Diálogo entre norma e a coisa julgada

AutorFillipe Leal Leite Néas
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas1177-1211
1177
DIÁLOGO ENTRE NORMA E A COISA
JULGADA1
Fillipe Leal Leite Néas2
Introdução
O presente trabalho tem por propósito o exame das nor-
mas jurídicas introduzidas por decisões judiciais, produzidas,
por seu turno, em ações subjetivas, estabilizadas pela coisa
julgada, em face da inovação normativa, seja oriunda de ati-
vidade do Legislativo seja do Judiciário em ações que defla-
gram normas gerais.
Pretende-se investigar, pois, como as normas jurídicas se
relacionam no Sistema de Direito Positivo brasileiro, sobretu-
do as gerais e abstratas em cotejo com as individuais e concre-
tas, de maneira a resguardar sua harmonia e segurança.
1. Este artigo foi elaborado como resultado do projeto de pesquisa, realizado duran-
te o ano de 2017, junto aos professores de seminário das unidades do IBET de todo
Brasil, coordenado pela professora Aurora Tomazini de Carvalho e selecionado
como um dos melhores dentre os entregues.
2. Advogado. Professor Seminarista no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários
– IBET, unidade de Brasília-DF. Mestre em Direito pela Universidade Católica de
Brasília - UCB. Pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Es-
tudos Tributários - IBET. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário UDF.
1178
IBET - INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS
É de repercussão desmedida o julgamento proferido
pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº
1.118.893, referente aos efeitos da coisa julgada que desobri-
ga pessoas jurídicas do recolhimento da Contribuição Social
Sobre o Lucro Líquido. Inúmeros são, ademais, os estudos já
formulados sobre a temática.
Todavia, não só o reconhecimento da repercussão geral da
temática no RE n.º 949297 (mérito pendente de julgamento),
pelo Supremo Tribunal Federal, bem como pelas perspectivas
oferecidas pelos órgãos julgadores brasileiros diuturnamente,
seja do Judiciário, seja, notadamente, da Administração Pú-
blica (e.g. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, Acór-
dãos nº 9101-002.531 e nº 9101-002.530, ambos publicados em
16/02/2017), resta clarividente que a temática está longe de ser
pacificada pela Ciência do Direito.
Intenta-se, com efeito, convidar o leitor a enveredar-se
por reflexões que transitam por questões basilares ao estudo
do Direito Positivo, com especial fim de homenagear a estabi-
lidade, harmonia e higidez que o Sistema de Direito Positivo
deve ter.
Para tanto, no segundo item, dedicar-se-á a construir
premissas pertinentes ao Direito Positivo enquanto Sistema e
suas variadas formas de expressão.
No terceiro item, debruçar-se-á sobre a coisa julgada, en-
quanto instituto, bem como se fará apontamentos sobre as re-
lações jurídicas e sua definição, ainda a fim de construir pre-
missas sólidas para a hipótese sugerida ao problema.
No item quarto será apresentado, em formato de rela-
to histórico, um caso prático de conhecimento disseminado
quando do julgamento do REsp nº 1.118.893.
No item seguinte, quinto, será apresentada a hipótese de-
fendida para o problema proposto.
Por fim, no sexto item, oferecer-se-á as conclusões.
1179
RACIONALIZAÇÃO DO SISTEMA TRIBUTÁRIO
1. SISTEMA DE DIREITO POSITIVO E A LINGUA-
GEM COMPETENTE
É precípuo à investigação proposta traçar observações
elementares à compreensão do Direito Positivo entendido
em si mesmo, no seu papel enquanto subsistema do grande
sistema social e em sua forma de expressão. Afinal, estar-se-á
a examinar, precisamente, a essencialidade de observância
dos códigos protocolares à sua manifestação perante a socie-
dade, a atribuir-lhe previsibilidade e por corolário segurança.
Reportando-se às preleções de Immanuel Kant, tem-se o
Direito como pertencente ao mundo das relações exteriores e
constitui-se na relação de dois ou mais arbítrios, a revelar-se
como forma universal de coexistência dos arbítrios, isto é, o
conjunto das condições segundo as quais é possível a convi-
vência dos homens entre si, estando as liberdades externas de
cada um limitadas e garantidas segundo uma lei universal.3
O Direito, conforme prelecionado por Niklas Luhmann,
é um dos subsistemas do complexo sistema social e tem por
fim regular as relações sociais. Assim, onde houver relação
humana, haverá Direito.4
Com efeito, Luhmann afirma, num primeiro momento,
que os sistemas não possuem, originariamente, suas próprias
estruturas, o que lhes impõem a obrigatoriedade de construí-
-las. Sustenta, pois, que o sistema só pode operar com estrutu-
ras autoconstruídas: não pode haver importação de estruturas.
Essa construção se dá no interior do próprio sistema e, em vir-
tude disso, surge o que se denomina de “auto-organização”.5
Adiante, ressalva não ser dado ao sistema criar as ope-
rações que bem entender, mas apenas aquelas que lhes são
3. BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. Trad. Al-
fredo Fait. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997. p. 71.
4. LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Trad. Ana Cristina Arantes
Nasser. Petrópolis: Vozes, 2009. (Coleção Sociologia).
5. Idem.p. 116.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT