Devido processo administrativo na lei de liquidação extrajudicial

AutorFelipe Herdem Lima
Ocupação do AutorAdvogado e Membro da Comissão de Direito Empresarial da Oab/Rj
Páginas197-220
devido processo AdministrAtivo nA lei de
liquidAção extrAjudiciAl
Felipe Herdem Lima1
1. introdução
A Lei nº 6.024/76, em seu artigo 15, inciso I,2 disciplina as hipóteses de
decretação do regime de liquidação extrajudicial (exofcio) pelo Banco
Central do Brasil. Em uma breve análise do dispositivo em questão, é pos-
sível perceber a proteção conferida a possíveis credores das instituições
sujeitas ao regime, uma vez que, das quatro alíneas do artigo, duas tratam,
especicamente,das situaçõesque podemcomprometer oquadro eco-
nômico-nanceiro.
Assim, a intervenção estatal é fundamentada pela proteção à eco-
nomiapúblicaeaos credoresdainstituiçãonanceira. Logo,umprejuízo
apurado, contabilmente, que sujeite a um risco anormal os credores quiro-
1 Advogado e Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/RJ. Mestrando
em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio. Pós-Graduado em Direito Empresarial
pela FGV Direito Rio. Graduado pela FGV Direito Rio.
2 Art.15.Decretar-se-áaliquidaçãoextrajudicialdainstituiçãonanceira:
I- exofcio:
a)emrazãodeocorrênciasquecomprometamsuasituaçãoeconômicaounancei-
ra especialmente quando deixar de satisfazer, com pontualidade, seus compromis-
sos ou quando se caracterizar qualquer dos motivos que autorizem a declaração de
falência;
b) quando a administração violar gravemente as normas legais e estatutárias que
disciplinam a atividade da instituição, bem como as determinações do Conselho
Monetário Nacional ou do Banco Central do Brasil, no uso de suas atribuições legais;
c) quando a instituição sofrer prejuízo que sujeite a risco anormal seus credores
quirografários;
d) quando, cassada a autorização para funcionar, a instituição não iniciar, nos 90
(noventa)diasseguintes,sualiquidaçãoordinária,ouquando,iniciadaesta,vericar
o Banco Central do Brasil que a morosidade de sua administração pode acarretar
prejuízos para os credores.
Transformações do direiTo adminisTraTivo: ConsequenCialismo e esTraTégias
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grafários (alínea “c”), ou quando a instituição deixar de cumprir os objeti-
vos com pontualidade (alínea “a”), pode ser objeto de intervenção estatal
através da decretação do regime, uma vez que estar-se-á diante de fatos
concretos e objetivos que podem representar algum risco à situação eco-
nômico-nanceiradaempresa e,consequentemente,àeconomia pública
e aos seus credores.
No entanto, apesar da preocupação com a situação econômico--
nanceira das instituições sob supervisão do Banco Central do Brasil e da
consequente proteção aos direitos dos credores e à economia pública, a
lei também previu a possibilidade de decretação do regime de liquidação
extrajudicial quando a administração violar gravemente as normas legais e
estatutárias que disciplinam a atividade da instituição, bem como as deter-
minações do Conselho Monetário Nacional ou do Banco Central do Brasil,
no uso de suas atribuições legais.
Sobre essa hipótese de decretação do regime de liquidação extrajudi-
cial, a jurisprudência pátria e o Banco Central do Brasil vêm adotando um
entendimento no sentido de que o instituto da liquidação extrajudicial não
possui natureza punitiva, sendo apenas um instrumento de intervenção do
Estado no domínio econômico e, como tal, as garantias constitucionais da
ampla defesa e do contraditório devem ser diferidas, no intuito de conferir
efetividade da medida. Garante-se, portanto, o efetivo poder de polícia do
Banco Central e a proteção da economia pública.3
Dessa forma, segundo o entendimento do Banco Central do Brasil,
endossado pela jurisprudência, a Lei nº 6.024/74 instituiu um “contradi-
tório postergado”, sob a alegação de que o escopo da liquidação extraju-
dicialnãoéapunição dasinstituiçõesnanceiraseseusadministradores,
mas,sim, osaneamento do mercadonanceiro. Portanto,segundo essa
linha de entendimento, o contraditório deve ser exercido em um momento
posterior ao da decretação da liquidação extrajudicial.
Ocorre que, diferentemente do enfoque anterior, em que o regime é
decretado por receio a possíveis danos a credores e à economia pública, a
preocupação desse artigo, em tese, não é a análise da situação econômi-
co-nanceiradaempresa,massimaviolaçãodenormaspelosadministra-
3 Tratando do entendimento adotado pelo Banco Central do Brasil e acolhido
pelo Poder Judiciário, merece destaque a transição de um trecho do AgRg no REsp.
615436/DF, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª T., DJ 6/12/2004. REsp. 930970/SP, Rel.
Min. Luiz Fux, 1ª T., DJ 3/11/2008. “Depreende-se que o processo de liquidação ex-
trajudicial tem por objeto salvaguardar a economia pública, a poupança privada e o
mercadonanceiroedecapitais,devendo,paratanto,sercélere,circunstânciapela
qual o princípio do devido processo legal deve ter a sua aplicação mitigada, consi-
derando as peculiaridades do caso concreto, mais precisamente, a sua natureza de
urgência. No mesmo sentido ver: DJ 6/12/2004; REsp. 930970/SP, Rel. Min. Luiz
Fux, 1ª T., DJ 03/11/2008.

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