípios, não tem precedência sobre outros princípios, isso não implica dizer que ela seja violada no campo das regras.14

Numa outra decisão do BVerfG, a do julgamento da prisão perpétua, o princípio da dignidade humana também não teve precedência sobre o princípio da proteção da comunidade estatal, assim como a regra da dignidade...

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