Economia do desperdício, ecologia da destruição: historiografia, ambientalismo e o debate político contemporâneo

AutorDiogo de Carvalho Cabral
CargoUniversidade Federal do Rio de Janeiro
Páginas73-104
ECONOMIA DO DESPERDÍCIO, ECOLOGIA DA DESTRUI-ECONOMIA DO DESPERDÍCIO, ECOLOGIA DA DESTRUI-
ECONOMIA DO DESPERDÍCIO, ECOLOGIA DA DESTRUI-ECONOMIA DO DESPERDÍCIO, ECOLOGIA DA DESTRUI-
ECONOMIA DO DESPERDÍCIO, ECOLOGIA DA DESTRUI-
ÇÃO: HISTORIOGRAFIA, AMBIENTÇÃO: HISTORIOGRAFIA, AMBIENT
ÇÃO: HISTORIOGRAFIA, AMBIENTÇÃO: HISTORIOGRAFIA, AMBIENT
ÇÃO: HISTORIOGRAFIA, AMBIENTALISMO E O DEBAALISMO E O DEBA
ALISMO E O DEBAALISMO E O DEBA
ALISMO E O DEBATETE
TETE
TE
POLÍTICO CONTEMPORÂNEOPOLÍTICO CONTEMPORÂNEO
POLÍTICO CONTEMPORÂNEOPOLÍTICO CONTEMPORÂNEO
POLÍTICO CONTEMPORÂNEO1
Diogo de Carvalho Cabral2
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Resumo
O artigo propõe-se a (re) discutir, num sentido mais amplo, as relações entre a
História Ambiental e os movimentos ambientais. Para isto, faz-se necessária uma
análise crítica da historiografia nacional clássica, em particular daqueles autores
(como Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior) que serviram de maior
inspiração para os historiadores ambientais do final do século XX e início do XXI.
Esta linhagem de pensamento, identificada como a “noção da perdularidade eco-
lógica da socioeconomia colonial”, vem sendo desafiada, nos últimos anos, por
alguns estudiosos que assumem uma posição mais interacionista e antropocêntrica.
Defende-se que é nos termos deste movimento revisionista que a História
Ambiental deve renegociar o diálogo com os diversos tipos de ativismo político-
ecológico.
Palavras-chave: Economia colonial; Historiografia; História ambiental; Movi-
mento ambiental.
Abstract
The paper aims to (re) discuss in a larger framework the relations between
Environmental History and environmental movement. For this, it’s necessary a
critical analysis of the classic national historiography, in particular those authors
(like Sérgio Buarque de Holanda and Caio Prado, Jr.) who most inspired late-
20th-century and early-21th-century environmental historians. This lineage of
thought identified as the “notion of the ecological wastefulness of colonial
economy” has been challenged in recent years by some scholars who assume a
more interactivist and anthropocentric position. We defend it is in these terms
that Environmental History should renegotiate the dialogue with the various sorts
of political-ecological activism.
Key words: Colonial economy; Brazilian historiography; Environmental history;
Environmental movement.
74 REVISTA ESBOÇOS Nº 18 UFSC
Todas as coisas que vivem muito tempo embebem-se
gradativamente de razão, a tal ponto que sua origem
na desrazão torna-se improvável. Quase toda história
exata de uma gênese não soa paradoxal e ultrajante
para o nosso sentimento? O bom historiador não
contradiz continuamente, no fundo?
Friedrich Nietzsche, Aurora
“Se a história ambiental não conversa com o movimento ambiental, não
tem com quem conversar”, destacou o professor Guillermo Castro Herrera, há
poucos anos atrás.3 Embora eu acredite que o referido diálogo é tão necessário
quanto profícuo, discordo quanto à exclusividade do movimento ambiental como
interlocutor. Tão importante quanto o debate “externo” é o debate “interno” da
história ambiental. Em outras palavras, a história – enquanto disciplina acadêmi-
ca – precisa conversar (também) com a própria história, sob pena de empobreci-
mento do que os historiadores podem dizer (e ouvir) dos ambientalistas.
