Devolução na Adoção: a Inexistência de Limite para o Abandono

AutorCarolina Grillo Domingues de Castro
Páginas294-300

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1. Introdução

Adoção é o procedimento legal, irrevogável, pelo qual os adotantes contraem para si todos os direitos e deveres concernentes à criança. Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 passou a preponderar o Princípio da Proteção Integral, com isso o principal objetivo da adoção deixou de ser atender aos interesses e anseios das famílias pretendentes à adoção e passou a garantir ao infante seu direito ao convívio familiar, atendendo ao art. 227 da Constituição Federal e, ainda, ao art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Tal procedimento só é empregado depois de esgotados os recursos para que o convívio com a família original seja mantida, ao passo que a família substituta, como já exposto, será sujeito de todos os direitos e deveres em relação à criança. Ressaltando que a adoção visa garantir as necessidades, os interesses e os direitos da criança.

Como define a professora Maria Helena Diniz: “A adoção é o ato jurídico solene e irrevogável pelo qual, observados os requisitos legais previstos na Lei n. 8.069/90, arts. 39 a 52-D, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha”1.

A autora ainda explica:

Apenas se poderá permitir a adoção que não só esteja fundada em motivos legítimos, mas também constitua um real benefício, seja ele material ou moral (pessoal, afetivo,
p. ex.), para o adotando (ECA, art. 43), visto que não há adoção intuitu personae, pois o magistrado é quem terá o poder-dever de optar pela família substituta adequada e não os pais da criança a ser adotada e muito menos os adotantes. O Poder Judiciário é quem analisará a conveniência ou não, para o adotando, e os motivos em que se funda a pretensão dos adotantes, ouvindo, sempre que possível, o adotando (ECA, art. 45, § 2º), levando em conta o parecer do Ministério Público. O juiz deverá agir com prudência, verificando se os adotantes tem condições morais e econômicas de proporcionar um pleno e saudável desenvolvimento físico e mental ao adotando. Daí a importância do estágio de convivência (ECA art. 46), para melhor avaliação do grau de afetividade

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e adaptabilidade do adotando, em relação ao futuro adotante e aos benefícios que da adoção poderiam advir para a sua formação fisicopsíquica. Tutela-se o superior interesse do adotado, proporcionando-lhe uma melhor qualidade de vida, fundada no afeto e na convivência familiar.2 (TRRJ, 18ª Câm. Civ., Ap. Cív. 23902-2005, rel. Jorge Luiz Habib, j. 21.12.2005; TJMS, 4ª
T., Ap. Cível 2004.001074-5/0000-00, rel. Chaves Martins, j. 15.6.2004)

As crianças que se encontram hoje em abrigos estão institucionalizadas, geralmente, por duas razões: a entrega da criança aos abrigos pelos próprios genitores ou a destituição do poder familiar, caracterizando ao final o abandono. Em ambos os casos o infante não tem qualquer contato com familiares. Em junho de 2012, conforme o Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA), havia 40.340 crianças e adolescentes acolhidos em instituições de acolhimento, sendo que, destas, 5.281 estavam aptas à adoção no Cadastro Nacional de Adoção3.

Em 2008, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n. 54, que implantou o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), quem tem, segundo o próprio CNJ, por objetivo facilitar e dar mais agilidade aos processos de adoção por meio do mapeamento de informações unificadas, visto que uniformiza todos os bancos de dados existentes; racionaliza os procedimentos de habilitação; amplia as possibilidades de consulta aos pretendentes brasileiros cadastrados; possibilita o controle adequado pelas respectivas Corregedorias Gerais de Justiça; e orienta o planejamento e a formulação de políticas públicas voltadas para a população de crianças e adolescentes que aguardam pela possibilidade de convivência familiar.

No âmbito nacional, o administrador do sistema é a Corregedoria Nacional de Justiça, enquanto na esfera estadual cada Corregedoria Geral tem aces-so às informações do Cadastro Nacional de Adoção referentes ao seu Estado, sendo de sua competência o cadastramento das comarcas e varas da Infância e da Juventude de seu Tribunal.

Os interessados na adoção devem realizar uma avaliação psicossocial e também devem informar alguns dados: pessoais; profissão; escolaridade; faixa salarial; se tem filhos e a quantidade e, em caso afirmativo, se são biológicos ou adotivos; cor; se participa de grupo de apoio à adoção. Além disso, os adotantes informam o perfil da criança desejada, como idade, cor, portadores de doenças, entre outros. Com isso, será feito o cruzamento entre o perfil dos pretendentes à adoção e o perfil das crianças aptas a serem adotadas.

A partir desse cruzamento, respeitada a ordem com que os pretendentes fizeram seus cadastros, se terá a definição do adotando; com isso, após instaurado o processo de adoção, será concedido o estágio de convivência conforme prevê o art. 56 da Lei n. 8.069/90: “A adoção será procedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso”. E é neste momento que, por vezes, se dá a devolução da criança, posto que a adoção ainda não resta formalizada. Devolução essa que pode ser vista como um segundo abandono pela criança, que além de sentir-se rejeitada pela família natural por diversos motivos passa também a sentirse da mesma forma em relação à família substituta, o que lhe proporciona uma enorme frustração, acarretando-lhe danos psicológicos, embora nesse período não gere qualquer responsabilização jurídica.

Esse artigo tem por objetivo apurar quais as razões que realmente conduzem os pretendentes à adoção e por que eles optam pela devolução; como também explicar por que a Legislação vigente aceita essa devolução.

2. Razões pelas quais as pessoas buscam a adoção

Podem-se apontar algumas razões pelas quais as pessoas sentem-se motivadas a adotar. A psicanalista Gina Kafhif Levinzon destaca, dentre elas, a esterilidade; a morte anterior de um filho; o desejo de ter filhos quando já se passou da idade em que isto é possível biologicamente; a ideia de

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que há muitas crianças necessitadas e que se estará ajudando-a e fazendo um bem à sociedade; o contato com uma criança que desperta o desejo da maternidade ou paternidade; o parentesco com pais biológicos que não tenham condição de cuidar da criança; homens e mulheres que anseiam ser pais, mas não têm um parceiro amoroso; o desejo de ter filhos sem ter de passar por um processo de gravidez, por medo desse processo e até por razões estéticas.

Conforme afirma Levinzon, “a função que uma criança tem para uma família determina inúmeras vezes estereótipos e caminhos traçados inconscientemente que podem representar posteriormente um fardo para a criança e para a família de modo geral”4.

2.1. A infertilidade

Grande parte dos casais que constatam a infertilidade vê na adoção uma solução. A primeira consequência acerca desse aspecto é que os pretendentes à adoção passam a buscar crianças recém-nascidas, o que nos leva a um cenário no Brasil completamente invertido, como se pode observar nos dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça. Conforme o Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA), em junho de 2012, havia
40.340 crianças e adolescentes...

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