O dever de planejamento estatal e a efetividade na prestação do serviço público de saneamento básico

AutorAugusto Neves Dal Pozzo
Páginas207-239
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O DEVER DE PLANEJAMENTO ESTATAL
E A EFETIVIDADE NA PRESTAÇÃO DE
SERVIÇO PÚBLICO DE SANEAMENTO
BÁSICO
AUGUSTO NEVES DAL POZZO
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Ninguém discorda de que um dos serviços públicos mais negli-
genciados pela Administração Pública brasileira é o serviço de saneamen-
to básico, assim considerado o fornecimento de água e a coleta e destina-
ção final do esgoto.
Talvez, a explicação para esse completo descaso com um serviço
tão fundamental repouse, especialmente na falta de planejamento estatal
para sua efetiva consecução. O objetivo do presente trabalho é com-
preender a evolução histórica da normatividade do setor até o advento
da Lei de Saneamento Básico, sua atual pedra-de-toque, de maneira a
identificar como o dever de planejamento influi decisivamente no aprimo-
ramento dos modelos de prestação de serviços, tudo com o propósito
de concretizar, com a máxima eficiência, a tão sonhada meta da univer-
salização de sua cobertura, e com isso, atender aos irremediáveis reclamos
dos usuários desse serviço público.
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AUGUSTO NEVES DAL POZZO
Nessas circunstâncias, a elaboração de documentos técnicos de
planejamento, mais do que qualquer outra coisa, espelha as políticas pú-
blicas a serem perseguidas pelo Estado com base em inúmeras decisões
administrativas que acabam sendo consolidadas em seus termos. No en-
tanto, ao se falar em serviços públicos, o dever de planejamento ganha es-
cala e magnitude, pois se passa a considerar uma gama significativamente
mais ampla de variáveis a ser obrigatoriamente examinadas pelo Estado.
Tome-se como exemplo o dever de planejamento atinente aos ser-
viços de saneamento básico regulados pela Lei Federal n. 11.445, de 5
de janeiro de 2007. Essa lei dedica todo um Capítulo de seu texto às
diretrizes fundamentais do planejamento, condensando noções elemen-
tares em seu artigo 19.1
1 CAPÍTULO IV
DO PLANEJAMENTO
Art. 19. A prestação de serviços públicos de saneamento básico observará plano, que poderá ser
específico para cada serviço, o qual abrangerá, no mínimo:
I – diagnóstico da situação e de seus impactos nas condições de vida, utilizando sistema de indicadores
sanitários, epidemiológicos, ambientais e socioeconômicos e apontando as causas das deficiências detectadas;
II – objetivos e metas de curto, médio e longo prazos para a universalização, admitidas soluções
graduais e progressivas, observando a compatibilidade com os demais planos setoriais;
III – programas, projetos e ações necessárias para atingir os objetivos e as metas, de modo compatível
com os respectivos planos plurianuais e com outros planos governamentais correlatos, identificando
possíveis fontes de financiamento;
IV – ações para emergências e contingências;
V – mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência e eficácia das ações
programadas.
§ 1º Os planos de saneamento básico serão editados pelos titulares, podendo ser elaborados com
base em estudos fornecidos pelos prestadores de cada serviço.
§ 2º A consolidação e compatibilização dos planos específicos de cada serviço serão efetuadas pelos
respectivos titulares.
§ 3º Os planos de saneamento básico deverão ser compatíveis com os planos das bacias hidrográficas
em que estiverem inseridos.
§ 4º Os planos de saneamento básico serão revistos periodicamente, em prazo não superior a 4
(quatro) anos, anteriormente à elaboração do Plano Plurianual.
§ 5º Será assegurada ampla divulgação das propostas dos planos de saneamento básico e dos estudos
que as fundamentem, inclusive com a realização de audiências ou consultas públicas.
§ 6º A delegação de serviço de saneamento básico não dispensa o cumprimento pelo prestador do
respectivo plano de saneamento básico em vigor à época da delegação.
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O DEVER DE PLANEJAMENTO ESTATAL E A EFETIVIDADE NA...
A atividade de planejamento prevista na citada lei setorial contempla
a implantação do chamado “Plano de Saneamento Básico”, que abrangerá,
obrigatoriamente, a estratégia da respectiva entidade para prestação
adequada desse serviço público mediante: o diagnóstico da sua situação
atual; o estabelecimento de metas de curto ou longo prazo para sua
universalização; a obrigação de se estatuir programas de ação para aten-
dimento das metas e a imposição de mecanismos para avaliação dos
resultados da aplicação do plano.
Verifica-se, assim, que o Poder Público está imbuído do dever de
não apenas prestar os serviços de saneamento básico, mas também de
planejá-los, o que exige, inexoravelmente, o desenvolvimento de ações
nesse sentido.
Essa diretiva pode ser evidenciada em outros diplomas legais em
que o legislador, atento à imposição do dever de planejar, exigiu tal de-
dicação por parte da Administração. Assim é que se editou a Lei da
Política Nacional de Resíduos Sólidos por meio da Lei Federal n. 12.305,
de 2 de agosto de 2010, que também dedica um Capítulo aos Planos de
Resíduos, de maneira similar, mas com maior detalhamento do aquele
encontrado na Lei de Saneamento.
Em um panorama mais restrito, e esse será o foco de análise des-
te trabalho, o Poder Público, diante da alternativa de delegar a prestação
do serviço à iniciativa privada, deverá planejar adequadamente a estru-
tura a ser moldada para que a delegação seja viável e atrativa àquele
setor, sempre tendo como orientação e diretiva máxima o direito dos
usuários a receber a prestação de um serviço público adequado, regular,
contínuo, cortês e remunerado por tarifas módicas.
Portanto, é nítido que a atividade de planejamento é um dever do
Estado, que, antes de tudo, deve primar por diagnosticar as necessidades
daquilo que se ressente o interesse público sob sua tutela e propor metas
§ 7º Quando envolverem serviços regionalizados, os planos de saneamento básico devem ser editados
em conformidade com o estabelecido no art. 14 desta Lei.
§ 8º Exceto quando regional, o plano de saneamento básico deverá englobar integralmente o
território do ente da Federação que o elaborou.

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