Violação do dever de informar no mercado de capitais a manipulação de mercado e a prática do insider trading

AutorJosé Marcelo Martins Proença
Páginas263-274

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Origem: Processo 580/2001 do 8o Ofício Cível

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível com revisão n. 461.050-4/5-00, da Comarca de Osasco, em que são apelantes e reciprocamente apelados POSTALIS - Instituto de Seguridade Social dos Correios e Telégrafos e Outras e Banco BRADESCO S/A: Acordam, em 2a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento parcial à apelação, prejudicado o recurso adesivo, votação unânime", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Des. Morato de Andrade, revisor, e Ariovaldo San-tini Teodoro.

São Paulo, 14 de agosto de 2007 - Boris Kauffmann, relator, com a seguinte declaração de voto:

VOTO 14.598

Ação de indenização por danos materiais cumulada com pedido de danos morais - Julgamento antecipado da lide - Admissibilidade

- Conjunto probatório suficiente para o deslinde da causa - Demonstração do dano material

- Indevido o dano moral - Sentença reformada

- Recurso provido em parte, prejudicado o recurso adesivo.

  1. POSTALIS - Instituto de Seguridade Social dos Correios e Telégrafos, CERES -Fundação de Seguridade Social dos Sistemas EMBRAPA e EMBRATER, e FUNDIÁGUA

    - Fundação de Previdência da Cia. de Saneamento do Distrito Federal ajuizaram ação de conhecimento em face de Banco BRADESCO S/A, buscando a sua condenação no pagamento de indenização pelos danos materiais, avaliados em 20.3.2001 em R$ 27.910.643,44, corrigidos a partir dessa data e acrescidos dos juros não pagos, além dos resultantes da mora, bem como pelos danos morais, estimados em 50% do valor apontado para os danos materiais, também atualizados e acrescidos dos juros de mora.

    A sentença de fls. 656/656-M, cujo relatório fica aqui incorporado, julgou improcedentes

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    os pedidos com apoio nos incisos V e X do art. 5o da CF e art. 159 do revogado CC, impondo aos autores os ônus da sucumbência, dentre os quais os honorários advocatícios fixados em R$ 5.000,00.

    Os autores apresentaram apelação sustentando a nulidade da sentença por ter cerceado o direito de produzirem provas comprovadoras dos fatos em que se apoiaram os pedidos inde-nizatórios, aduzindo ocorrer a hipótese prevista no art. 330, I, do CPC, de sorte que deveria a Magistrada designar audiência preliminar e, não obtida a conciliação, determinar as provas a serem produzidas (CPC, arts. 331 e 130). Salientaram a necessidade dessas provas, até porque a sentença fundamentou a improcedência na ausência das mesmas. Depois, apoiando-se na própria confissão desses fatos, reclamaram a reforma da sentença, com o acolhimento dos pedidos formulados (fls. 672-706), comprovando o recolhimento do preparo (fls. 707).

    O recurso foi admitido (fls. 708). Nas contra-razões o apelado sustentou a desnecessidade da abertura da fase instrutória e a conclusão da sentença, sem argüir matéria preliminar (fls. 714-742).

    O apelado apresentou recurso adesivo reclamando a elevação dos honorários advocatícios para, pelo menos, 10% do valor atribuído à causa, ou, ao menos, em valor compatível com o vulto, importância e complexidade da causa, além do trabalho desenvolvido (fls. 744-752), comprovando o recolhimento do preparo (fls. 753).

    O recurso adesivo também foi admitido (fls. 754) e respondido, sustentada a fixação feita na decisão (fls. 755-763).

    Com os autos nesta instância, o apelado juntou parecer de lavra do professor Dr. Paulo Fernando Campos Salles de Toledo (fls. 772-810). O processo foi distribuído em 26.10.2005 para a 28a Câmara de Direito Privado - relator o Des. Celso Pimentel. No dia 30.5.2006 referida Câmara não conheceu do recurso (fls. 814-816), sendo os autos redistribuídos para esta 2a Câmara em 25.7.2006 (fls. 820), sendo solicitadas informações à Secretaria (fls. 820).

    Os apelantes juntaram documento relativo ao julgamento do processo administrativo pela

    Comissão de Valores Mobiliários (fls. 828-864), vindo manifestação do apelado a respeito (fls. 867-868).

