O Desenvolvimento do Conceito de Culpabilidade

AutorFrederico Magno de Melo Veras
Páginas17-23

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O vocábulo culpa deriva do latim, com a significação de delito ou falta, sendo comumente empregado para designar um dano, mal ou desastre causado a outrem.

Nos primórdios do direito penal, a culpa legitimava penas que possuíam um caráter fiagrantemente intimidatório, conclusão esta que se pode extrair tanto das espécies de pena então aplicáveis e da parcialidade dos julgamentos, quanto da extensão daqueles que estavam sujeitos ao cumprimento da pena, que atingia também a família do culpa-do. Mesmo no século XVIII, existiram penas que incluíam a infâmia sobre os descendentes do condenado. A culpa penal do passado lembra a culpa civil atual, em razão da qual, podem ser responsabilizados o agente, seu empregador e seus herdeiros em caso de morte.

Ao tempo em que a vingança privada era a regra, o ato criminoso autorizava a perseguição do agente e, eventual-mente, daqueles que fossem de seu clã. Para certos tipos de delito, obtinha-se a paz social pelo pagamento de uma indenização material, a significar que o agente poderia pagar pelo seu erro.

Mesmo em sociedades primitivas, a função de intimidação pelas penas só faria sentido quando houvesse a possibilidade de o agente evitar a prática do ato, pois, sendo a

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conduta inevitável, não faria sentido punir penalmente, visto que, além de a pena não surtir efeito em termos sociais, perturbaria a paz social.

Os romanos faziam a distinção entre o dolus bonus e o dolus malus, sendo que o primeiro estava relacionado à obtenção de uma vantagem ilícita, levando-se a vítima ao engano, ao erro. Já o dolus malus designava uma intenção mais gravosa, a qual perversamente buscava a realização de um ato criminoso.

Na Idade Média, houve uma volta a essa distinção entre o dolus bonus e o dolus malus, em face da redescoberta do direito romano e da infiuência do direito canônico. A infiuência de tal distinção se fez sentir até o século XIX5. A partir daí, houve muitas controvérsias sobre a possibilidade do livre-arbítrio na ação humana e do grau deste, figurando, num outro pólo, uma visão determinista da ação humana6.

Na concepção psicológica da culpa, o seu verdadeiro núcleo "seria o dolo ou a imprudência, como duas formas distintas de relação psíquica entre o autor e o fato"7. A concepção psicológica do crime não constitui um avanço no Direito Penal, antes, ao contrário, eis que a noção romana e medieva da culpabilidade, que empregava o dolus bonus e o dolus malus, possuía certos conceitos normativos limita-

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dores das situações de culpa, como o error invencibilis e a ignorantia crassa.

Não foi possível à concepção psicológica da culpa dar resposta à culpa inconsciente, na qual o agente não previu e não desejou a ocorrência do dano. Também não se respondeu satisfatoriamente ao erro de fato e, ao colocar-se a culpa no psiquismo do agente, tornou-se difícil proceder a um exame seguro dela.

Quando FRANK edita a sua obra Über den Aufbau des Schuldegriffs ("Estrutura do Conceito da Culpa"), em 1907, coloca em evidência outra faceta da culpa, passando esta a ser vista como um juízo de reprovabilidade ou censurabili-dade do ato. A teoria de FRANK foi abraçada e desenvolvida por MEZGER, para o qual, na "concepção normativa, a culpabilidade é, pois, essencialmente um juízo de reprovação ao autor do fato, composto...

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