Deveres dos condôminos

AutorFábio Hanada - Andréa Ranieri Hanada
Páginas165-199

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1. Contribuir para as despesas do condomínio, na proporção de suas frações ideais é o primeiro dever do condômino.

As despesas condominiais são devidas a partir do momento em que efetivamente passam a existir, independentemente da existência e registro da convenção condominial, decidiu a 28ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em v. acórdão relatado pelo magistrado Manoel Justino Bezerra Filho: "O condomínio autor alega solidariedade entre a construtora Kallas e o requerido Isael, entendendo que devem ser condenados no pagamento integral do débito reclamado, além de arcarem com os ônus da sucumbência, na proporção de 50% para cada; ao final, pede ainda a majoração da verba honorária para o patamar de 20% do valor da condenação. A Construtora Kallas argumenta que o condomínio foi instalado somente em 22.12.2004, de forma que não pode ser condenada no pagamento das despesas condominiais relativas a período anterior a tal data; alega que somente o corréu Isael deve ser condenado ao pagamento das cotas condominiais a partir de dezembro de 2004; ao final, a construtora postula o reconhecimento de sua ilegitimidade passiva relativamente ao período de setembro a dezembro de 2004, condenando-se, exclusivamente, o corréu Isael no pagamento das cotas condominiais a partir de dezembro de 2004. O requerido Isael, por sua vez, sustenta que apenas a construtora Kallas deve ser responsabilizada pelo pagamento das cotas condominiais, eis que se nega a entregar as chaves do apartamento, de modo que as despesas devem

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ser arcadas por quem está na posse do imóvel, ou seja, a construtora. (...) É o relatório. O entendimento jurisprudencial tem corretamente caminhado no sentido de determinar que a cobrança do condomínio pode ser dirigida contra o proprietário, contra o possuidor, contra o compromissário comprador ou contra todos ao mesmo tempo. (...) Tanto a Construtora que afirma ter o direito de reter o imóvel e não entregá-lo ante o não pagamento por parte de Isael, quanto Isael que é o proprietário do imóvel, opõem argumentos para demonstrar que o outro é que deveria ser responsabilizado pelas despesas condominiais. Evidentemente, nenhum deles nega o direito do Condomínio receber os valores que lhe são devidos, até porque sabem que tal pagamento é absolutamente indispensável para que o próprio imóvel continue existindo como valor comercial ponderável, como local habitável. Claro que se os condôminos recusarem-se a pagar as despesas de condomínio, o bem imóvel desaparecerá como local habitável, em poucas semanas. A par desta consideração, necessário ainda que se tenha em vista que a própria unidade responde pela dívida em termos de garantia, dada sua característica propter rem. Ainda é necessário considerar que enquanto a Construtora e Isael discutem entre si para saber quem deve pagar a despesa condominial, os demais condôminos estão sendo onerados injustamente, desembolsando valores mensais para manutenção do bem que interessa diretamente aos dois correqueridos que, repita-se, recusam-se a pagar o valor devido. Não há qualquer razão de justiça, não há sequer qualquer razão lógica para que tal situação estenda-se no tempo, onerando terceiros que têm que sustentar as benesses que tornam a unidade valiosa. Ante tal situação, e considerando-se que tanto o possuidor quanto o proprietário podem ser acionados pelo pagamento dos valores em aberto, é de se reformar a r. sentença para que ambos sejam solidariamente condenados no pagamento dos

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valores em aberto. A solidariedade aqui declarada, por óbvio, não impede que após o pagamento dos valores devidos ao condomínio, ambos os correqueridos digladiem entre si, para que então componham seus interesses, discussão que por ora, está apenas onerando os demais condôminos. Ao contrário do que afirmam os requeridos, as despesas condominais devem ser cobradas a partir do momento em que passam a existir tais despesas de forma efetiva. Existir ou não registro ou mesmo elaboração da convenção de condomínio, não é marco essencial para que as despesas sejam rateadas, o que é feito na proporção da parte ideal que cabe a cada condômino. Não fosse assim, chegar-se-ia ao absurdo de não se ter como colocar o prédio em funcionamento, mesmo que já existam moradores e despesas, sob o burocrático argumento de que a convenção de condomínio ainda não existe. A realidade das coisas do dia a dia impõe-se sobre burocracias mais ou menos demoradas e exigem resposta eficaz da pretensão jurisdicional. Assim, a r. sentença fica reformada para que ambos os requeridos sejam solidariamente condenados nos termos do pedido inicial, respondendo solidariamente pelo pagamento das despesas condominiais alinhadas na inicial, bem como aquelas que se vencerem no curso da ação e até a total satisfação do crédito condominial pelo pagamento, independentemente de qualquer outra ação de cobrança, incluídas na fase de cumprimento nestes mesmos autos independentemente de qualquer outra ação."145A convenção condominial pode estabelecer quotas diferentes de responsabilidade dos proprietários das unidades autônomas pelas despesas condominiais. Não havendo tal disposição na convenção condominial, a responsabilidade é proporcional

