Mídia digital e jornalismo
Autor | Pedro Mizukami - Jhessica Reia - Joana Varon |
Páginas | 77-93 |
4.1 Impacto em jornalistas e redações
4.1.1 Jornalistas
É indiscutível que a digitalização tem causado profundos impactos sobre a for-
ma como os jornalistas realizam seu trabalho, e as alterações são tão drásticas
no Brasil como em qualquer outro lugar onde as tecnologias da informação e da
comunicação atingiram um grau considerável de penetração e de infl uência na
vida cotidiana. A velocidade com que os conteúdos das notícias são atualmente
fornecidos ao público exige que muitos profi ssionais adotem uma abordagem
de “jornalismo em tempo real” em grande parte de sua produção. Além disso,
a diversidade de mídias e formatos, assim como a portabilidade da tecnologia
usada para capturar e transmitir informações, tem aumentado a concorrência
entre jornalistas, sejam eles amadores ou profi ssionais. Esse cenário que prioriza
a velocidade tem impactado o jornalismo como negócio e profi ssão.
Os veículos tradicionais de notícias iniciaram uma campanha agressiva
para ocupar o ambiente digital e estão ampliando cada vez mais o número de
plataformas por meio das quais seu conteúdo é distribuído. A procura por novos
modelos de negócio levou à produção de conteúdos que agregam diferentes
interfaces, de modo que o texto muitas vezes vem acompanhado de compo-
nentes audiovisuais e interativos. A alta penetração das redes sociais no Brasil
(consulte as seções 3.1.1 e 3.1.2) estabeleceu o gerenciamento dessas platafor-
mas como uma atribuição necessária aos veículos de notícias, que passam a ter
pessoas responsáveis pela tarefa específi ca de mediar conteúdos e disseminá-
-los através das redes. Isso envolve não apenas divulgar reportagens, mas tam-
bém interagir ativamente com o público. A “Folha de S. Paulo”, por exemplo,
criou contas no Twitter para seu ombudsman e para os suplementos/seções
individuais de seus conteúdos impressos e on-line; além disso, possui forte pre-
sença no Facebook, principalmente através do próprio perfi l e de um aplicativo.
Os jornalistas entrevistados para este relatório forneceram uma visão con-
sideravelmente pessimista em relação a alguns aspectos do cenário atual de
4. MÍDIA DIGITAL E JORNALISMO
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MAPEAMENTO DA MÍDIA DIGITAL NO BRASIL
sua atuação, em especial no que diz respeito às condições de trabalho e à
qualidade do que é produzido nas redações114. Principalmente em decorrência
da crise que atingiu a moeda brasileira entre 1999 e 2001, as redações se tor-
naram mais enxutas, e o número médio de jornalistas por redação diminuiu.
A digitalização e a convergência das plataformas digitais com os veículos im-
pressos têm piorado as condições de trabalho, uma vez que os jornalistas são
obrigados a assumir papéis e funções adicionais, como adaptar conteúdos do
impresso para o fornecimento digital, muitas vezes sem serem pagos pelo tra-
balho extra. Além disso, a conectividade generalizada mantém os jornalistas
em contato praticamente ininterrupto com seus supervisores, muitas vezes fa-
zendo horas extras a partir de casa.
A qualidade das notícias também tem sido comprometida por um fl uxo
editorial que privilegia a velocidade em detrimento da precisão. A corrida para
fornecer notícias em primeira mão pode levar a práticas defi cientes de apura-
ção e revisão, assim como favorece a ausência de uma verifi cação consistente
dos fatos; dessa forma, a tendência é reproduzir conteúdos à medida que são
recebidos — por exemplo, na forma de comunicados de imprensa —, em vez
de identifi car e verifi car as fontes de maneira adequada. Por outro lado, o sur-
gimento de determinadas ferramentas, plataformas e bancos de dados on-line
oferece meios mais rápidos e efi cientes de apuração e permitem um exame
mais minucioso de conteúdo pelos leitores.
Alguns jornalistas enaltecem essa mudança e veem grandes vantagens na
digitalização, mesmo que ela possa, de certa forma, oferecer incentivos a prá-
ticas que reduzam a qualidade das notícias. Alguns aspectos positivos foram
levantados, como o fato de as plataformas digitais darem voz a minorias que
enfrentavam diversas difi culdades para serem ouvidas anteriormente ou ainda
as vantagens democráticas de maiores possibilidades de participação tanto no
processo de produção quanto no de crítica das notícias.
4.1.2 Ética
Comportamentos antiéticos por parte de jornalistas sempre aconteceram no
Brasil e continuam a acontecer, como em qualquer outro lugar115. As tecnolo-
gias digitais, no entanto, facilitam a ocorrência de tipos específi cos de com-
114 Esta seção do relatório foi elaborada a partir de entrevistas realizadas de forma presencial
ou on-line com jornalistas que trabalham (ou trabalharam) na “Folha de S. Paulo”, em “O
Globo”, no Grupo Abril, na “Revista Piauí”, na “Revista Trip”, no iG e na Reuters.
115 Os jornalistas brasileiros autorregulamentaram suas atividades por meio de um código de
ética mantido pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), publicado em 1987 e atu-
alizado em 2007. Segundo o código, os jornalistas não devem publicar informações com
o intuito de ganho pessoal ou de vantagem econômica e não devem promover conteúdo
que viole os direitos humanos. Consulte http://www.fenaj.org.br/federacao/cometica/co-
digo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros.pdf (Acesso em: 21 de agosto de 2012).
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