O Descompasso entre a Definição de Trabalho 'Uberizado' e a Realidade do Trabalho dos Motoristas de Uber

AutorAna Paula Silva Campos Miskulin; Daniel Bianchi
Páginas184-201
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Guilherme Guimarães Feliciano; olívia de Quintana FiGueiredo PasQualeto (orGanizadores)
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(2)
Introdução

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Seria a Uber, de fato, um exemplo de modelo de negócio típico de “economia compartilhada”
ou, ao contrário, seria uma distorção desse novo fenômeno social? É realmente possível admitir a
tese de que a Uber não passa de um aplicativo que conecta (intermedeia) passageiros a motoristas
ou, ao contrário, trata-se, simplesmente, de uma empresa multinacional que, utilizando promessas
ctícias, recruta pessoas que estão à procura de trabalho ou de renda extra? É possível fazer apenas
trabalhos esporádicos e eventuais para a Uber, com a nalidade de obter uma renda extra, ou esse
tipo de trabalho faz com que a pessoa se submeta a longas jornadas para compensar os custos com
a manutenção do carro, do aparelho celular e, muitas vezes, desgaste da sua própria saúde? O
trabalho de motorista de Uber se enquadra na chamada “economia de bico” tanto quanto aquele
que faz “renda extra” por meio do AirBnb ou da Amazon?
Essas e outras questões vêm orientando a nossa pesquisa sobre o assunto. Obviamente, não
pretendemos apresentar aqui respostas denitivas para elas, mas desenvolver algumas breves
reexões inspiradas nelas.
Vale ressaltar que este texto retrata o exato momento em que se encontra a pesquisa que
vimos realizando, desde agosto de 2016, no “Núcleo de estudos ‘O trabalho além do Direito do
Trabalho: Dimensões da clandestinidade jurídico-laboral’” (NTADT)(3), sobre as condições dos
(1)  Juíza do Trabalho do TRT da 15ª Região. Mestranda em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo.
Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Federal de Goiás e integrante do Núcleo de Estudos
“O Trabalho Além do Direito do Trabalho: dimensões da clandestinidade jurídico-laboral” da Faculdade de Direito da
USP. : anapaulasilvacampos1@terra.com.br.
(2)  Advogado. Mestre em Ciência Política pela FFLCH-USP e especialista em Direito do Trabalho pela FD-USP, além
de membro pesquisador do GPTC (Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital) e do NTADT (Núcleo de Estudos “O Tra-
balho Além do Direito do Trabalho: dimensões da clandestinidade jurídico-laboral”, ambos da Faculdade de Direito
da USP. : daniel.bianchi@usp.br.
(3)  Institucionalmente vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD-USP) e coordenado pelo
Professor Dr. Guilherme Guimarães Feliciano.
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homens e mulheres que se cadastram no site da empresa Uber com a nalidade de atuarem como
motoristas. Como sugere o próprio nome do núcleo de estudos, a ideia inicial era elaborar um
estudo que fosse além da abordagem meramente jurídica do fenômeno, buscando compreender, de
forma crítica, a complexidade das relações de trabalho que, pelo menos, aparentemente, escapam
daquelas que tradicionalmente são objeto do Direito do Trabalho.
Convém destacar, também, que, seguindo o cronograma do NTADT, a pesquisa se encontra
em fase de desenvolvimento de sua primeira etapa, centrada em uma aproximação teórica em
relação ao fenômeno da uberização e da atividade dos motoristas da Uber. Em um segundo mo-
mento, passaremos a uma abordagem empírica, para conhecer melhor os estratos de realidade
social que compõem as organizações e as atividades laborais próprias da dimensão de traba-
lho semiclandestino dos trabalhadores “uberizados”, em particular dos motoristas da empresa
Uber.
Para o desenvolvimento da pesquisa nos amparamos rmemente nos pressupostos e na pers-
pectiva proposta pelo núcleo de estudos e também no seu acúmulo teórico. Com isso, esperamos
abordar o tema de uma maneira que reduza as diculdades de conciliar nossas diferentes pers-
pectivas individuais, resultantes de diferentes experiências e trajetórias de cada um dos autores
que assinam este artigo.
Por isso, é necessário indicar que o NTADT tem por nalidade, na perspectiva da ciência do
Direito e também das Ciências Sociais, o estudo crítico sobre dimensões do mundo do trabalho
que subsistem, no todo ou em parte, à margem do sistema jurídico-trabalhista ou mesmo à mar-
gem do próprio sistema jurídico-legal, seja por razões econômicas, culturais, ou, até mesmo, por
razões estritamente jurídicas.
Na esteira do estudo desenvolvido por Janice E. Perlman, na década de 60, um dos objetivos
do NTADT é destinar atenção à situação de marginalidade de determinados grupos prossionais,
compreendendo que sua realidade socioeconômica, longe de estar excluída da sociedade que os
marginaliza, está nela integrada, cumprindo um papel para funcionamento e manutenção desta
última(4). A ideia, ainda por inuência de Perlman, é buscar ouvir e compreender o que esses
grupos dizem a respeito de suas condições de trabalho e, a partir daí, pensarmos, em conjunto
com tais grupos, caso tenham interesse, algum meio de contribuir para a construção de formas
sociojurídicas que atendam aos seus interesses e anseios.
Basicamente, o NTADT vem trabalhando com a ideia de “clandestinidade” tal como previsto
no Edital que formaliza esse núcleo de estudos, isto é:
(...) como a condição sociológica daquilo que, sendo inerente à realidade conhecida, está
fora ou à margem da respectiva legalidade e institucionalidade. A ideia de clandesti-
nidade reporta, pois, no presente contexto, a condição sociojurídica de quem é alijado
de uma forma jurídica mais tuitiva, à qual é basicamente subsumível, em função de
uma conguração sociológica discrepante (= condições de paralegalidade e mesmo de
marginalidade em senso comum).(5)
Nesse contexto, os autores do presente texto formam um dos diversos subgrupos (ou eixos)
do NTADT, mais especicamente, o “eixo Uber”.
(4)  PERLMAN, Janice E.  favelas e política no Rio de Janeiro. Tradução de Waldívia Marchiori
Portinho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
(5) Ver edital para seleção de novos membros-pesquisadores. Disponível em:
Arquivos/2017/Edital_TADT_2sem_2017.pdf>.
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Guilherme Guimarães Feliciano; olívia de Quintana FiGueiredo PasQualeto (orGanizadores)
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
Embora a proposta inicial do nosso “eixo Uber” fosse compreender o fenômeno da “uberi
zação”, a partir do estudo do contexto social que fez surgir essa espécie de trabalho, bem como
da tentativa de tentar compreender o perl desses motoristas, não foi possível ao eixo se furtar
ao seguinte debate, que entrou em cena logo quando começávamos a realizar a pesquisa: Qual a
natureza jurídica da relação estabelecida entre os motoristas e a Uber? E, consequentemente, os
requisitos clássicos para a conguração de vínculo empregatício estão presentes na relação de tra-
balho dos motoristas de Uber? Cumpre salientar, que tal debate, implica, direta ou indiretamente,
uma aceitação ou recusa de que é necessária a existência de algum grau de proteção sociojurídica
a esses motoristas.
Os embates jurídicos entre motoristas e a Uber que já vinham ocorrendo em diversos países do
mundo, onde se discutia a questão da concorrência desleal com táxis e também a relação jurídica
existente entre os motoristas e a empresa, tiveram grande repercussão no Brasil – destaque para
as decisões do Labor Comissioner of the State of the California, nos EUA, e do Employment Tribunals,
na Inglaterra – pois estas decisões reconheceram que os motoristas são empregados da Uber e
a atividade desta não se restringe a conectar motoristas e usuários, mas sim congura uma ati-
vidade de transporte de passageiros, onde a empresa determina todo o modus operandi que tais
trabalhadores devem seguir.
Ao mesmo tempo, porém, as duas primeiras sentenças brasileiras envolvendo pedidos de
reconhecimento de vínculo de emprego dos motoristas com a Uber tiveram um deslinde oposto,
pois as conclusões foram totalmente divergentes, já que uma não reconheceu vínculo de emprego
entre motorista e empresa Uber, enquanto a outra reconheceu(6).
Assim, decidimos começar a pesquisa avaliando estas duas decisões judiciais proferidas
pela Justiça do Trabalho no Brasil, para se aproximar da temática e da realidade dos trabalha-
dores “uberizados”. Para tanto, passamos à leitura das decisões estrangeiras sobre o assunto,
das principais reportagens relacionadas ao tema da judicialização dessa espécie de relação de
trabalho e dos artigos e trabalhos acadêmicos dedicados ao tema, a m de angariar suporte
para uma leitura crítica das duas primeiras decisões proferidas no Brasil e buscar responder à
questão se os elementos do vínculo de emprego estão presentes na relação estabelecida entre a
Uber e o motorista “parceiro”.
Após a análise das referidas decisões, passamos para uma segunda frente de análise, qual
seja, a análise crítica do relatório produzido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), resultante
de Inquérito Civil, em que um grupo de procuradores analisaram a existência ou não de vínculo
empregatício entre o motorista e a Uber. Por m, na terceira etapa nos debruçamos sobre uma
reivindicação que parece ainda estar restrita aos motoristas norte-americanos, pouco tratada nas
reclamações trabalhistas brasileiras, que diz respeito ao tema da chamada “quilometragem mor-
ta”, isto é, a questão do lucro obtido pela empresa Uber durante o tempo em que os motoristas
estão à procura de passageiros ou à espera de uma nova chamada. Vejamos a seguir essas três
frentes.
(6) São elas: 1. MINAS GERAIS, 2017. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Processo n. 0011359-
34.2016.5.03.0112. Autor: Rodrigo Leonardo Silva Ferreira. Réu: Uber do Brasil Tecnologia Ltda. 13.2.2017. 2. Minas
Gerais, 2017. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Processo n. 0011863-62.2016.5.03.0137. Autor: Artur Soares
Neto. Réu: Uber do Brasil Tecnologia Ltda. 31.1.2017.
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As duas primeiras sentenças brasileiras que apreciaram pedido de reconhecimento de vínculo
empregatício com a empresa Uber são do TRT da 3ª Região (Minas Gerais) e foram proferidas na
mesma época, tendo cada uma delas rmado entendimento oposto quanto à natureza jurídica da
relação existente entre os motoristas e a empresa Uber.
Interessante é que os fatos praticamente se repetem, mas a interpretação que se extraiu de-
les para se analisar os requisitos da relação de emprego foi diametralmente contrária. Anal, o
julgado que negou o vínculo apresentou argumentos mais próximos do que a doutrina classica
de Estado Liberal, enquanto a argumentação apresentada no que reconheceu o vínculo é própria
mais próxima do que se convencionou chamar de Estado Social.
Outro fator essencial na divergência entre os dois julgados está relacionado ao fato de que o
primeiro, que negou a existência de vínculo, entende que a Uber não tem como atividade-m o
transporte de passageiros, mas o desenvolvimento e a gestão de um aplicativo que faz a interme-
diação entre motoristas e passageiros. Já a segunda decisão, que reconhece o vínculo, pressupõe
que a empresa Uber tem como nalidade o transporte de passageiros.
No caso da primeira sentença(7), que foi proferida em 30.1.2017, o reclamante trabalhou no
período de junho a novembro de 2016 e o magistrado entendeu que não houve vínculo emprega-
tício entre as partes, preponderantemente, pela inexistência do requisito da subordinação jurídica.
Discorrendo sobre os dados extraídos dos depoimentos das partes, das testemunhas e das
provas documentais, o magistrado entendeu que não se subsumem no conceito de subordinação
jurídica, pois, em sua visão, a mera existência de obrigações contratuais entre as partes não se
confunde com a subordinação jurídica e é comum em todo tipo de contrato. Para ele, o depoimento
pessoal do reclamante deixou claro que as reclamadas não lhe davam ordens, nem lhe dirigiam
determinações, mas apenas recomendações, que vão, desde o modo de comportamento junto ao
cliente, até o modo de se vestir do motorista. Ademais, ressaltou que não havia punição caso o
motorista não se adequasse ao padrão da empresa.
Outro ponto abordado, para descaracterizar a subordinação, diz respeito à liberdade de
horário de utilização do aplicativo e a frequência com que o reclamante o ligava, ou desligava,
de acordo com sua própria conveniência e sem prévia comunicação à empresa reclamada. Neste
sentido, acentuou-se, inclusive, informação de que o reclamante tirou uns dias de férias sem ter
comunicado o fato à empresa.
O itinerário seguido pelo motorista, também, foi um argumento para o não reconhecimento
da subordinação jurídica, tendo o magistrado armado que não era determinado pela empresa,
mas sim, pelo cliente ou, alternativamente, pelo Waze(8) ou GPS(9) vinculado ao aplicativo da Uber.
O magistrado, também, citou o depoimento da testemunha que disse que o “parceiro” (mo-
torista) pode se recusar a atender chamada dos usuários do aplicativo. Nota-se, contudo, que o
Juiz não se manifestou sobre o trecho do depoimento dessa mesma testemunha onde consta que
se o motorista recusar mais de três viagens em um período de uma hora, o aplicativo o retira da
(7)  MINAS GERAIS, 2017. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Processo n. 0011863-62.2016.5.03.0137.
Autor: Artur Soares Neto. Réu: Uber do Brasil Tecnologia Ltda. 31.1.2017.
(8) MINAS GERAIS, 2017. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Processo n. 0011863-62.2016.5.03.0137. Autor:
Artur Soares Neto. Réu: Uber do Brasil Tecnologia Ltda. 31.1.2017, p. 5.
(9) MINAS GERAIS, 2017. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Processo n. 0011863-62.2016.5.03.0137. Autor:
Artur Soares Neto. Réu: Uber do Brasil Tecnologia Ltda. 31.1.2017, p. 5.
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plataforma por alguns minutos, o que, aparentemente, tem um caráter punitivo e seria, portanto,
um indício de subordinação jurídica.
Na sentença, citou-se, também, o depoimento de outra testemunha que informou que não
havia exigência de exclusividade, nem determinação do itinerário pelas reclamadas ou de controle
de jornada. Contudo, novamente, deixou-se de apreciar a contento a informação prestada pela
mesma testemunha, de que a Uber sabe o horário de início e término de cada corrida, o que indica
meios de controles de jornada e do itinerário de trabalho dos motoristas.
No mais, no entendimento do magistrado, os documentos não revelaram ordens ou determi-
nações de como o motorista deveria realizar o seu trabalho, mas apenas recomendações e meros
incentivos, citando os documentos que conguram estímulos para o motorista continuar a dirigir
a m de aumentar a sua renda e, outros, com feedback quanto à taxa de aceitação dos motoristas
pelos clientes.
O juiz entendeu, ainda, que não passam de sugestões aquilo que para o motorista são exi-
gências da empresa, como por exemplo, dizer quando car  ou ; como buscar os
passageiros; como chegar ao destino de um passageiro; como manter os veículos arrumados e
limpos; como melhorar as avaliações e, também, instruções de como utilizar o aplicativo.
Nesta mesma toada, na visão do magistrado, da boa avaliação que o motorista precisa ter para
permanecer ativo na plataforma, não se vislumbra subordinação jurídica, porque as reclamadas
não têm ingerência na avaliação feita pelos usuários, concluindo que se trata “de um risco assumido
por ambas as partes contratantes”.
Ao m, quanto às exigências de adequação à seleção de carros da Uber, exames junto ao
Detran e seguro de passageiros, o magistrado entendeu que são apenas obrigações decorrentes
da relação contratual e que não caracterizam subordinação jurídica.
