Destinação de verbas decorrentes da atuação do MPT para pesquisas e obtenção de invenções: bengala com GPS, cadeiras de rodas com 'pernas', etc

AutorLutiana Nacur Lorentz
Páginas69-87

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Ver Nota1

Introdução

A história das pessoas com deficiência, bem como a história de todas os outros grupos humanos passou por mudanças significativas não havendo o que se falar na visão dessa autora em vetustos "direitos naturais" e sim em direitos históricos2. Este grupo sempre foi sujeito às mais diversas discriminações e estigmas (sobre o tema, ver GOFFMAN3; CROCH4; VIANA5) e esta autora6 categorizou - o historicamente em quatro grandes fases distintas: primeiro, a fase da eugenia (ou da eliminação); segundo, a fase do assistencialismo (ou da piedade caridosa); terceiro, a fase da integração; e quarto, a fase atual da inclusão.

Nesta atual fase da inclusão não só a Constituição Federal7, de 1988, arts. 7a, XXXI, 37, VIII, 208, 227, § 1a etc, quanto a Convenção da ONU, de 2006 e notadamente o Estatuto da Pessoa com Deficiência (ou Lei Brasileira de Inclusão - LBI), Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015, com vigência em 6 de janeiro de 2016 usam como uma de suas principais chaves de leitura a necessidade de superação de barreiras, tendo sido esta inclusive uma das tónicas da nova definição de quem são as pessoas com deficiência - PCDs, segue:

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"Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas."8 (N. N.)

Ressalta-se que além da Convenção da ONU já citada e da LBI o marco teórico deste artigo é a Teoria do Reconhecimento de Fraser9 que envolve tanto a existência de reconhecimento de práticas discriminatórias, bem como o auto-reconhecimento do grupo, categoria ou classe discriminada, quanto a necessidade de redistribuição material e representação das pessoas com deficiência em todas as dimensões de poder.

Sobretudo na atual fase do capitalismo, em que os direitos dos trabalhadores estão sendo "flexibilizados" (pomposo eufemismo que, na verdade, tenta encobrir sua real significação de corte, ou redução de direitos), autores como Delgado10, Baylos11 e Bihr12 preconizam a necessidade de repúdio ao Estado Neoliberal (ou Ultraliberal) e de defesa do trabalho humano através do fortalecimento do Estado de Bem-Estar Social13 no Século XXI, sendo necessária, mais do que nunca, a intervenção Estatal, notadamente com o escopo de proteção dessa minoria discriminada e para implementar o requisito de patamar mínimo civilizatório exigido como condição prévia ao Estado Democrático de Direito14.

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2. Reversão de recursos de execuções de termos de ajustes de conduta e de condenações judiciais em ações do MPT a outras destinações que não aos fundos (FAT, FIA, FDD, etc )

O MPT tem cumprido de forma mais do que aquilatada seu papel histórico na inclusão das PCDs nas relações de trabalho tanto privadas, quanto públicas (nos RJU celetários) e nos casos do art. 173, CF/88, bem como no combate incessante de todas as formas de discriminação às PCDs, mas pode-se ir mais além.

Os principais problemas a serem abordados por esse artigo são concernentes à clarificação de como as verbas advindas tanto dos Termos de Ajuste de Conduta - TAC do MPT, quanto das execuções de condenações judiciais decorrentes de sua atuação podem contribuir para o aprimoramento da fase da inclusão das PCDs e para a maior superação de barreiras, na linha da chave de leitura da Convenção da ONU de 2006 e da LBI, Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015.

Uma primeira leitura (superficial) da regra legal, indicaria que o numerário de condenações em ações judiciais de autoria do MPT deveriam ser destinadas para fundos, art. 13 da Lei n. 7.347/85:

"Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.

§ 2- Havendo acordo ou condenação com fundamento em dano causado por ato de discriminação étnica nos termos do disposto no art. desta Lei, a prestação em dinheiro reverterá diretamente ao fundo de que trata o caput e será utilizada para ações de promoção da igualdade étnica, conforme definição do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, na hipótese de extensão nacional, ou dos Conselhos de Promoção de Igualdade Racial estaduais ou locais, nas hipóteses de danos com extensão regional ou local, respectivamente." (g. n.)

Porém, uma leitura mais profunda e sistémica revela que o propósito claro da lei em comento é a reconstituição dos bens lesados, no caso das condenações por discriminações contra PCDs, ou o não cumprimento de suas quotas de trabalho15 isto claramente indica que o numerário advindo

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das execuções em ações de titularidade do MPT devem ser usados para a superação de barreiras impostas às PCDs.

