A Dignidade da Pessoa Humana, a Boa-Fé Objetiva e a Funcão Social do Contrato

AutorRomano Deluque Júnior, Cristiane Maluf Rodrigues Correia
Páginas25-35

Page 25

DOI: https://doi.org/10.17921/2448-2129.2019v20n1p25-35

A Dignidade da Pessoa Humana, a Boa-Fé Objetiva e a Funcão Social do Contrato

The Dignity of the Human Person, the Objective Good Faith and the Social Contract Function

Romano Deluque Júniora; Cristiane Maluf Rodrigues Correiaa

Universidade Anahnaguera Uniderp. MS, Brasil.
*E-mail: romanodeluque@gmail.com

a

Resumo

À luz de uma reflexão jusfilosófica, a pessoa humana ascende enquanto sujeito de maior relevância para a ciência do Direito, nesse mesmo sentido, se faz relevante citar que o Direito possuiria, em todas as suas instâncias, a seguinte preocupação: de caminhar paralelamente a um verdadeiro senso de justiça, que se volte à solidariedade e ao bem comum. O presente artigo possui como objetivo fazer emergir uma reflexão ética acerca da função social dos contratos, por sua vez aqui percebida tal como um instituto norteador das relações jurídicas contratuais relacionando-a com a questão da dignidade da pessoa humana enquanto basilar princípio constitucional. A discussão proposta decorrer-se-á de modo a defender a premissa de que a manutenção e a defesa dessa dignidade ocorreriam dentro de uma perspectiva contratualista, a partir da observância e do respeito pelos limites impostos pela própria função social dos contratos, na figura da probidade contratual, da boa-fé objetiva, e da defesa dos interesses difusos e institucionais. Propõe-se, ainda, discutir a respeito de uma ética contratual contemporânea, que a partir dos conceitos aqui em análise, possuiria o intento de superar o ciclo histórico de individualismo exacerbado, e substituí-lo pelo ideal da coexistencialidade. Nessa nova perspectiva ter-se-á em pauta o instituto da boa-fé objetiva, através da qual a relação negocial passaria a ser vislumbrada a partir de uma ética do comum proveito, que caminharia, não obstante, à harmonia jurídico-contratual em prol da coletividade e dos interesses difusos.

Palavras-chave: Função Social do Contrato. Contratos. Direito Civil.

Abstract

On the light of a jus-philosophical reflection, the human being ascends as a subject of greater relevance to the science of Law, in the same sense, it is relevant to mention that Law would have, in all its instances, the following concern: to walk in parallel to a true sense of justice, to return, to solidarity and to the common good. The purpose of this article is to make an ethical reflection about the social function of contracts, in turn perceived here as an institute guiding contractual legal relationships regarding the issue of the dignity of the human person as a basis for constitutional principle. The proposed discussion will be carried out in such a way as to defend the premise that the maintenance and defense of this dignity would take place, from a contractual perspective, from the observance and respect for the limits imposed by the social function of the contracts themselves, figure of contractual probity, objective good faith, and defense of diffuse and institutional interests. It is also proposed to discuss a contemporary contractual ethic that, based on the concepts analyzed here, would attempt to overcome the historical cycle of exacerbated individualism and replace it with the ideal of coexistentiality. In this new perspective, the institute of objective good faith, through which the negotiating relationship would be perceived from an ethic of common advantage, would nevertheless follow the legal-contractual harmony in collective and diffuse interests.

Keywords: Social Function of Contract. Contracts. Civil Law.

1 Introdução

O Direito se apresenta na sociedade de hoje tal como uma ciência em plena evidência, é talvez o campo acadêmico mais observado e vigiado pelos olhares sociais e da mídia. Tornouse espaço de discussão e de apreciação para os mais variados temas, em que hard cases trazem a tona discussões sobre aborto, eutanásia, liberdade de expressão, crimes digitais, entre outros. A lista é longa. Dentro da perspectiva civilista a situação não é diferente, percebe-se a ocorrência de verdadeira mitigação da autonomia da vontade de contratar para dar espaço a institutos jurídicos, cujo intuito seja a valorização e o respeito pela pessoa humana e manutenção da ordem social e dos direitos difusos e institucionais.

No contexto das garantias constitucionais e, à luz da

reflexão jusfilosófica, a pessoa humana ascende enquanto sujeito de maior relevância por parte da ciência do Direito, sendo, portanto, cabível inferir que os princípios constitucionais encontram sua razão e origem no homem (ANDRADE, 2003). O homem é, não obstante, o fundamento de todos os princípios e garantias individuais, pois justificalhes a existência e lhes confere função pragmática e social, é assim, sua matéria-prima. De toda sorte não há como se falar de princípios constitucionais sem se referir também ao seu objeto primeiro, o ser humano. A Constituição Federal de 1988 se constitui, inclusive, tal como primeira linha de defesa do ser humano, resguardando também o direito sobre o uso de bens públicos, essenciais para a qualidade e dignidade da vida humana (BAILO; VIOLA; MARICHAL, 2018).

