Desenvolvimento Sustentável e as Funções dos Contratos Agrários

AutorCassiano Portella Ceresér
Páginas165-174

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4. 1 Algumas considerações acerca do desenvolvimento sustentável

A elaboração do conceito de desenvolvimento, assim como a conscientização da questão ambiental, não surge do acaso. Ele formaliza-se mediante um processo gradativo de construção, enfrentando obstáculos impostos por setores da própria sociedade que, preocupados com a obtenção de lucros exorbitantes, não estão dispostos a remodelarem sua forma de atuação.

Nessa linha, o desenvolvimento aqui analisado não pode ser visto como um fato isolado, completamente alheio as transformações contemporâneas. Deve ser visto como o é: um processo histórico. Logo, o desenvolvimento reflete todas as condições sociais, culturais, econômicas, políticas e institucionais de uma sociedade num determinado momento histórico166.

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É bem verdade que as primeiras noções acerca do desenvolvimento sustentável remontam o ano de 1972, período em que ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Tal evento realizou-se em Estocolmo e pode ser considerado como o marco inicial dos debates relativos ao desenvolvimento sustentável, pois ali fora proposto um novo modelo de desenvolvimento denominado "ecodesenvolvimento". Contudo, até aquele momento, não se havia chegado a um conceito de desenvolvimento sustentável167.

Nesse contexto, o conceito de desenvolvimento sustentável começou a ser efetivamente traçado em 1983, momento em que a ONU, através de uma Assembleia Geral, encarregou a primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, de criar e presidir uma comissão especial com o intuito de definir uma agenda de mudanças, de cunho global. Mais de três anos de trabalho depois, em 1987, a Comissão Brundtland divulgou o relatório conhecido como "Nosso Futuro Comum". No aludido informe, inúmeras questões inerentes ao desenvolvimento e a sua forma de efetivação foram apresentadas. E, dentre elas, estava a primeira conceituação oficial de desenvolvimento sustentável168.

Segundo este documento169, o desenvolvimento considerado sustentável170é aquele que se efetiva de forma a atender as neces-

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sidades atuais da sociedade sem que com isso se comprometa o seu futuro, garantido às próximas gerações a possibilidade de as mesmas atenderem as suas próprias necessidades. Propõe, assim, não apenas uma conscientização de dimensões globais, como também procura salvaguardar os recursos naturais renováveis, garantindo a subsistência humana no planeta171.

No Brasil, os debates acerca do desenvolvimento sustentável não ficaram restritos a discursos políticos e obras doutrinárias. Tal conceito ganhou a dimensão devida ao ser consignado na Carta

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Constitucional, em seu artigo 3º, inciso II172. Nele, o legislador constitucional teve o cuidado de contemplar o desenvolvimento sustentável como o modelo de desenvolvimento a ser adotado no país, uma vez que o conceito e os demais princípios ali contidos estão em consonância com as disposições internacionais já referidas173.

Deve-se ter, contudo, que o mundo moderno é extremamente dinâmico, em constante construção. A globalização acaba por efetivar uma troca de informações de incrível velocidade, acarretando uma transposição de culturas até então inimaginável. O mercado caminha a passos largos, devorando economias e submetendo governos aos seus próprios devaneios. E, nessa ótica, os conceitos e até mesmo os direitos devem acompanhar tal evolução, sob pena de ficarem submetidos ao crivo econômico, ou até mesmo de desaparecerem.

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Evidente, portanto, que o conceito de desenvolvimento sustentável anteriormente apresentado não se guarnecia mais de aplicabilidade no mundo atual. Todavia, o mesmo não permaneceu estanque. Pelo contrário; ainda está em processo de construção, acompanhando as constantes alterações do processo evolutivo.

Sob esta ótica, o desenvolvimento, da forma como vinha sendo disposto, não se realizava de forma sustentável. O aspecto econômico, consubstanciado nos meios de produção e na busca desenfreada pelo lucro, era incompatível com a proteção ambiental e com a qualidade de vida que são inerentes à sustentabilidade do desenvolvimento. Além disso, o mesmo não permitia a realização de uma justiça social, elevando os índices de pobreza e de desigualdades sociais.

Dessa forma, para que se agregue a sustentabilidade174ao desenvolvimento faz-se necessário que a utilização dos recursos naturais se dê de forma ponderada, racional, sem que isso culmine em degradação ambiental, fato que poderia levar à escassez de matéria prima essencial à subsistência humana. Além disso, a exploração da atividade econômica não pode acarretar a exclusão social, tampouco trazer a pobreza. Ela deve também ser compatível com a questão social, efetivando uma verdadeira justiça so-

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cial. Enfim, somente com a observância de tais aspectos é que se poderia falar em um verdadeiro desenvolvimento sustentável175.

Nesse sentido, alguns doutrinadores176têm trabalhado um novo conceito de desenvolvimento sustentável, intitulado "os três pilares". Esses pilares correspondem à justiça social, à qualidade ambiental e à prosperidade econômica. Cada um deles guarda uma relação de dependência para com o outro, no sentido de complementação. No entanto, cada um se movimenta de forma independente. Essa independência de locomoção está centrada no fato de que cada um dos pilares encontra a sua razão de ser em si mesmo, não necessitando do auxilio ou existência de outro para que se efetive, in concreto. Devido a isso, nem sempre percorrem os mesmos caminhos177.

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Por conseguinte, o desafio da sustentabilidade está centrado na promoção do equilíbrio entre os pilares, de forma que estes percorram um caminho comum. Caminho, este, a ser trilhado pelos pilares de forma concomitante, isto é, em sinergia, pois a prevalência de um dos pilares sobre os demais poderia culminar numa sobreposição que inviabilizaria o desenvolvimento de forma sustentável. Logo, a sinergia entre os pilares é questão essen-cial à efetivação do desenvolvimento sustentável178.

Recentemente, parte da doutrina acresceu aos três pilares acima mencionados um quarto pilar: o respeito às culturas locais179.

Tal pilar emana do fato de que essas comunidades detêm conhecimentos de imensurável valia ao desenvolvimento humano...

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