Note-se que a lei em comento nada discorre sobre a destinação dos valores de TACs celebrados com o MP em geral e o MPT de forma específica (a lei apenas refere-se a ações judiciais do MP), pelo que neste aspecto já se estaria diante de um vazio normativo16.

2.1. A posição da doutrina e praxis do MPT no ternário

Já há posicionamento consolidado na doutrina de que é lícito, bem como escorreito com a mens legis a destinação de valores tanto de TACs firmados pelo MPT, quanto de condenações em ações de sua titularidade para outros fins que não os fundos, tais como FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhor (criado pela Lei n. 7.998/90), Fundo de Direitos Difusos - FDD (criado pela Lei n. 9.008/95), FIA- Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente da (criado pela Lei n. 8.069/90). Neste sentido, a dissertação de mestrado de Fonseca17 posteriormente transformada em livro, o trabalho de Melo18, as publicações de Pereira19, de Carelli20, de Santos21 e outros.

As críticas às reversões de numerários de execuções de TACs de ações judiciais do MPT a estes fundos são as mais diversas, indo desde a falta de controle efetivo por parte do MPT dos valores remetidos aos Fundos, ausência de seu assento nos respectivos conselhos gestores22 (apenas o

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FDD tem um assento para o MPF, Dec. n. 1.306/1994, art. 3a, VII); ausência de recomposição dos bens lesados23, até a sua não aplicação adequada24 e inúmeras denúncias de malversações de verbas25.

Já está pacificado na doutrina a possibilidade de destinação do numerário tanto de TACs, quanto de ações promovidas pelo MPT às instituições públicas e mesmo privadas, sem fins de lucro, segue um estudo neste sentido:

"As importâncias derivadas desse tipo de condenação são carreadas a fundo especialmente criado para a recomposição dos danos difusos correlatos, e, em caso de inexistência deste poderão ir alternativamente, e a juízo do magistrado ou do membro do Ministério Público, para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), ou para entidades assistenciais e filantrópicas, sem fins lucrativos, que cuidam de crianças, adolescentes, idosos, desamparados e portadores de necessidades especiais."26

Na dimensão da praxis Ministerial a destinação destes valores para instituições públicas, ou mesmo privadas sem fins lucrativos (filantrópicas) que não os chamados "Fundos" (FAT, FDD, etc.) têm sido recorrentes, tendo havido inclusive cadastro de algumas instituições filantrópicas para tanto na PRT 2a Região27 e na 21a Região28.

Há diversos processos dignos de nota tais como o PAJ 003277.2016. 03.000/8 conduzido pelo Exmo. Dr. Procurador do Trabalho Geraldo Emediato de Souza (PRT-3a Região) processo judicial 0011958.19.2016.5.03.0032, que

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tramitou na 4a VT de Contagem-MG, autor MPT e réu Transportes Sarzedo Ltda.29.

Há também o processo n. 0307400-14.2009.5.12.0035 do MPT em Santa Catarina no qual bens foram revertidos à Associação Florianopolitana de Deficientes Físicos (AFLODEF) tendo atuado o Exmo. Dr. Procurador do Trabalho Acir Alfredo Hack, decorrente do acordo homologado pela 5a Vara da Justiça do Trabalho, de autoria MPT/PRT 21a Região contra o Santander S/A.

Também merecedora de citação foi atuação semelhante da Exma. Procuradora do Trabalho Dra. Ana Cláudia Gomes do Nascimento que reverteu a condenação em bens para semelhantes entidades no processo n. 0001074-68.2011.5.03.0140, que tramitou na 40a VT de BH/MG e processo n. 0002250-51.2012.503.0139 da 39a VT de BH/MG (PRT 3a Região), além de vários outros processos em âmbito de Brasil.

2.2. Posição da Câmara de Coordenação e Revisão - CCR do MPT e de PRTs

Importante também citar o posicionamento da Câmara de Coordenação e Revisão do MPT no ternário, que desde 2009 já tem decidido que os recursos oriundos de multas ou indenizações por danos trabalhistas coletivos, decorrentes de TACs, condenações ou acordos judiciais em ações civis públicas, que são destinados, em geral, ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), podem pela decisão do processo PGT/CCR/n. 8.002/2008, da CCR/ MPT, destinar-se para projetos de órgãos e entidades públicas ou privadas que prestam atendimento de cunho social ou assistencial. Segue o voto brilhante do Relator Exmo. Subprocurador Manoel Jorge Silva Neto que foi acatado pela CCR, em decisão mais recente de 2015:

"CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

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