O desencontro entre direito à informação e direito à verdade: análise das práticas da Controladoria-Geral da União

AutorMarcio Camargo Cunha Filho
CargoBacharel em Direito e Mestre em Ciência Política, ambos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Páginas91-107
O Desencontro entre Direito à Informação
e Direito à Verdade: Análise das Práticas da
Controladoria-Geral da União
The Mismatch Between the Right to Information and
the Right to Truth: An Analysis of the Practices of the Oce
of the Comptroller General of the Federal Government
Marcio Camargo Cunha Filho*
Universidade de Brasília – UNB, Brasília-DF, Brasil
1. Introdução
Leis de acesso à informação são comumente vistas como um instrumento
de justiça de transição, conceito que abarca um conjunto de métodos por
meio dos quais uma comunidade que sofreu graves violações de direitos
fundamentais tenta se distanciar do passado, garantindo justiça aos que so-
freram repressão do Estado1. Os objetivos centrais destas leis são promover
a abertura do Estado e garantir às vítimas de violações de direitos funda-
mentais e aos seus familiares o direito à verdade, ou seja, o direito de co-
nhecer fatos anteriormente tratados como sigilosos. Portanto, leis de aces-
so à informação constituem não apenas reformas institucionais destinadas
a tornar o Estado mais democrático, mas também formas de reparação, ou
“um primeiro passo na promoção da justiça e da reparação, sobretudo após
períodos de autoritarismo”2. A associação entre o direito à informação e o
direito à verdade é também enfatizada pelas autoridades brasileiras e por
organismos internacionais, conforme analiso mais adiante.
* Bacharel em Direito e Mestre em Ciência Política, ambos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Doutorando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e Analista de Finanças e Controle da
Controladoria-Geral da União. E-mail: marciocunhaf‌ilho@yahoo.com.br.
1 Méndez, 2012, p. 1271.
2 La Rue, 2013, p. 3, tradução livre.
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Marcio Camargo Cunha Filho
A transição brasileira é comumente vista como um processo lento e
gradual. Se por um lado estas características f‌izeram de nossa democratiza-
ção um processo pacíf‌ico – ao menos se comparado com os vizinhos sul-
-americanos –, por outro impediram, em um primeiro momento, reformas
institucionais importantes para que o país deixasse def‌initivamente de lado
uma fase obscura de sua história. Acredito que a promulgação da Lei de
Acesso a Informação, em 2011, é um exemplo de reforma institucional tar-
dia no âmbito da Justiça de Transição brasileira. Tendo isso em vista, meu
objetivo central neste artigo será demonstrar que a Lei, aprovada tantos
anos após o término do período ditatorial, se desvinculou de seu objetivo
originário e se tornou um instrumento pouco efetivo de concretização do
direito à verdade em relação às violações de direitos humanos.
Para comprovar este argumento, após analisar em mais profundidade
a relação entre informação e busca à verdade, problematizo o discurso e a
interpretação conferidos à Lei pelos órgãos de cúpula do Poder Executivo
federal responsáveis pela efetividade da Lei. Meu foco de análise será a
Controladoria-Geral da União (CGU), órgão que tem as atribuições de jul-
gar recursos contra negativas de acesso à informação no âmbito do Poder
Executivo federal e de promover campanhas de conscientização sobre a
Lei. Também analiso brevemente o papel da Comissão Mista de Reavalia-
ção de Informações (CMRI), órgão responsável por consolidar interpre-
tações sobre questões controversas acerca da Lei por meio de súmulas e
orientações normativas. Demonstro que a CGU não realiza, em sua co-
municação com o público, tentativas de vincular o direito à informação
ao direito à verdade, ao passo que tanto CGU quanto CMRI têm proferido
decisões que distanciam estes dois direitos, indo em sentido contrário a
orientações internacionais sobre o tema.
2. Direito à informação e direito à verdade
O direito de acessar informações públicas está previsto em diversos trata-
dos internacionais3 e é constitucionalmente protegido em diversos países.4
3 Os principais exemplos são a Declaração Universal dos Direitos dos Homens (art. 19), a Convenção
Interamericana de Direitos Humanos (art. 13), a Convenção Interamericana contra a Corrupção (art. 3º,
V), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 19, II) e a Convenção das Nações Unidas contra
a Corrupção (art. 10).
4 Somente para citar exemplos do continente americano, pode-se mencionar que este direito está
expressamente previsto nas Constituições de Colômbia (arts. 20, 23 e 74), Costa Rica (art. 30), Equador
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