O Despedimento por Extinção do Posto de Trabalho: Análise das Recentes Alterações Legislativas em Portugal

AutorCatarina Gomes Santos
Páginas115-131
O DESPEDIMENTO POR EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO: ANÁLISE
DAS RECENTES ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS EM PORTUGAL
Catarina Gomes Santos(1)
(1) Professora assistente convidada da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; Doutoranda em Ciências Jurídico-Empresariais
(2) Nas palavras de João Leal Amado, a prossecução de tais objetivos foi alicerçada pela Lei n. 23/2012 em “dois grandes eixos: o eixo da
redução/compressão dos custos empresariais e o eixo da ampliação das faculdades/poderes patronais de gestão da mão-de-obra”. – cfr.
João Leal Amado, “O despedimento e a revisão do Código do Trabalho: primeiras notas sobre a Lei n. 23/2012, de 25 de Junho”, in Revista
de Legislação e Jurisprudência, 2012, n. 3947, p. 297-309, p. 297
(3) “Considerando os motivos subjacentes à atribuição do subsídio de desemprego (…) verifica-se que, em 2015, a “caducidade do con-
trato de trabalho a termo” constitui a principal razão para a cessação de contrato de trabalho, sendo que este motivo representa cerca de
62,9% das atribuições de subsídio de desemprego. Segue-se a revogação do contrato de trabalho (“cessação por acordo”), que representa
cerca de 13,1%, e em terceiro lugar, o despedimento por extinção do posto de trabalho (8,7%).” - cfr. Livro Verde sobre as Relações
Laborais, Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Guilherme Dray, (coord.),
dezembro de 2016, p. 289
(4) Livro Verde sobre as Relações Laborais, cit., p. 294. Note-se, porém, que os aludidos dados estatísticos têm por base a atribuição de
prestações iniciais de desemprego, pelo que “não está assim, contemplado, o número total de cessações de contrato ocorrido no período
em análise, já que nem todos os trabalhadores são elegíveis para efeitos de atribuição de subsídio de desemprego” - idem, p. 219.
(5) Jorge Leite, Direito do Trabalho, Vol. II., Serviços de Acção Social da U.C., Serviço de Textos, Coimbra, 2004, p. 187-188. E, como
explica o Autor, isto é assim “mesmo quando seja nulo ou reduzido o grau de alegria ou de satisfação ou de realização que proporciona,
1. Introdução
O regime do despedimento por extinção do posto
de trabalho foi uma das matérias alteradas no âmbito da
Reforma Laboral Portuguesa operada em 2012, essencial-
mente corporizada na Lei n. 23/2012, de 25 de junho,
que, visando dar cumprimento aos compromissos assumi-
dos pelo Estado Português no quadro do “Memorando de
entendimento sobre as condicionalidades de política eco-
nómica” celebrado com a “Troika” (Comissão Europeia,
Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional),
em 17 de maio de 2011, teve por objetivos o fomento
da criação de emprego, o combate à segmentação do
mercado de trabalho, a promoção da competitividade das
empresas e a melhoria da produtividade laboral.(2)
No que ao despedimento por extinção do posto de tra-
balho concerne, as alterações legislativas visaram empreen-
der uma aproximação ao regime do despedimento coleti-
vo, através da eliminação da ordem legal de critérios de
seleção do trabalhador a despedir, deixando de se prever,
igualmente, a obrigação de oferecer ao trabalhador afeta-
do pela extinção do posto de trabalho um posto de traba-
lho alternativo compatível, quando disponível na empresa.
Tais alterações foram sujeitas ao escrutínio do Tribunal
Constitucional, que, no Acórdão n. 602/2013, de 20 de
setembro, as declarou inconstitucionais com força obriga-
tória geral, na sequência do que a Lei n. 27/2014, de 8 de
maio, veio conferir uma nova redação às normas objeto
da contenda, repondo, por um lado, o extinto dever de
reafetação e, por outro, consagrando um novo elenco de
critérios de seleção do trabalhador a despedir.
No presente texto pretende-se, assim, traçar uma pa-
norâmica geral do sinuoso caminho empreendido pela
legislação laboral portuguesa em relação à figura do des-
pedimento por extinção do posto de trabalho, cuja assi-
nalável relevância prática é confirmada pelos dados esta-
tísticos divulgados no recente “Livro Verde das Relações
Laborais de 2016”, e que revelam ter-se tratado da tercei-
ra causa de cessação do contrato de trabalho (depois da
caducidade do contrato a termo e do acordo revogatório,
por esta ordem(3)) e a modalidade de despedimento objeti-
vo mais usada no período em análise (“a grande distância
do despedimento coletivo e da inadaptação”).(4)
2. O Princípio da Segurança no Emprego
e o Despedimento Individual por causas
Objetivas
O despedimento, enquanto modalidade de cessação
do contrato de trabalho por iniciativa do empregador,
para além de desencadear o efeito jurídico de extinção
do vínculo contratual, significa para o trabalhador despe-
dido, nas sábias palavras de Jorge Leite, “a perda da sua
principal ou exclusiva fonte de rendimentos e transporta
consigo consequências de natureza psíquica, familiar e so-
cial que a política de assistência material no desemprego
dificilmente compensa e seguramente não apaga por mais
generosa que seja.”(5)
Livro Paulo Renato.indb 115 10/10/2018 11:02:57
116A Reforma Trabalhista
É certo que no séc. XXI o conceito (utópico?) do job for
life se encontra manifestamente ultrapassado e a perda do
emprego tende hoje a ser perspectivada com menor gravi-
dade, colocando-se o enfoque na ideia de “transição entre
empregos”, a reclamar do trabalhador um empoderamento
(empowerment) nessa gestão, assente na aquisição/ desen-
volvimento das necessárias ferramentas (skills), e dos gover-
nos a adoção de políticas de promoção da empregabilidade(6).
Porém, como adverte João Leal Amado, a atual volatili-
dade do mercado de trabalho não implica necessariamente
“que o ordenamento jurídico tenha de contemporizar com
despedimentos arbitrários, dispensando o empregador de
justificar a sua decisão extintiva e isentando esta última do
escrutínio judicial”, o que, aliás, no caso do ordenamento
jurídico nacional, se encontra vedado por força de princí-
pios constitucionais e internacionais que vinculam o Estado
Português: em concreto, o artigo 53º da CRP, o art. 4º da
Convenção n. 158 da OIT e o art. 30º da Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia.(7)
Resulta, desde logo, do princípio da segurança no
emprego, consagrado no art. 53º da CRP, inauguran-
do o Capítulo dos Direitos, Liberdades e Garantias dos
mesmo quando a tudo se sobreponha o sacrifício, a penosidade, o risco… a exclusão do trabalho provoca sempre no inactivo forçado
reflexos sociais e psicológicos negativos. O excluído do trabalho sente-se atingido na sua integridade pessoal, desalojado do lugar a que se
julga com direito no seio da sociedade, impedido de participar na produção da vida social e no funcionamento do sistema em que se quer
ver integrado.” - idem, p. 6
(6) AMADO, João Leal. Contrato de trabalho, noções básicas, 2. ed., Almedina, Coimbra, 2018. p. 306
(7) AMADO, João Leal. Contrato de trabalho, cit., p. 306-307
(8) Trata-se do bloco normativo que corporiza a denominada Constituição Laboral. Segundo Guilherme Dray, na base dos direitos fun-
damentais dos trabalhadores está o princípio da proteção do trabalhador: o desiderato constitucional visa a preservação de um núcleo
irredutível de direitos dos trabalhadores, no âmbito da relação de trabalho, com a salvaguarda da respetiva dignidade “enquanto cidadãos
que atuam no mundo do trabalho”. Cfr. Guilherme Dray, “O Direito do trabalho na jurisprudência constitucional da crise”, in Revista de
Direito e de Estudos Sociais, Ano LVI, janeiro – setembro de 2015, p. 160-161
(9) O direito à segurança no emprego goza do mesmo regime do restantes dos direitos, liberdades e garantias: “vinculam os poderes
públicos e privados (art. 18º), sendo como tal diretamente oponíveis aos próprios empregadores; as leis que se lhes refiram estão sujeitas
a reserva de competência legislativa da Assembleia da República (art. 165º, n. 1, alínea b)); e o seu regime deve ser respeitado pelas leis
de revisão constitucional (art. 288º, alíneas d) e e))”. – Guilherme Dray, “O Direito do trabalho na jurisprudência constitucional da crise”, in
Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano LVI, Janeiro – Setembro 2015, p. 158
(10) GOMES, Canotilho; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra,
2007, p. 707. Segundo estes Autores, o direito à segurança no emprego é expressão direta do direito ao trabalho (art. 58º da CRP), o
qual, na sua vertente positiva, consiste “no direito a procurar e a obter emprego” e, na sua vertente negativa, “garante a manutenção do
emprego, o direito a não ser privado dele.” - idem, p. 707
(11) AMADO, João Leal. Contrato de trabalho, noções básicas, 2. ed., Almedina: Coimbra, 2018, p. 309
(12) Com efeito, a inobservância do quadro legal determina a ilicitude do despedimento e a invalidade do mesmo, com a consequente indem-
nização do trabalhador por todos os danos (patrimoniais e não patrimoniais) causados (art. 389º, n. 1, al. a) do CT), o direito aos denominados
“salários intercalares ou de tramitação” (art. 390º do CT), e a respetiva reintegração no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da
categoria e antiguidade (art. 389º, n. 1, al. b) do CT), salvo as hipóteses de opção (livre) do trabalhador pela indemnização substitutiva da rein-
tegração (art. 391º do CT), ou de oposição patronal (legalmente condicionada e judicialmente escrutinada) à reintegração (art. 392º do CT).
A tutela de tipo reintegratório é, assim, prevista como a solução-regra, por se considerar a única compatível com a garantia constitucional
da segurança no emprego prevista no art. 53º da CRP. A solução alternativa, puramente indemnizatória, conduziria à “monetarização do
despedimento”, ao sistema do “despedimento pago”, permitindo ao empregador “aquilo que a CRP quer, manifestamente proibir – desem-
baraçar-se” do trabalhador apesar de não haver causa legítima de despedimento”. – Gomes Canotilho e Jorge Leite, “A inconstitucionalidade
da lei dos despedimentos”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Arruda Ferrer Correia”, Boletim da Faculdade de Direito
de Coimbra, 1988, p. 51-52. Questionando a constitucionalidade da oposição patronal à reintegração do trabalhador ilicitamente despedido,
Gomes Canotilho e Vital Moreira advertem para o risco de se “premiar o infrator”. – cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa Anotada, cit., p. 708. No mesmo sentido, João Leal Amado, esclarecendo os termos operativos desta figura que apelida
significativamente de “resolução patronal de exercício judicial”, considera que “ainda que não chegue para destruir a regra do direito à reinte-
gração, não deixa, em todo o caso, de corroer o pilar reintegratório da garantia constitucional da segurança no emprego e de implicar alguma
perda de pujança do princípio da invalidade do despedimento contra legem.” - cfr. João Leal Amado, Contrato de Trabalho, cit., p. 369 - 377
(13) Confrontando o regime legal português, assente na invalidade do despedimento ilícito, determinante da reintegração do trabalhador,
com o regime jurídico brasileiro, é possível concluir pela adoção, ao menos na prática, de modelos diametralmente opostos. Com efeito,
Trabalhadores (bloco normativo que corporiza a denomi-
nada “Constituição Laboral”(8)), que é “garantida aos tra-
balhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os
despedimentos sem justa causa, ou por motivos políticos
ou ideológicos”(9). Desta norma decorre, no ensinamento
de Gomes Canotilho e Vital Moreira, a “negação clara do
direito ao despedimento livre ou discricionário por parte dos
empregadores em geral, que assim deixam de dispor das re-
lações de trabalho, porquanto “uma vez obtido um empre-
go, o trabalhador tem direito a mantê-lo, salvo justa causa,
não podendo a entidade empregadora pôr-lhe fim por sua
livre vontade”, o que representa, consequentemente, “uma
alteração qualitativa do estatuto do titular da empresa en-
quanto proprietário, empresário e patrão.” (10)
Deste modo, no ordenamento jurídico português, o em-
pregador não é titular de um direito subjetivo (em sentido
estrito) de despedir, mas antes de um “direito potestativo
extintivo da relação jurídico-laboral”(11), na medida em que o
despedimento apenas será válido se se fundar nos motivos
legalmente previstos, sendo que a invalidade do despedi-
mento determinará, como solução-regra, a reintegração do
trabalhador (art. 389º, n. 1, al. b) do CT). (12) / (13)
Livro Paulo Renato.indb 116 10/10/2018 11:02:57

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