Nessa mesma concordância cumpre dizer que ao homem é

Page 26

A Dignidade da Pessoa Humana, a Boa-Fé Objetiva e a Funcão Social do Contrato

conferida relevância sine qua non diante do Direito, tal como o se conhece enquanto ciência. O mesmo se apresenta ainda, enquanto força originária de todas as fontes do Direito, sejam essas positivadas, sejam oriundas de enraizado sistema de crenças culturais, ou mesmo emergidas daquilo que se entende por bons costumes. Logo, o estudo da ciência do Direito seria, pois, um estudo do homem em si, compreendido a partir de sua integralidade subjetiva, e contextualizado junto ao seu meio social, pois somente a partir da realidade jurídica concreta e do caso em análise se vislumbraria a aplicação e a verdadeira utilidade das normas jurídicas. Desse modo, recai sob seus operadores a importante função de discutir e de resguardar os valores que são ao ser humano mais importantes, ou seja, trata-se do verdadeiro garantir dos seus direitos e da crítica reflexão a respeito de seus deveres.

Poder-se-ia dizer, com razoável segurança, que a ciência do Direito possui, em todas as suas instâncias, o seguinte pressuposto: de caminhar paralelamente a um verdadeiro senso de justiça, que flerte junto à solidariedade e ao bem comum. Seria sua função, então, fazer valer a justiça na forma de suas múltiplas tutelas existentes, nesse mesmo sentido é que se afirma que a construção de uma reflexão que possa aproximar as Ciências Jurídicas da pessoa humana se mostra justa e necessária. Uma reflexão ético-jurídica contemporânea deve levar em conta as alteridades que as decisões judiciais podem trazer para a realidade do homem junto de suas mais reais fragilidades, tais decisões devem ser construídas de modo a trazer equilíbrio nas relações jurídicas existentes e a resguardar a dignidade humana e o mínimo existencial nessas mesmas relações

Aquele que toma o Direito como objeto de estudo e reflexão fica evidenciado que a questão da dignidade humana vem ganhando relevância e reconhecimento, tanto nacional, como internacionalmente (BARROSO, 2012). Percebe-se a atuação, ao menos em forma de discurso, de um verdadeiro resguardar da dignidade da pessoa humana, que transcende o universo jurídico nacional. Tratar-se-ia, pois, de um movimento em prol de uma globalização jurídica conceitual, que fortalece o tema da dignidade humana, e o aproxima de algo, tal como uma máxima jurídica a ser seguida e interpretada. Assim, reitera a necessidade de um verdadeiro resguardar da dignidade do homem e do cidadão, e faz com que o tema transcenda os cenários jurídicos nacionais. Um efeito de caráter positivo no que tange ao aplicar de um Direito universal mais justo e humanizado.

Ao se observar a atenção proferida ao tema pela literatura e pela jurisprudência é indissociável ligação entre dignidade da pessoa humana e os direitos humanos e fundamentais reconhecidos, muito embora a menção da dignidade da pessoa humana, enquanto matriz constitucional ou pressuposto acerca dos direitos fundamentais erigidos na Constituição Federal seja bastante recente (MARINONI; SARLET; MITIDIERO, 2017).

Convém dizer que tão somente por integrar, em essência, o gênero humano, já se torna o homem detentor de dignidade. Trata-se de um valor universal inerente a todos, independentemente de caraterísticas físicas ou de perspectivas socioculturais que concernem ao indivíduo (ANDRADE, 2003). Para Sarlet (2012), mesmo aquele que perdeu a consciência da própria dignidade merece tê-la considerada e respeitada.

Ao observar as nuances do cotidiano, é possível perceber que o problema da dignidade humana não se reduz ao desconhecimento do próprio conceito etimológico, tampouco o tema é visto como figura de menor importância ou de segunda categoria. O problema da dignidade é pragmático, que surge diante e a partir da situação ou caso concreto que existiu no passado e reflete diante do presente ou que existe no presente e causa preocupações para o futuro.

No contexto das reflexões a respeito da dignidade humana, à luz do Direito privado contemporâneo, a função social dos contratos emerge, a partir da boa civilística, como objeto de profundo debate no que diz respeito à manutenção dessa mesma dignidade, agora dentro da agenda contratualista. É diante dessa realidade, de dualidades, de ambivalências e de dúvidas que compõem o cenário da teoria e da prática do direito no palco contemporâneo das famílias jurídicas, que o debate acerca da dignidade da pessoa humana como pressuposto à função social dos contratos se faz necessário e relevante (FACHIN, 2015).

A função social do contrato, enquanto relevante instituto contratualista, possui a função de moderar e limitar as relações jurídicas de caráter negocial, de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT