A dialética capital e trabalho no trabalho informal de rua no Brasil

AutorBruno José Rodrigues Durães
CargoDoutor em Ciências Sociais, pela Unicamp. Professor de Sociologia da UFRB e de pós-graduação em Ciências Sociais da UFBA Pesquisador do CR bjduraes@gmail.com
Páginas175-195
A dialética capita l e trabalho no tr abalho informal de rua no Brasil
871
Caderno s do CEAS, Salvador, n. 239, p. 871-891, 2016.
A DIALÉTICA CAPITAL E TRABALHO NO TRABALHO
INFORMAL DE RUA NO BRASIL
Resumo
Trata-se de uma análise teórica do conceito
capital-trabalho de Marx, não tendo sido
utilizada, de modo sistemático, nenhuma de
suas obras. O objetivo foi ampliar a
compreensão do conceito, de modo a não
restringi-lo ao espaço do trabalho assalariado,
passando a utilizá-lo também na análise do
trabalho informal. Parte-se da compreensão de
que o capital é antes de tudo relação social e a
dialética capital-trabalho abarcaria relações
contraditórias. Ou seja, parte-se da ideia de que
o conceito não é estático. Seu prisma não se
limita a segmentos da classe trabalhadora,
ficando evidente que o capital atua em diversas
frentes e a dialética é fundamental para dar
conta do movimento da totalidade. Relacionou-
se o trabalho formal com o informal,
concluindo-se que o trabalho informal, como o
do camelô de tecnologia, pode ser
compreendido como uma relação similar a do
capital-trabalho, que não é produtivo no
sentido clássico da teoria do valor, mas o é
indiretamente por atuar na esfera da circulação
e por ser um lócus de trabalho, participando
também da lógica geral de exploração do
sistema capitalista.
Palavras-chave: Capital-trabalho. Trabalho
informal. Capitalismo.
Bruno José Rodrigues Durães
Doutor em Ciências Sociais, pela Unicamp.
Professor de Sociologia da UFRB e de pó s-
graduação em Ciências Sociais da UFBA
Pesquisador do CR bjduraes@gmail.com
INTRODUÇÃO
A dialética capital e trabalho se transformou (mudou de feição em certos contextos)
ao longo da história na ordem capitalista, mas sempre esteve presente como contradição
constante, insuperável e base da sociedade do capital, pondo em cena o processo de
exploração, dominação e controle do trabalho, deixando em lados opostos os proprietários
(donos dos meios e formas de produção) daqueles (os trabalhadores ou os que nada têm de
posses produtivas ou bens produtivos ou dinheiro acumulado que possa virar capital) que só
possuem a si mesmo como força de trabalho a ser trocada por um salário. (MARX, 2002). Ou
seja, a síntese histórica mostra que as sociedades vieram se remodelando (complexificando):
passou-se por revolução industrial, expansão das cidades, urbanização, formação de estados
nacionais centralizados, secularização, constituição de sistemas democráticos, revoltas
populares, revoluções políticas, operárias e burguesas, construção de estado de bem-estar
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Caderno s do CEAS, Salvador, n. 239, p. 871-891, 2016.
social em alguns países da Europa, entre outros acontecimentos, e o sistema capitalista, dentro
do movimento da humanidade, veio também se reconfigurando, mas, em geral, as mudanças
representaram conflitos de duas grandes classes ou grupos sociais. Como disseram Marx e
Engels (2006), em linhas gerais, a história de toda a humanidade até o presente é a história da
luta de classes, a luta entre opressores e oprimidos em suas diversas manifestações e facetas
históricas hoje é a luta entre patrão e empregado, entre capital e trabalho, mas já foi entre
patrício e plebeu, escravo e senhor. Marx e Engels no texto do Manifesto, em 1848, já traziam
um entendimento de que o movimento (a contradição ou o jogo de posições e interesses) era a
base do sistema social e que os conflitos de grupos gestavam transformações ou revoluções, a
depender do acúmulo social, histórico e/ou político e da consciência de classe dos grupos. A
mudança social, nessa perspectiva, é resultado de ações dos indivíduos em choques e
disputas; assim, o novo sempre surgia em germe dentro da sociedade anterior. Um
determinado momento sempre trazia elementos para explicar o momento seguinte. Isso em si
representa uma visão histórica, baseada em contradições, mas não de forma linear ou
unilateral, e sim com nexos causais explicativos.
Portanto, a luta entre classes era a parteira das mudanças sociais e a base da própria
sociedade, representando um arranjo de forças em movimento e em choques sucessivos. Mas,
conforme Marx e Engels (2006) havia uma contradição que permanecia no mar de
transformações, no caso, a dicotomia de classes. O conceito de classe aqui é pensado em um
sentido amplo, o qual não fica preso à determinação econômica da posição do indivíduo, mas
tem relação com aspectos da consciência, em si e para si, dos sujeitos e das vivências e
experiências históricas, políticas e culturais historicamente constituídas; além disso, no geral,
parte-se do entendimento de que classe não é um todo homogêneo e monolítico, ao contrário,
existem clivagens internas nas classes (THOMPSON, 1987). Marx (2011) descreve
detalhadamente as frações internas da classe burguesa e da trabalhadora em finais do século
XIX, no texto o 18º Brumário, onde aparece, inclusive, a ideia de que, mesmo com
diferenciações internas nas classes, elas se unem em momento de luta ou de interesses em
comum, evidenciando uma ideia de que ainda que existam outras classes, elas se aglutinam
em dois grandes blocos em momentos de conflito ou de choque. No caso, de um lado o capital
e suas frações (capital rentista, industrial, rural, comercial etc.) e do outro, os não

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