Neste sentido, as “novidades” trazidas pela história ambiental ao debate
historiográfico mais amplo têm de ser postas em perspectiva. Se não há dúvidas
quanto a algumas inovações temáticas, é preciso lembrar que refletir, num âmbito
geral, sobre “as interações que as sociedades do passado tiveram com o mundo
não humano, o mundo que não criamos em nenhum sentido primário”4 não é
nenhum apanágio dos anos 1970. Decerto que a formulação dos problemas, como
objetos historiográficos, ganhou contornos especialmente nítidos por esta época,
mas o pensamento e a investigação sobre as relações entre o meio biofísico e as
organizações sociais passadas já eram realizados desde há muito, inclusive no
seu suposto “berço” (os Estados Unidos da América).5 Se entendida como um
novo movimento de expansão da agenda historiográfica – que, com efeito, daria
continuidade ao legado annalista6 –, essa nova história precisa, contudo, revisar
criticamente o que “ficou para trás”, posto que nenhum sistema de conhecimento
erige-se sobre o vácuo. Como bem frisou o astrofísico Marcelo Gleiser, “para
1 Versão ampliada e modificada da comunicação “Teorias da devastação ecológica colonial na historio-
grafia brasileira contemporânea: algumas notas críticas”, apresentada no XXIV Simpósio Nacional de
História, realizado em São Leopoldo (RS), entre 15 e 20 de julho de 2007. Agradeço as valiosas críticas
e sugestões de Ely de Carvalho, Lise Sedrez e do(a) parecerista anônimo(a) da
Esboços
.
2 Núcleo de Pesquisas em Geografia Histórica (NPGH), Departamento de Geografia – IGEO/CCMN,
Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: diogocabral@superig.com.br
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Economia do desperdício, ecologia da destruição: historiografia,
ambientalismo e o debate político contemporâneo
que um cientista possa explorar novos territórios é necessário que tenha a cora-
gem de enfrentar os antigos”.7
No que concerne à nossa historiografia, esses “territórios antigos” identifi-
cam-se, principalmente, às grandes narrativas acerca da formação colonial bra-
sileira. O tema das relações sócio-ambientais sempre permeou, de uma forma ou
de outra, as narrativas históricas acerca da formação do Brasil, algo mais do que
esperado em se tratando de um processo desenrolado como uma grande expan-
são de fronteira moderna sobre uma natureza ainda pouco modificada pela mão
humana. Sem dúvida, conforme aponta J. A. Drummond, ninguém foi mais longe
do que Caio Prado Júnior, em seu Formação do Brasil contemporâneo, na
consideração conjunta de variáveis explicativas ambientais e sócio-econômicas.
“Infelizmente”, continua observando Drummond, “ele não criou uma escola que
desenvolvesse mais detalhadamente ou atualizasse as suas estimulantes análises
das relações entre recursos naturais e processos sociais nos tempos coloniais
brasileiros”.8 De acordo com Maria Yedda Linhares, isto foi produto da excepci-
onal brevidade do célebre encontro disciplinar entre a História e a Geografia que,
no Brasil, foi abortado pelo debate político, entre as décadas de 1940 e 60, sobre
as origens da sociedade brasileira e seus problemas.9
Este fato vem tendo uma imensa influência sobre as formulações dos pri-
meiros historiadores ambientais do Brasil-Colônia. Mais do que “testar” as teses
desses precursores – principalmente Caio Prado e Sérgio Buarque de Holanda –
como hipóteses, as quais foram formuladas num contexto de ainda parca utiliza-
ção de pesquisa primário-arquivística, as investigações dos historiadores ambien-
tais amiúde apenas vêm corroborar, muitas vezes por mera legitimação teórica
“atualizante”, os postulados desses pensadores de outrora. Afora a falência re-
corrente dos engenhos de açúcar coloniais por falta de lenha – antiga e consoli-
dada tese de Caio Prado empiricamente refutada por Warren Dean10 – os pes-
quisadores das duas últimas décadas do século XX não fizeram muito mais do
que ressaltar e endossar o que já havia sido dito muitos e muitos anos antes.
Quando propuseram novas interpretações, como o fez Carlos Castro11, a contes-
tação ficou no nível mais superficial do discurso, faltando uma demonstração
empírica realmente vigorosa.
Deste modo, atrevo-me a dizer que a história ecológica/ambiental brasilei-
ra expandiu o conhecimento de nosso passado colonial apenas quando explo-
rou territórios (temas) incógnitos, o mais proeminente exemplo sendo o estudo
de José Augusto Pádua12. Como nova abordagem aos problemas tradicionais,
todavia, pouco avançamos, de maneira que ainda permanecemos presos, numa
medida significativa, aos grilhões dos postulados de uma historiografia que, em-
bora clássica, já se faz datada.13 Com efeito, esse conjunto de interpretações e

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