A desjudicialização da alteração do nome e do gênero no registro civil da pessoa transexual

AutorGiorge André Lando - Roberta Julliane de Lima Santos Lira
CargoPós-Doutor em Direito pela Università Degli Studi di Messina, Itália - Bacharela em Direito pela Universidade de Pernambuco, UPE
Páginas15-46
Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito
Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba
V. 9 - Nº 02 - Ano 2020
ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index
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Giorge André Lando1
Roberta Julliane de Lima Santos Lira2
Abstract: This present work aims to
analyses the recent process of non
judicialization of changing name and
gender in official state papers of
transgender people in Brazil, made
possible by the advent of the Supreme
Court decisions, resulting from the
Unconstitutionality Directive (ADI)
4275 and Provision n º 73 from CNJ. To
this end, 15 (fifteen) Natural Natural
Person Registry Offices of the city of
Recife were elected and delimited as the
field of action of this study, seeking to
demonstrate in practice the effects of
living law. In this sense, the perspective
with personality rights, sexual dignity,
individual self-determination and the
right to real truth will be approached as
elements whose influence is intrinsic to
the guarantee of fundamental rights that
1 Pós-Doutor em Direito pela Università Degli Studi di Messina Itália. Doutor em Direito pela Faculdade
Autônoma de Direito de São Paulo FADISP. Professor Adjunto da Universidade de Pernambuco UPE.
Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação de Direitos Humanos PPGDH da Universidade
Federal de Pernambuco UFPE. Pesquisador Visitante Sênior da Fiocruz - Piauí.
giorgelando.gl@gmail.com
2 Bacharela em Direito pela Universidade de Pernambuco UPE, campus Benfica em Recife - PE. Perita
Papiloscopista na Secretaria de Defesa Social do Estado de Pernambuco. robertalimasantos@gmail.com
guide the dignity of the human person.
Moreover, within the precepts of a
democratic and progressive society, it is
clear that the maintenance of legal
constraints that deprive the trans
individual of living fully his right to
identity.
Keywords: Dignity of the transgender
person. Non Judicialization of name and
gender. Body Self determination.
Introdução
Os movimentos de
democratização representativa e a
ampliação das esferas de debate sobre os
direitos das minorias emergiram a luta de
grupos minoritários que muito
sofriam/sofrem diversos tipos de
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agressões aos seus direitos essenciais,
através de decisões judiciais no sentido
de perpetuação de preconceitos e
negativas de direitos. Porquanto,
qualquer outra forma de percepção que
fuja ao majoritário social, sendo esse
estruturado pela heterossexualidade
normativa, tende a sofrer os mais
diversos tipos de preconceitos e
estigmas. Nessa esteira, a causa das
pessoas trans, dentro do dinâmico
universo dos LGBTQI+, mostra como a
efetivação de direitos pode ser cerceada
por uma cultura essencialmente
heteronormativa, tal qual é a
conservadora sociedade brasileira.
Assim, considerando esse
panorama, a discussão que esse trabalho
pretende trazer refere-se à análise do
processo de desjudicialização da
alteração do prenome e do gênero nos
Registros Civis da pessoa transgênero,
especialmente, analisando os efeitos
desse fenômeno nos Cartórios de
Registro de Pessoas Naturais da cidade
do Recife/PE, depois da adoção do
Provimento CNJ nº 73/2018 e decisão
histórica do Supremo Tribunal Federal -
STF sobre Ação Direta de
Inconstitucionalidade - ADI 4275/2009.
Para tanto, este trabalho utilizou
a metodologia de análise dos dados
qualiquantitativos, tendo sido coletados
através de informações enviadas pelos
Cartórios de Recife, autorizados pela
Corregedoria Auxiliar dos Serviços
Notariais e de Registro da Capital do
Poder Judiciário de Pernambuco.
Também, foi aplicada a técnica de
revisão bibliográfica de pertinência
temática, a qual corroborou de maneira
holística para avaliação qualitativa dos
dados supracitados. Seguindo, no
primeiro capítulo foram abordados
retrospectos históricos da
despatologização das pessoas trans,
assim como sexualidade, construção de
gênero e dignidade da pessoa.
Já o segundo capítulo, trouxe à
tona temas como autonomia privada e
autodeterminação corporal dentro do
direito brasileiro, perpassando pelas
cirurgias de redesignação, além de breve
retrospecto de decisões judiciais a
respeito do tema.
Por último, o terceiro capítulo
tratou do direito à identidade e da
extrajudicialização da alteração do nome
e nero, como também, foram
apresentados os dados que motivaram a
realização do presente trabalho.
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Despatologização da pessoa
transgenêro
As questões que envolvem
transgêneros sempre suscitaram muitos
questionamentos e polêmicas a cerca dos
seus direitos, bem como, por muito
tempo, sofreram sob o pesado estigma de
terem sua condição identitária coligada a
possíveis transtornos psíquicos ou de
imagem. De acordo com Castel (2001, p.
80), o histórico da patologização da
transexualidade pode ser divido em 04
(quatro) fases.
A primeira delas remonta às
origens da sexologia, tendo por um dos
expoentes o sexólogo Magnus
Hirschfeld, um dos primeiros
pesquisadores que iniciou estudos
científicos em prol da despenalização da
homossexualidade, nos primórdios do
século XX (CASTEL, 2001, p. 80).
Já a segunda fase, caracterizou-
se pelo veloz desenvolvimento médico e
científico, sendo eles catalisados pelos
eventos da Segunda Guerra Mundial,
ainda em consonância com Castel (2001,
p. 86), os quais permitiram o
desenvolvimento de técnicas com
aplicação de hormônios e cirurgias
estéticas.
Quanto a terceira fase, para o
mesmo autor, vai do final da Segunda
Guerra até meados dos anos 60, engloba
um período de inúmeros eventos que
contribuíram para a medicalização dos
transexuais à força, a exemplo do caso
Jorgensen, ex-soldado americano que
submeteu-se a cirurgia de mudança de
sexo bem sucedida da história,
transformado em Christine, em 1952
(CASTEL, 2001). Nesta senda, de
acordo com Arán e Murta (2009, p. 24),
a cerca desse evento, dispõem que
A cirurgia realizada em Georges
Jorgensen, que se tornou Christine
em 1952, foi um marco para a
definio da experincia da
transexualidade tal como a
compreendermos hoje. A
midiatizao da histria de
Jorgensen, operado por Christian
Hamburger na Dinamarca e
posteriormente atendido por Harry
Benjamin nos Estados Unidos, vai
contribuir enormemente para a
reflexo sociolgica sobre a
identidade sexual e a construo
da categoria de gnero.
... este caso ilumina um conjunto
de acontecimentos que
revolucionou a forma de
compreender a relao entre sexo e
gnero no mbito cientfico.
O caso de Christine, acima
supracitado, relembra a história do livro
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Ebershoff, que deu origem ao filme, no

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