A internacionalização do diálogo dos juízes: missiva ao Sr. Bruno Genevois, Presidente do Conselho de Estado da França

AutorLaurence Burgorgue-Larsen
CargoProfessora na Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne
Páginas261-304
A internacionalizaçâo do diálogo dos juízes:
missiva ao Sr. Bruno Genevois, presidente
do conselho de estado da França1
Laurence Burgorgue-Larsen2
Resumo
O presente artigo, convidado e traduzido pelo Editorial da revista Prismas,
trata de um texto que discute o processo de internacionalização do direito. A auto-
ra segue um estilo lingüístico de carta, dirigido ao Presidente do Tribunal francês,
considerado um dos responsáveis pelo avanço do processo de internacionalização.
O artigo faz uma comparação entre os avanços no processo de internacionalização
do direito da Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Européia de
Direitos Humanos, em um contexto classicado como diálogo de juízes. Vários
precedentes judiciais e lógicas são citadas e analisadas.
Palavras-chave: Internacionalização do Direito. Direitos Humanos. Diálogo dos
Juízes.
Prezado Presidente3,
Quantas vezes eu falhei no meu dever de p egar uma caneta com as mãos
que deveriam estar sempre inspiradas e alertas para responder às suas cartas, a
cada vez que elas chegavam a mim, marcando o início de uma efervescente curiosi-
dade intelectual. De fato, a cada vez que eu lhe enviava uma separata de um artigo,
o senhor me respondia com seus comentários à mão, da mesma forma que a outros
colegas, para mostrar suas obser vações sobre o artigo que eu lhe havia enviado,
conforme aos usos e costumes do nosso “pequeno mundo” acadêmico.
1 Este artigo está cadastrado no Digital Object Identier System sob o número doi: 10.5102/
prismas.2010.07.1.09 Disponível em: r>.
2 Professora na Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne
3 Eu me permito lhe tratar desta forma, uma vez que o senhor foi presidente da Seção de
Contenciosos do Conselho de Estado.
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Laurence Burgorgue-Larsen
Deveria ter lhe agradecido por ter utilizado seu tempo para iniciar tantas
conversas acadêmicas por meio de cartas; para iniciar, como eu diria, um “diálogo
no qual, normalmente, o senhor refutava – com argumentos arrasadores esta ou
aquela observação que o s enhor julgava intempestiva - ou ainda para concordar
com as análises que lhe convenciam. Além disso, por ter sido aquele que vulgarizou
na França a expressão “diálogo de juizes” – o senhor que o rearmou no âmbito
do Conselho de Estado de um diálogo constante, sem ser onipresente, aberto, sem
ser complacente, crítico, sem desprezo, elogioso (por vez), sem ser pedante, com
múltiplos representantes de diferentes gerações que compõem um universo acadê-
mico. Uma abertura de espírito remarcada e remarcável tanto quanto os códigos de
nossas respectivas instituições podem ser marcados, pelo passado, por muitas ma-
nifestações de uma pouca empatia institucional. Eu aproveito esta bela ocasião que
me é ofertada para lhe render uma homenagem à sua abertura de espírito. Ela s e
manifestou tanto em relação à abertura das ideias vindas de fora – aquelas que não
germinaram no Palais Royal – como os “direitos vindos do estrangeiro, como o
Decano Carbonnier dizia e considerava destrutivos – ainda que hoje em dia alguns
professores insistam em pensar e ensinar o direito de uma forma “aprisionada...
Ora, hoje em dia, apegar-se a um olhar nacional do direito - que pode esconder
um olhar nacionalista do direito – é algo sem sentido. O tempo do “mundo nito”
é uma realidade que Paul Valéry já revelava em 1919.
Hoje em dia, podemos falar em um “mundo globalizado”. A globalização
induz a uma internacionalização dos sistemas e dos comportamentos judiciários
nacionais e numa “nacionalização” do direito e dos procedimentos internacionais
que fazem parte hoje de outro tempo: o tempo decorrido.4
A expressão “internacionalização” é polissêmica e é importante apresentar
o sentido que gostaria de atribuir a ela. . De fato, a expressão não terá necessaria-
mente o mesmo signicado para um constitucionalista – que não pode hoje em
dia ignorar o fenômeno na internacionalização das constituições nacionais que se
4 Aqui se pensa imediatamente em Prosper Weil que analisa, em homenagem a Louis
Trotabas - já há quase 38 anos (!) - t rês áreas (Direito das Comunidades Europeias, do
serviço civil internacional e do C ontencioso nacional nos tribunais administrativos) que
permitiram ao direito administrativo francês ser “exportado” no mundo internacional, cf.
DROIT international public et droit administratif. Paris: LGDJ, 1970. Mélanges oerts à
Louis Trotabas p. 511-528.
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A internacionalizaçâo do diálogo dos juízes: missiva ao Sr. Bruno Genevois ...
acumula, na Europa, a um processo de “europeização” – e para um internaciona-
lista, que analisa o regime dos espaços particulares – como as cidades ou territó-
rios – colocados sob a administração itnernacional5, como também das iniciativas
espistemolóticas que não impedem os frutíferos encontros analíticos6.
No âmbito de meu propósito, a internacionalização do diálogo dos juízes
é compreendida como s endo a manifestação do desemparedamento territorial do
diálogo7. O juiz - se for e será sempre ligado a um território (para o juiz domésti-
co), assim como a processos e, in ne, a um sistema de normas especícas (para
os juízes domésticos e internacionais) – é levado a se abrir a outros juízes ligados
a outros universos sistêmicos. Essa noção de “abertura”, confesso sem receio, não
tem nada de jurídico. No entanto, ela permite abranger o amplo leque das manifes-
tações tanto da internacionalização como tal, quanto do diálogo judicial que acon-
tece num espaço em que as fronteiras territoriais, como as culturais, as linguísticas,
as societais, recuam sempre cada vez mais. Não tenho nenhuma dúvida sobre o
fato que minhas apreciações a respeito desse fenômeno suscitarão da sua parte, ao
mesmo tempo, oposições e até (talvez) reprovações, e também espero, conrma-
ções e pontos de acordo. Em outras palavras, todos os ingredientes estarão presen-
tes para que o diálogo, assim estabelecido graças a sua constância epistolaria, pros-
siga. Sempre devemos lembrar que um “diálogo” – cujo nome está enraizado no
latim dialogus, que remete a uma “conversa losóca de acordo com a maneira dos
5 Percorrendo o Dictionnaire de droit international public, encontrará cinco outros sen-
tidos do conceito de “internacionalização” entendido no sentido do direito internacio-
nal, Cf. SALMON, Jean (Org.). Dictionnaire de droit international public. Paris: Bruylant,
2001. p. 600-601.
6 Penso, aqui, nas reexões de Nicolas Maziau que, como constitucionalista , graças a suas
funções em Bósnia-Herzegovina, observou de perto certos fenômenos característicos de
“internacionalização”, cf. MAZIAU, Nicolas. A internacionalização do poder constituinte:
ensaio de tipologia, o ponto de vista heterodoxo do constitucionalista. RGDIP, Paris, p.
549-579, 2002-3. MARC, Besson (Col.). A Bósnia-Herzegovina futura doze anos após
Dayton: mudanças esperadas e perspectivas. ______. Renouveau du droit constitutionnel:
mélanges en l’honneur de Louis Favoreu. Paris: Dalloz, 2007. p. 837-856.
7 Da mesma maneira que o direito sai de suas fronteiras nacionais – o que é para Mireille
Delmas-Marty a marca da “internacionalização do direito”, o diálogo faz o mesmo. Eu lhe
indico, a este respeito, sua lição inaugural no Collège de France, DELMAS-MARTY, Mi-
reille. Etudes juridiques comparatives et internationalisation du droit. Paris: Fayard, 2003.
57 p. p. 13.

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