Organização do Desporto, da Justiça Desportiva e Principais Aspectos Jurídico-Trabalhistas das Relações de Trabalho do Atleta Profissional nos Planos Individual e Coletivo

AutorAlexandre Agra Belmonte
Ocupação do AutorMinistro do Tribunal Superior do Trabalho. Doutor em Direito. Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho
Páginas33-66

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1. Desporto e Direito Desportivo

Desporto não é sinônimo de esporte. Quando se fala em praticar esporte, emprega-se a palavra no sentido de modalidade de exercício, jogo ou atividade física. Já o termo desporto significa a prática organizada do esporte, o esporte federado, o esporte regulamentado e organizado por federações, geralmente visando a competição.

2. Princípios fundamentais do desporto

O art. 217, da Constituição Federal estatui que é dever do estado fomentar praticas desportivas formais e não formais, como direito individual, observados os princípios da autonomia de organização e funcionamento das entidades desportivas dirigentes e associações; destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento; tratamento diferenciado para o desporto profissional e não profissional; e, a proteção e incentivo as criações desportivas nacionais.

Regulamentando a Constituição, a Lei n. 9.615/1998 estabelece que o desporto, como direito individual, tem como base os princípios norteadores:

· da soberania, caracterizado pela supremacia nacional na organização da prática desportiva, a fim de dar unicidade à organização e decisões desportivas;

· da autonomia, definido pela faculdade e liberdade de pessoas físicas e jurídicas organizarem-se para a prática desportiva, não cabendo ao Estado intervir na forma de organização do desporto;

· da democratização, garantido em condições de acesso às atividades desportivas sem quaisquer distinções ou formas de discriminação, pelo que não haverá distinção ou qualquer forma de discriminação por raça, sexo ou crença, para o livre acesso de condições nas atividades desportivas, com particular atenção aos indivíduos portadores de deficiências, por meio de programas de desenvolvimento desportivo adequados as respectivas necessidades;

· da liberdade, expresso pela prática livre e voluntária do desporto, de acordo com a capacidade e interesse individual, associando-se ou não a entidade do setor;

· da socialização, caracterizado pelo dever do Estado em fomentar as práticas e meios de acesso às práticas desportivas formais e não formais, assim com destinação de recursos para o desiderato;

· da diferenciação, consubstanciado no tratamento específico dado ao desporto profissional e não profissional, pelo que devem ser tratados de forma diferenciada os atletas praticantes de desporto profissional e não profissional;

· da identidade nacional, refletido na proteção e incentivo às manifestações desportivas de criação nacional e visando fomentar uma criatividade desportista própria no país, reconhecida a importância do Desporto como meio privilegiado de aproximação, de conhecimento mútuo, de fomento de amizade e criação de laços entre os participantes;

· da educação, voltado para a formação e desenvolvimento integral do homem como ser autônomo e para o exercício da cidadania e a prática do lazer, fomentado por meio da prioridade dos recursos públicos ao desporto educacional;

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· da qualidade, assegurado pela valorização dos resultados desportivos, educativos e dos relacionados à cidadania e ao desenvolvimento físico e moral;

· da descentralização, consubstanciado na organização e funcionamento harmônicos de sistemas desportivos diferenciados e autônomos para os níveis federal, estadual, distrital e municipal, visando a unidade dos sistemas autônomos de justiça desportiva nos níveis nacional, regional e local;

· da segurança, propiciado ao praticante de qualquer modalidade desportiva, quanto a sua integridade física, mental ou sensorial, por meio de um conjunto de medidas destinadas ao alcance dessa finalidade, entre elas a prestação de assistência médica especializada aos praticantes desportivos, através dos serviços de medicina do desporto; e,

· da eficiência, obtido por meio do estímulo à competência desportiva e administrativa, para tanto buscando, entre outros expedientes, o desenvolvimento e o aperfeiçoamento do processo de formação de quadro de profissionais capacitados na matéria desportiva.

A exploração e a gestão do desporto profissional constituem exercício de atividade econômica sujeitando-se assim à ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, com a finalidade de assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, e aos princípios que a orientam, definidos no art. 170, da Constituição Federal, além daqueles especificamente apontados no art. 2º, § 2º, da Lei n. 9.615/1998:

· da transparência financeira e administrativa;

· da moralidade na gestão desportiva;

· da responsabilidade social de seus dirigentes;

· do tratamento diferenciado em relação ao desporto não profissional; e

· da participação na organização desportiva do País.

3. Natureza e finalidade do desporto

Nos termos da lei, o desporto pode ser educacional, de participação e de rendimento.

Desporto educacional é o praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer.

Desporto de participação é o praticado de modo voluntário, compreendendo as modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente.

Desporto de rendimento é o praticado de modo profissional, segundo as regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações.

A classificação do desporto está contida nos princípios que lhe norteiam: sob o ponto de vista educacional, é voltado para a formação e desenvolvimento integral do homem como ser autônomo e para o exercício da cidadania e a prática do lazer; sob a ótica da participação, estimula a vida social, o exercício da cidadania, a qualidade de vida, por meio do desenvolvimento físico e moral dos participantes, além da integração do homem ao meio ambiente e sua preservação; sob a perspectiva do rendimento, é meio privilegiado de aproximação, de conhecimento mútuo, de fomento de amizade e criação de laços entre os participantes e as nações.

4. Direito do Trabalho Desportivo e natureza jurídica

Direito Desportivo é o conjunto de normas e princípios reguladores da organização e prática do desporto.

Essas normas e princípios estão inseridos na Lei Geral do Desporto, de n. 9.615/1998, com as alterações das Leis ns. 9.981/2000, 10.672/2003 e 12.395/2011.

A relação de trabalho desportiva é de natureza especial, assim como ocorre com outras categorias que têm normas próprias, em virtude das características especiais do vínculo. Mas as regras e princípios aplicáveis são os Direito do Trabalho

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e da CLT, naquilo que não colidam com as normas especiais. É o que dispõe o art. 28, § 4º, da Lei n. 9.615/1998: "Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da Seguridade Social, ressalvadas as peculiaridades constantes desta lei...".

Logo, não existe um Direito Desportivo do Trabalho e, sim, um Direito do Trabalho Desportivo nos planos individual e coletivo.

Consequentemente, submete-se às normas constitucionais e celetistas sobre negociação coletiva, organização sindical e instrumentos coletivos de ajuste das questões coletivas.

Ocorre que a relação desportiva tem duas disciplinas: a trabalhista e a desportiva, esta referente à parte organizacional e disciplinária, que conta, inclusive, com uma justiça administrativa própria.

Assim, no tocante à relação desportiva, trata-se de instituto de Direito que tem normatividade, princípios e justiça específicas, a justificar, diferentemente do Direito do Trabalho Desportivo, a sua autonomia.

5. Breve histórico da legislação desportiva

No período que vai de 1932 a 1945, o Estado...

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