O Diálogo entre o Direito e o Serviço Social na Aprendizagem Profissional: As Carpas Sobem o Rio

AutorMariane Josviak/Regina Bergamaschi Bley/Silvia Cristina Trauczynski
Páginas53-63

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1. Introdução

A legislação referente à Aprendizagem Profissional dificulta a reinserção do aprendiz no Programa no caso de interrupção do contrato. Quando o adolescente inicia sua jornada profissional, 14 a 18 anos, está vivenciando a etapa de desenvolvimento biopsicossocial, seu corpo muda fisicamente, sua maturidade psicológica está em transição e tem que optar por qual grupo social quer pertencer.

Diante de tantas mudanças e tantas possibilidades, naturalmente escolhas equivocadas podem ser realizadas, levando a situações como uso de drogas, criminalidade, trabalho irregular, submissão à exploração sexual, dentre outras vulnerabilidades.

Há argumentos que sustentam que essas escolhas não se mostram mais tão difíceis graças à facilidade de acesso a informação. Essa interpretação confunde a disponibilidade da informação com o direito de escolha, ou seja, de ter a possibilidade de acessar o direito que a informação demonstra, podendo-se falar assim em uma "propaganda enganosa", que tem como público alvo os jovens.

Como exemplo, tem-se aquela velha argumentação de que o adolescente com 16 anos pode responder penalmente como adulto, pois sabe que roubar não consiste em uma atitude correta, mas não se busca conhecer se outra oportunidade fora dada a ele, como educação e profissionalização. A sua vontade imediatista, inerente à idade, fala mais alto, a ponto de submeter-se à criminalidade para conseguir seu sustento ou de sua família, ou o status apresentado nas propagandas de roupas, celulares, carros, entre outros produtos.

Assim, adolescentes aprendizes acabam sendo apreendidos, "caindo", e começam a cumprir medidas socioeducativas, em alguns casos impossibilitando a continuidade no Programa por causa do regime fechado. Outros são afastados dos ambientes sociais, que estão acostumados pois foram vítimas, presenciaram ou testemunharam algum tipo de situação

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que pode pôr em risco suas vidas, como no caso do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte — PPCAM.

Tais questões sociais prejudiciais ao contrato de trabalho ultrapassam as vendas das leis demonstrando a necessidade do diálogo entre os atores do direito e do serviço social. Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego, Equipe Técnica da Entidade Sem Fins Lucrativos — ESFL, Justiça do Trabalho, família, empresa parceira e aprendiz devem somar esforços para encontrar respostas à reinserção e oportunizar novas chances de construção de uma história.

2. Contexto histórico da aprendizagem profissional

A aprendizagem profissional tem suas raízes históricas nas Casas de Educando e Artífices, aproximadamente em 1840. Após, fora a vez dos Liceus de Artes e Ofícios de caráter eminentemente assistencialista para crianças e adolescentes.

Com Getúlio Vargas nasce na década de 40 a Consolidação das Leis do Trabalho e o Sistema Nacional de Aprendizagem, "Sistema S", quando a Aprendizagem começa a mostrar sua feição como nos dias atuais. Nessa época ainda permitia-se o trabalho a partir dos 12 anos, situação que fora alterada em 1967 para 14 anos.

Da atuação do atualmente Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, nasce a Lei n. 10.097/2000 que adotou a idade mínima de 16 anos para o trabalho, salvo na condição de aprendiz a partir dos 14 anos. Vale destacar que o Brasil ratificou em 2002 a Convenção n. 138 da Organização Internacional do Trabalho sobre a idade mínima para admissão ao emprego.

Entre os direitos constitucionais quais devem ser assegurados com absoluta prioridade está a profissionalização, que além de preparar adequadamente às atividades laborais durante a vida adulta, também visa a proteção no ambiente de trabalho para evitar prejuízos em seu desenvolvimento tanto físico quanto psicológico em razão do momento de formação sensível que vive. Segundo o art. 227 da Constituição da República de 1988,

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.1 (grifei)

Observa-se que a atuação conjunta família, sociedade e Estado está prevista desde a Constituição, assim, não se trata de inovação, mas de efetividade da norma constitucional. A saída do papel à concretização de direitos.

2.1. A aprendizagem profissional na atualidade

Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, por meio do Manual da Aprendizagem Profissional,

Contrato de aprendizagem é o acordo de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado não superior a dois anos, em que o empregador se compromete a assegurar ao

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aprendiz, inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico. Em contraponto, o aprendiz se compromete a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação.2 (grifei)

Pode-se observar que para a efetividade do Programa deve-se observar as peculiaridades do público alvo, em se tratando de adolescente, todo o contexto de desenvolvimento que vive, como ora abordado e destacado no texto.

Para tanto, deve-se utilizar de múltiplas políticas sociais, pois envolve direitos conexos a integração ao mundo do trabalho relativos a assistência social, as normas de ensino ligadas a educação e, por fim, as leis trabalhistas correlatas ao trabalho. Transversalidade, integralidade e intersetorialidade devem estar intrínsecas no Programa.

No ECA a Aprendizagem encontra respaldo dentro do atendimento em regime de apoio socioeducativo em meio aberto, e de acordo com a Lei Orgânica da Assistência Social está inserida na Proteção Social Básica, prevenindo vulnerabilidades e o risco social mediante o incremento de potencialidades e aquisições, e fortalecendo os vínculos familiares e comunitários.

Nos últimos anos, vários foram os dispositivos legais criados visando à proteção do adolescente nas atividades laborais, tais como o Decreto n. 5.598/2005, a Resolução n. 164/2014 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, e do Ministério do Trabalho e Emprego, a Portaria n. 88/2009 da Secretaria de Inspeção do Trabalho, a Instrução Normativa n. 97/2012, as Portarias ns. 723/2012 e 1005/2013, e o Catálogo Nacional da Aprendizagem Profissional.

Todavia, alguns acabaram por engessar o próprio Programa, limitando até mesmo cargas horárias e dificultando adaptações às realidades locais, como preconizado pelo art. 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e deixando inúmeras situações sem respostas, como a aprendizagem para gestantes aprendizes, pessoas com deficiência, entre outros casos.

2.2. Formas de contratação

Não há pretensão neste artigo de esgotar todas as peculiaridades do Programa de Aprendizagem, mas para este momento faz-se necessário explicar as possíveis formas de contratação.

Existem duas formas de contratação do Aprendiz, sendo a direta, quando a contratação ocorre pela pessoa jurídica que ofertará a atividade prática, e a indireta, quando a contratação ocorre pela Entidade Sem Fins Lucrativos, que além de desenvolver a atividade teórica, acaba por assumir todo o passivo trabalhista.

Na contratação direta, caso o contrato venha a ser extinto antes do seu termo, o aprendiz não poderá ser recontratado pela mesma empresa, nem poderá concluir o mesmo curso, pois entende-se que há a perda da qualidade de aprendizagem. Em outras palavras, o contrato por prazo determinado, característica da Aprendizagem, passa para um contrato por prazo

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indeterminado, sendo um dos reflexos o aumento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço — FGTS de 2% para 8%. Relata o Manual da Aprendizagem:

O empregador pode formalizar novo contrato de aprendizagem com o mesmo aprendiz após o término do anterior, mesmo quando o prazo do primeiro contrato for inferior a dois anos?

Não, pois a finalidade primordial do contrato de aprendizagem estaria sendo frustrada, ao se admitir a permanência do aprendiz na empresa após o término do contrato anterior, por meio de um novo contrato de mesma natureza, ainda que com conteúdo distinto, em vez de capacitá-lo a ingressar no mercado de...

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