Dignidade humana em perspectiva política: Charles Taylor e a reabilitação das questões ontológicas no campo da política

AutorNuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho - Rafael Tomaz de Oliveira
CargoDoutor (UFMG), Pós-Doutor (Universidade de Munique) e Livre-Docente (USP) em Direito - Doutor em Direito (UNISINOS)
Páginas206-223
Direito, Estado e Sociedade n. 53 p. 206 a 223 jul/dez 2018
Dignidade humana em perspectiva política:
Charles Taylor e a reabilitação das questões
ontológicas no campo da política
Human dignity in political perspective: Charles Taylor and the
rehabilitation of ontological issues in the eld of politics
Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho*
Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil
Rafael Tomaz de Oliveira**
Universidade de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto/SP, Brasil
1. Introdução
A ressignificação do princípio da dignidade da pessoa humana, afirmado
pela Constituição com fundamento do Estado Democrático de Direito bra-
sileiro, merece dedicação da nossa teoria jurídico-política.
Os contornos e a centralidade que este princípio tomou quando da
sua afirmação no texto da Constituição e nos trinta anos de sua aplicação
pelos tribunais do País não se construíram sem contexto. Eles acontece-
ram em debate com a filosofia política, no horizonte da teoria da justiça
e dos problemas de justificação do Estado Social1, e que têm a ver com as
concepções de sociedade política e com os programas normativos que se
propõem em nosso tempo.
* Doutor (UFMG), Pós-Doutor (Universidade de Munique) e Livre-Docente (USP) em Direito. Professor da
Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). Email: nunocoelho@usp.br
** Doutor em Direito (UNISINOS). Professor da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). Email: ra-
fael_81oliveira@hotmail.com
1 Deste debate, autores como John Rawls, Ronald Dworkin, Thomas Nagel, T. M. Scandon, Michael Sandel,
Alasdair MacIntyre e Michel Walzer participaram decisivamente. Integra o projeto de pesquisa que une os
autores deste texto a ressignificação, em termos constitucionalmente adequados, do princípio da cidadania,
o qual investigam a partir da reconstrução dos diálogos contemporâneos da filosofia política, especialmente
no esforço por contribuir para o esclarecimento dos desafios da experiência jurídico-política brasileira.
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Direito, Estado e Sociedade n. 53 jul/dez 2018
Dignidade humana em perspectiva política: Charles Taylor
e a reabilitação das questões ontológicas no campo da política
Embora o pano de fundo de nossa análise seja a experiência jurídi-
ca brasileira, o recorte metodológico em torno da dignidade da pessoa
humana confere ares mais amplos à reflexão que foi proposta. Com efei-
to, enquanto tema filosófico, a pergunta pela dignidade humana já havia
sido feita por Santo Thomas de Aquino e, modernamente, por Kant. Sua
“juridificação”, a partir da incorporação em textos normativos, teve sua
inauguração com a Lei Fundamental de Bonn, em 1949, que assinalou a
ideia de dignidade da pessoa humana em seu artigo 1º., afirmando, como
obrigações do poder público, a necessidade de respeitá-la e protegê-la. Já a
Constituição brasileira de 1988 estabeleceu, como princípio fundamental,
a dignidade da pessoa humana em seu artigo 1º., inciso III. Nessa medida,
anote-se que as reflexões encaminhadas pelo texto são articuladas a partir
de dois objetivos coordenados e que oscilam entre um panorama mais
concreto até outro, mais abstrato.
Inicialmente, o objetivo deste artigo é recuperar alguns elementos des-
ta discussão para ajudar a restaurar o sentido fundante da cidadania (tal
como o pretende a Constituição) na experiência jurídico-política brasileira,
cujo eclipse é responsável – segundo acreditamos – pela vigência de uma
versão despolitizada de dignidade.
Em perspectiva ampla, o objetivo dos autores é recuperar a conexão
essencial e constitutiva entre dignidade e cidadania. Esta conexão pode ser
percebida a partir de certo imaginário2 político-sociológico que se desenha
a partir da obra de dois autores: o primeiro, T.H. Marshall que afirmava,
em seu clássico estudo sobre a sociedade britânica e o modo como pode-
2 O termo imaginário é utilizado aqui não em um sentido negativo, de alienação ou encobrimento do
significado, mas, sim, em um sentido positivo, de apresentação de indícios que permitem descrever formas
ou modelos a partir dos quais um grupo de pessoas imaginam sua existência em sociedade e projetam
expectativas sobre o tratamento de algumas imagens, temas e interesses sociais. Trata-se de um sentido
próximo àquele utilizado por Benedict Anderson (2008, passim). Na esteira de Anderson, também Charles
Taylor compõe neste sentido a sua descrição daquilo que ele chama de “imaginários sociais modernos”. O
esclarecimento realizado por Taylor em torno do sentido empregado por ele para a palavra “imaginário”,
bem como a sua diferenciação com relação à ideia de teoria, nos ajuda a elucidar o sentido que se pretende
alcançar nesta investigação. Nos termos propostos por Taylor: “quero me referir a ‘imaginário social’ aqui, e
não a teoria social, pois existem importantes diferenças entre os dois. Há, na verdade, inúmeras diferenças.
Refiro-me a ‘imaginário’ (i) porque falo sobre o modo como as pessoas comuns ‘imaginam’ seus contornos
sociais, e isto geralmente não é expresso em termos teóricos, mas levado em imagens, histórias, lendas etc.
(ii) a teoria é frequentemente a propriedade de uma pequena minoria, embora o interessante no imaginário
social é que ele é compartilhado por grandes grupos de pessoas, se não por toda a sociedade. Isto conduz a
uma terceira diferença: (iii) o imaginário social é aquele entendimento comum que torna possível as práticas
comuns e um senso amplamente compartilhado de legitimidade” (Taylor, 2010, p. 211).

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