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à propriedade das frações ideais do terreno, adverte Pedro Elias Avvad: "Não se harmonizam, portanto, a norma que concede autonomia aos condôminos para decidir, na convenção, ‘a quota proporcional’ que caberá a cada um e, aquela outra, na mesma lei, onde se declara que essa mesma quota nas despesas have-rá de ser proporcional à fração ideal. Certamente há, aí, algum equívoco, e vamos tentar esclarecê-lo. O ponto inicial a se abordar nos remete ao art. 1.331, § 3º que fixa, como regra, a proporcionalidade entre a fração ideal (no solo) e o valor da unidade imobiliária, o qual se calcula em relação ao conjunto de edificação. Combinando essa regra com uma aplicação literal do inciso I do art. 1.336, teríamos que, apartamentos iguais, mas separados por alguns andares de distância, no mesmo prédio, teriam quotas que poderiam variar em mais de 100%, especialmente, em locais com privilégios de vista para o mar, em andares superiores, como são os da orla marítima das cidades litorâneas. O mesmo se diria em relação à uma loja em prédio misto, situada em local de grande valor comercial que terá, necessariamente, uma expressiva fração ideal, proporcional ao seu valor, mas usufruindo muito pouco dos serviços de condomínio. Tanto num como no outro caso, impor o pagamento de despesas, na proporção da fração, implicaria em desequilíbrio das correspectivas obrigações e enriquecimento sem causa, de uns, à custa do empobrecimento de outros. A conclusão a se chegar é a de que, o inciso I, sintetizando de forma exagerada as normas que sucedeu, objetivou determinar a obrigação de contribuir para as despesas, obviamente, na proporção fixada na convenção. Não existindo esta, ou sendo ela silente, nesse caso, então, a contribuição se fará na proporção da fração ideal."146

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No mesmo sentido é a orientação externada pelo advogado Nelson Kojranski, que ressalta a imperatividade da disposição convencional: "O princípio da igualdade comanda os direitos e os deveres dos condôminos, observadas as proporções de sua participação no condomínio. A nenhum condômino é dado alterar unilateralmente as regras cogentes da convenção, cujo império apenas fica subordinado à deliberação extraordinária de assembleia geral ou por decisão judicial específica, para anular normas que agridem, por exemplo, o direito individual. Fora disso, até a autoridade judiciária lhe deve obediência. Não se confunda o comando convencional com a legítima apreciação judicial de rever o dispositivo de convenção, quando, por exemplo, fica demonstrado que as lojas térreas não se beneficiam dos préstimos do elevador, da limpeza interna do prédio, da energia elétrica ou do consumo d´água. Mas delas se exige que suportem as despesas, cegamente distribuídas em correspondência às frações ideais do terreno, com flagrante desprezo ao princípio da contrapartida dos serviços prestados. Noutras palavras, se a administração não lhe prestou serviços, não se justifica a paga respectiva. Verifica-se aí manifesta desigualdade, sendo impositiva a obediência à velha máxima de se tratar desigualmente situações desiguais. Se a convenção de um edifício de 30 apartamentos, distribuídos dois por andar, sendo um, de frente para a rua, pouco maior que o situado nos fundos, estabeleceu que as despesas condominiais devem corresponder a 1/30 para qualquer tipo de unidade, não pode o tribunal alterar essa proporção. Significa que, independentemente da sua fração ideal, a regra estabelecida na convenção é cogente, cabendo a cada apartamento contribuir com uma quota de 1/30 das despesas condominiais. Noutras palavras, essa regra é impermeável e repele qualquer decisão judicial que pretenda impor rateio diver-so. Assim, quando um proprietário de dois apartamentos do mesmo andar procede à unificação, mediante projeto aprovado pela prefei-

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tura e posterior averbação no cartório imobiliário, terá criado, na realidade, um só apartamento. Evidentemente, o oficial do registro imobiliário somará as frações ideais das duas unidades componentes. Surgirá um novo apartamento, único no andar, que continuará, porém, sendo identificado pelos números das duas unidades que lhe deram origem, em respeito à especificação condominial. Mas, se passou a existir um só apartamento no andar e se a convenção estabelece que cada apartamento responde por uma só quota das despesas condominiais, seu proprietário poderia vir a sustentar que lhe caberia contribuir com apenas uma quota de 1/30. Mesmo que, por lapso improvável do cartório imobiliário, viesse a lhe conferir nova matrícula, jamais a nova configuração administrativa do apartamento (aprovação da prefeitura e registro do cartório imobiliário) teria o poder de alterar a regra...

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