Desconsideração da personalidade jurídica

AutorCarlos Alberto Reis de Paula
Páginas247-251

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Noções introdutórias

Ao acolhermos o convite dos organizadores desta obra coletiva que homenageia, com absoluta justiça, a professora e jurista Gabriela Delgado, recuperamos apontamentos que tínhamos sobre a desconsideração da personalidade jurídica, em atenção aos limites de tempo e de conteúdo a serem seguidos.

Ao procedermos à reflexão sobre a desconsideração da personalidade jurídica, adentramos no campo das obrigações, de extrema relevância no universo dos atos e negócios jurídicos.

Uma vez constituída regularmente, a pessoa jurídica adquire a personalidade e passa a ser sujeito de direitos e obrigações nas relações jurídicas. Nessa linha, temos que dois são os tipos de responsabilidade que os sócios ou acionistas podem assumir quando integrantes de quadro social: limitada ou ilimitada. Na primeira hipótese, integralizado o capital social ou subscritas as ações, é a sociedade que responderá pelos atos praticados. Na segunda hipótese, as pessoas físicas acabam por assumir responsabilidade solidária juntamente com a sociedade.

De acordo com a teoria alemã, que estruturou a reflexão sobre dívida e responsabilidade, em toda obrigação, há de se diferenciar o débito - compromisso que o devedor assume de cumprir a obrigação - da responsabilidade, que é o vínculo patrimonial de sujeição dos bens do devedor para satisfação do credor.

O devedor é o responsável primário pela obrigação assumida, a qual deverá ser cumprida espontaneamente. Caso não o faça, o credor pede ao Estado que retire do patrimônio de devedor o montante suficiente.

A norma processual pode ir mais longe trazendo a previsão de responsabilização de pessoas que, embora não sejam devedoras, conservam responsabilidade sobre os atos praticados pelo devedor em situações definidas em lei, como consagrado no art. 596 do CPC. Surge, então, o responsável secundário.

Chamado a responder pela obrigação, o responsável secundário pode indicar bens da sociedade, sitos na mesma comarca, livres e desembargados, quantos bastem para pagar o débito. É o denominado benefício da excussão.

Na doutrina e na jurisprudência emerge uma divergência sobre a situação jurídica do responsável secundário, ser ele terceiro ou apenas sujeito passivo.

Na lição do Ministro Teori Zavascki, há um redirecionamento no processo, na fase de execução, pelo que se ingressa como sujeito passivo. A razão de ser é que não se trata de obrigado, mas de responsável, por força do art. 592 do CPC, sendo este o entendimento prevalente (Comentários ao Código de Processo Civil: do processo de execução, arts. 566 a 645, coordenação de Ovídio Araújo Baptista da Silva).

A discussão vai se aprofundar com o novo CPC de 2015, que entrará em vigor no próximo ano.

O instituto da desconsideração da personalidade jurídica foi inserido como espécie do gênero intervenção de terceiros, sendo qualificado como incidente. Como bem salienta Flávio Luiz Yarshell:

Visto sob essa ótica, o responsável patrimonial de que aqui se cogita (e que não seja devedor) realmente não está presente na relação jurídica processual. Se e quando for trazido para o processo ele perderá a qualidade de terceiro e tecnicamente passará a ser qualificado como parte (sujeito em contraditório perante o juiz). Além disso, esse terceiro é titular da relação jurídica que não é exatamente o objeto do processo em que originado seu ingresso. Ele (terceiro) é titular de relação conexa àquela posta em juízo, relação essa passível de ser atingida pela eficácia da sentença ou decisão proferida entre outras pessoas. Neste caso, a relação jurídica de que é titular o terceiro implica a sujeição de seu patrimônio aos meios executivos, por força de débito ostentado por outra pessoa (devedor). (. Acesso em: 4 maio 2015.)

Assim posta a questão, há de se admitir que pode ocorrer que se requeira a inclusão do responsável desde logo na petição inicial, hipótese em que a pretensão da desconsideração passará a integrar o objeto do processo. Obviamente que haverá pretensões distintas, uma relativa ao débito, outra relativa à responsabilidade decorrente da desconsideração.

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Se o juiz acolher essa última, reconhecerá a responsabilidade patrimonial. Trata-se, pois, de demanda (que será incidental ou não) resultante do exercício do direito de ação.

Reflexões sobre a pessoa jurídica

Quando se afirma que homem (ou mulher) é pessoa, quer se dizer que pela própria natureza é capaz de adquirir direitos, obrigações e deveres nas diversas relações jurídicas ou sociais.

Já a pessoa jurídica, para a sua criação e constituição, depende da vontade humana, e a pessoa que emerge pode ter finalidades diversas.

O Código Civil de 2002 deu nova feição ao instituto das pessoas, deixando de fazer a distinção entre pessoa física e jurídica e passou a permitir o melhor enquadramento das pessoas jurídicas.

Ao proceder à análise da sociedade em que vivemos, Max Weber pondera que é uma "sociedade que busca o lucro reno-vado por meio da empresa permanente, capitalista e racional" (A ética protestante e o espírito do capitalismo. Trad. Pietro Nassetti, São Paulo: Martin Claret, 2001. p. 24). Na estruturação da sociedade, o papel da pessoa jurídica ganha relevo.

No mundo capitalista, interessa ao Estado a criação de pessoas jurídicas. Não só as que visem obter lucro, pois há pessoas que vão exercer e desenvolver o papel social e assistencial que o próprio Estado deveria desempenhar, prioritariamente.

A pessoa jurídica adquire personalidade com a inscrição de seus atos no registro próprio, mas se admitem as sociedades em comum (ou de fato), as quais são sujeitos de direitos e obrigações, embora não dotadas de personalidade.

Adesconsideração da personalidade jurídica

O instituto da desconsideração da personalidade jurídica tem por finalidade penetrar no âmago da personali-dade para se encontrar seus sócios ou administradores a fim de responsabilizá-los por atos praticados por meio da pessoa jurídica.

Há uma distinção entre despersonalização e desconsideração. Na primeira, anula-se a personalidade jurídica, fazendo-a desaparecer, como no caso de invalidade do contrato social. Na segunda, desconsidera-se sem negar a personalidade.

O desenvolvimento do...

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