  2. Segundo a petição inicial, os autores receberam do réu, em meados de setembro/1998, um relatório de apresentação da situação eco-nômico-financeira do Grupo Mappin/Mesbla, no qual se inseria a Casa Anglo Brasileira S/A. Nesse relatório havia a indicação de que as debêntures que seriam oferecidas ao mercado constituiriam um agressivo plano de investimentos, destacando que os recursos a serem captados seriam "utilizados para dar suporte ao plano de crescimento da empresa, com destaque para o processo de consolidação da Mesbla (recentemente adquirida) e de aquisição de uma nova empresa varejista" (fls. 133). No Prospecto de Oferta Pública de Debêntures Conversíveis em Ações depositado na Comissão de Valores Mobiliários consta a destinação dos recursos a serem obtidos: "a) expansão da área de vendas através da abertura de novas lojas ou aquisições - R$ 256.000.000,00; b) reforma das lojas - R$ 14.000.000,00; c) investimentos em Informática (sistemas e hardware) - R$ 10.000.000,00; d) reforço de capital de giro -R$140.000.000,00. Total-R$ 420.000.000,00" (fls. 197).

    Com base nesses dados e na idoneidade dos coordenadores da colocação das debêntures, os autores adquiriram títulos. No entanto, houve omissão do fato de o Banco BRADES-CO S/A, líder da distribuição, ser credor do Grupo emissor, pois, na falência da Barnet Indústria e Comércio S/A - atual denominação da United Indústria e Comércio S/A, integrante do Grupo Casa Anglo Brasileira S/A -, referido coordenador possui crédito habilitado de R$ 22.004.772,95, e junto à falência da Map-pin Lojas de Departamento S/A crédito de R$ 580.473,37, muito embora tenha declarado à CVM que inexistia relevante relacionamento comercial com a empresa emissora.

    Além disso, segundo apurado junto a ação indenizatória ajuizada por Barnet Indústria e Comércio S/A em face do Banco BRADESCO S/A (processo n. 99.085410-8, do 29o Ofício Cível do Foro Central da Comarca da Capital), o coordenador da emissão e a United Participações e Empreendimentos Ltda. e United Indústria e Comércio Ltda. firmaram Protocolo

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    de Intenções, datado de 11.11.1998, segundo o qual uma parte dos recursos auferidos com a colocação desses títulos seria utilizada para pagamento dos créditos do coordenador (fls. 353-373).

    Tal comportamento, segundo os autores, deu ensejo à criação de uma condição artificial de oferta, além de ter o réu se privilegiado com informações reservadas. Daí a responsabilidade pelos danos ocasionados.

    Andou bem a Magistrada em julgar antecipadamente a lide, pois desnecessária a produção de qualquer outra prova além das existentes nos autos.

    Muito embora o relatório da situação econômico-financeira do Grupo aponte que os balanços da Mesbla não foram auditados, de qualquer sorte deixa claro que (fls. 184):

    Considerando as projeções de resultado realizadas, entendemos que a geração de caixa das empresas do Grupo Casa Anglo suporta (I) a operação de expansão da rede, (II) a reestruturação da Mesbla e (III) o pagamento das debêntures na data de seu vencimento na eventualidade de não haver nenhuma conversão de debêntures em capital. Dessa forma, o excedente após o pagamento das debêntures será de R$ 48.000.000,00. Conservadoramen-te, podemos considerar um investimento de R$ 30.000.000,00 para cobrir o caixa deficitário do seguimento automotivo da Mesbla S/A. Nesse caso, o excedente de caixa reduz-se para R$ 18.000.000,00. Caso haja a conversão de todas as debêntures, a empresa terá uma estrutura financeira com uma confortável posição de caixa.

    Não importa, por outro lado, que o próprio Banco BRADESCO S/Atenha, também, adquirido debêntures conversíveis em volume alto. O que importa, no caso, é que o coordenador não mencionou a sua condição de credor do Grupo, fato que, em tese, poderia indicar um interesse na colocação das debêntures como forma de obter recursos para a satisfação de seus créditos. Em outras palavras, criou efetivamente uma condição artificial para a oferta dos títulos, levando os interessados à aquisição dos mesmos. Também surpreendente o Protocolo de Intenções, em que "qualquer subscrição adicional de debêntures que não as aqui mencionadas, todo o dinheiro integralizado na CAB será utilizado para pagamento de créditos que o BRADESCO indicar" (fls. 359), colocando o próprio coordenador da emissão em situação privilegiada.

    A captação de recursos no mercado, através de debêntures conversíveis, deve ser feita de tal modo que o investidor tenha todas as informações importantes para se posicionar sobre a oferta. A omissão das condições mencionadas é suficiente para se reconhecer a culpa do coordenador, responsabilizando-o pelos danos ocasionados.

    Tais danos não dependem de encerramento do processo falimentar. Eles já existem pelo simples fato de ter sido efetuado o investimento, sem o retorno prometido e no momento prometido. E partícipe da colocação dos títulos é o coordenador, também responsável pela composição dos mesmos.

    O montante apontado na petição inicial -R$ 27.910.643,44 corresponde ao montante investido pelos autores atualizado até 20.3.2001. Devem ser incluídos os juros não pagos até o...

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