A devida proteção contra a dispensa arbitrária e sem justa causa

AutorJorge Luiz Souto Maior
Páginas371-382

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O maior problema social da atualidade é, inegavelmente, o desemprego. O desemprego, em uma sociedade capitalista, destrói a autoestima, aniquilando o ser humano, e, ao mesmo tempo, é causa de uma série enorme de problemas que atingem toda a sociedade.

Este problema, evidentemente, está ligado, de forma mais precisa, às políticas de macroeconomia, considerados os arranjos comerciais e produtivos em escala mundial.

Todavia, tem também ligação com a forma de regulação das relações de trabalho. A facilidade jurídica conferida aos empregadores para "dispensarem" seus empregados provoca uma grande rotatividade de mão de obra, que tanto impulsiona o desemprego quanto favorece a insegurança nas relações trabalhistas, e, ainda, fragiliza a situação do trabalhador, provocando a precarização das condições de trabalho.

Assim, se o direito do trabalho não pode gerar bens à satisfação do incremento da economia, pode, por outro lado, fixar um parâmetro de segurança e de dignidade nas relações de trabalho, que tanto preserve o homem no contexto produtivo quanto, de certa forma, beneficie as políticas econômicas.

O principal papel a ser cumprido pelo Direito do Trabalho nos tempos presentes, portanto, é o de evitar o desemprego desmedido e despropositado, que apenas serve para incrementar a utilização de relações de trabalho que desconsideram os seus fins sociais e geram insegurança na sociedade.

Sob esta perspectiva, é crucial que se passe a considerar que a cessação da relação de emprego por iniciativa imotivada do empregador não encontra guarida na Constituição Federal, visto que esta conferiu, no inciso I, do seu art. 7º, aos empregados a garantia da "proteção contra dispensa arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos".

Da previsão constitucional, não se pode entender que a proteção contra dispensa arbitrária ou sem justa causa dependa de lei complementar para ter eficácia jurídica, pois que o preceito não suscita qualquer dúvida de que tal proteção se trata de uma garantia constitucional conferida aos empregados. Está-se, diante, inegavelmente, de uma norma de eficácia plena. A complementação a esta norma diz respeito aos efeitos do descumprimento da garantia constitucional.

Mesmo que assim não fosse, é evidente que a inércia do legislador infraconstitucional (já contumaz no descumprimento do comando constitucional) não pode negar efeitos concretos a um preceito posto na Constituição para corroborar o princípio fundamental da República da proteção da dignidade humana (inciso III, do art. 1º), especialmente quando a cessação imotivada do vínculo de emprego se apresente como uso abusivo de um pretenso direito, o que, facilmente, se vislumbra quando o empregado conduzido ao desemprego está acometido de problemas de saúde provenientes de doenças profissionais, ou, simplesmente, quando o empregador utiliza da liberdade de iniciativa para permitir a admissão de outro empregado para exercer a mesma função do anterior com pagamento de salário inferior, ou vinculado a contratos precários ou a falsas cooperativas, ou seja, quando o pretenso direito potestativo de resilição contratual se exerce para simplesmente diminuir a condição social do trabalhador, ao contrário do que promete todo o aparato constitucional, não se pode dizer que o empregador está dentro da esfera dos atos lícitos.

A respeito, vale lembrar as lições de Karl Larenz, há muito manifestadas, analisando as relações jurídicas sob o aspecto da teoria geral do direito, no sentido de que: a) a vinculação em uma dada relação jurídica não retira da parte o seu direito subjetivo fundamental, que é o direito da personalidade, que se insere no contexto da proteção da dignidade humana, e que pode ser exercido em face de qualquer pessoa; b) o exercício do direito potestativo, nas relações jurídicas que o preveem, encontra, naturalmente, seus limites na noção do abuso de direito e no princípio da boa-fé.

Ora, logicamente, os direitos de personalidade são garantidos ao empregado na relação jurídica trabalhista e estes direitos se exercem em face do empregador, sendo agressões nítidas a esses direitos o trabalho em condições desumanas e, sobretudo, a cessação abrupta e imotivada da relação jurídica, na medida em que perde o meio de sua subsistência, sem sequer saber o motivo para tanto.

Evidentemente, como explica o mesmo autor, não há a necessidade de uma regra específica para que o direito subjetivo da personalidade seja exercido.

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A noção de abuso do direito encerra o princípio de que o exercício de um direito subjetivo é ilícito quando não tiver outro objetivo que o de causar prejuízo a outrem e mesmo quando exercido de forma imoral.

No tocante à boa-fé, esclarece Larenz que "sempre que exista entre pessoas determinadas um nexo jurídico, estas estão obrigadas a não fraudar a confiança natural do outro".

Lembre-se, ademais, de que nos termos do atual Código Civil, art. 187, comete ato ilícito aquele que, independentemente de culpa, titular de um direito, "ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".

O novo Código Civil, aliás, estabeleceu uma nítida mitigação do princípio do pacta sunt servanda, dando maior relevo à função social dos contratos do que à liberdade de contratar (art. 421), e o art. 422, do mesmo Diploma, reafirmou, desta feita, expressamente, que a boa-fé deve estar à base do contrato na sua formação, na sua execução e na sua extinção, sendo que quanto a este último aspecto a normatização foi trazida no art. 472.

A proteção contra a dispensa arbitrária, portanto, encontra no ordenamento jurídico fundamentos que transcendem até mesmo à própria discussão em torno da eficácia do art. 7º, I, da CF.

Entretanto, mesmo mirando-se a questão neste aspecto, a proteção contra a cessação imotivada (arbitrária) tem plena vigência.

O inciso I, do art. 7º, em questão, faz menção, é verdade, à indenização como forma de concretizar a garantia constitucional e o art. 10, inciso I, do ADCT, estipulou a indenização de 40% sobre o saldo do FGTS, para valer enquanto não votada a Lei Complementar, mencionada no inciso I, do art. 7º. No entanto, há de se reconhecer que a Constituição, ao proibir a cessação arbitrária, acabou por criar uma espécie qualificada de cessação.

Desse modo, a cessação por iniciativa do empregador que não for fundada em falta do empregado, nos termos do art. 482, da CLT, terá que, necessariamente, ser embasada em algum motivo, sob pena de ser considerada arbitrária. A indenização prevista no inciso I, do art. 10, do ADCT, diz respeito, portanto, à cessação motivada (não em falta cometida pelo empregado), que não se considere arbitrária, visto que esta última está proibida, dando margem não à indenização em questão, mas à restituição das coisas ao estado anterior, quer dizer, à reintegração do trabalhador ao emprego, ou, não sendo isto possível ou recomendável, a uma indenização compensatória.

Lembre-se, a propósito, de que o art. 7º, I, mesmo tratando da indenização não exclui a pertinência da aplicação de "outros direitos", como forma de tornar eficaz a garantia.

Assim, aplicados os preceitos constitucionais e legais, sob o âmbito individual, quatro seriam os tipos jurídicos de cessação da relação de emprego por iniciativa do empregador:

  1. a imotivada (que se equipara à arbitrária); b) a motivada (sem apelo a ato culposo do empregado); c) a motivada em ato culposo do empregado (art. 482, da CLT); e d) a discriminatória (prevista na Lei n. 9.029/95).

A cessação arbitrária, portanto, não se confunde com a denominada "dispensa sem justa causa", é proibida constitucionalmente e vindo a se concretizar, gera a nulidade do ato com consequente reintegração do empregado ao serviço ou a cessação da relação por ato culposo do empregador com o consequente pagamento de indenização específica, como se verá adiante.

A cessação motivada (denominada na lei por "sem justa causa") dá ensejo ao recebimento pelo empregado de uma indenização, hoje fixada em 40% sobre o FGTS.

A cessação por falta do empregado (denominada na lei por "justa causa"), devidamente comprovada, nos termos do art. 482, da CLT, provoca a cessação do vínculo sem direito à indenização.

A cessação por ato discriminatório, expressa quanto à definição e aos seus efeitos na Lei n. 9.029/95, dá ensejo à reintegração ou à indenização compensatória.

Em verdade, a cessação imotivada (arbitrária) e a cessação por ato discriminatório sequer merecem o status de tipos de cessação por iniciativa do empregador, pois não geram, concretamente, a cessação do vínculo jurídico, mas que mere-cem ser estudadas para fixação dos seus conceitos e efeitos.

A cessação que não se basear em motivo relevante considera-se arbitrária e, portanto, não está autorizada ao empregador. Quanto aos efeitos não se pode entender que a cessação arbitrária gere como efeito apenas a obrigação ao pagamento da indenização de 40% sobre o FGTS, pois que isto equivaleria a dizer que a cessação motivada ("sem justa causa") equivale à dispensa arbitrária (sem motivo algum). A cessação arbitrária, como visto, não tem base jurídica alguma. A cessação do vínculo deve possuir uma motivação, sob pena de ser considerada ilícita.

Quais seriam os parâmetros jurídicos para se considerar válida uma cessação por iniciativa do empregador? Em outras palavras, quais os motivos juridicamente válidos a serem utilizados pelo empregador para cessar, por iniciativa unilateral, uma relação de emprego?

O modelo jurídico nacional já traz, há muito, definição a respeito, entendendo-se como arbitrária...

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