Também foi citada a existência de tabela de preços, feita pela reclamada, que de acordo com
o magistrado não altera a natureza autônoma da relação de trabalho, tal qual se dá nos contratos
de representação comercial.
Foi refutada pelo magistrado a alegação de que o autor participou de processo seletivo.
Deste modo, vê-se que foi aceita a tese da reclamada de que é uma empresa de fornecimen-
to de serviços de tecnologia e não empresa de transporte de passageiros, citando o seu contrato
social onde consta a atividade de fornecimento de tecnologia e, também, o depoimento de uma
das testemunhas.
Concluiu, portanto, o magistrado que a atividade da reclamada consiste na utilização de
uma plataforma digital de economia compartilhada, que tem por objetivo interligar motoristas e
usuários e não fornecer serviço de transporte, de modo que este motorista não está inserindo na
dinâmica empresarial da Uber, restando descongurada a subordinação, seja ela estrutural ou
clássica e, consequentemente, negou a existência do vínculo de emprego.


Na segunda sentença(10), proferida nos autos do Processo n. 0011359-34.2016.5.03.0112,
em 13.2.2017,
(10)em que o reclamante alegou que se ativou como motorista de 20.2.2015 a 18.12.2015,
(10) MINAS GERAIS, 2017. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Processo n. 0011359-34.2016.5.03.0112.
Autor: Rodrigo Leonardo Silva Ferreira. Réu: Uber do Brasil Tecnologia Ltda. 13.2.2017.
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 189
o entendimento do magistrado de primeiro grau foi inverso ao da sentença anteriormente
mencionada.
Inicialmente, o magistrado destacou que o objeto da lide, conquanto se trate de demanda
individual, tem potencial metaindividual, requerendo uma digressão sobre os sistemas produtivos
contemporâneos.
Assim, o magistrado menciona a transição dos modelos fordista e toyotista de produção e
a chegada do fenômeno da “uberização”, a partir da segunda década do século XXI, como novo
padrão de organização do trabalho a partir dos avanços da tecnologia e seus desdobramentos na
relação capital-trabalho.
Antes de apreciar os pedidos, o magistrado ainda relembra o papel do Direito do Trabalho de
regular as relações de trabalho e, com isso, preservar um patamar civilizatório mínimo, evitando
um retrocesso social.
Passando à análise do mérito, propriamente dito, tal qual ocorreu na sentença que não reco-
nheceu a relação de emprego entre as partes, o magistrado também inicia a decisão judicial pela
apreciação dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego, constantes no art. 3º da CLT,
realçando, porém, a importância de se atentar para o princípio da primazia da realidade sobre a
forma jurídica em que foi qualicada a relação pelas partes.
Após o magistrado entender que restaram congurados todos os requisitos para carateriza-
ção do vínculo de emprego, destacou que a relação entre o usuário do aplicativo e a Uber denota
uma típica relação de consumo de serviço de transporte, a qual inclusive já foi reconhecida judi-
cialmente na esfera cível, onde, nos autos do Processo n. 0801635-32.2016.8.10.0013, do 8º Juizado
Especial Cível e das Relações de Consumo de São Luís/MA, a reclamada foi responsabilizada por
erro do motorista.
Nesta decisão cível concluiu-se que, como o usuário aciona o aplicativo para contratar uma
corrida, sem escolher o motorista, que é denido pela reclamada, tal qual ocorre com o preço, o
magistrado a dene como empresa fornecedora de transporte, subsumindo este serviço no conceito
de contrato de transporte de pessoas que cita, nos seguintes termos:
(...) é o negócio por meio do qual uma parte — o transportador — se obriga, mediante
retribuição, a transportar outrem, o transportado ou passageiro, e sua bagagem, de um
lugar para o outro. (GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. 
um lugar para outro de transporte de passageiros e de turismo. São Paulo: Saraiva, 2007.
p. 84-88)(11)
Ao analisar a relação de trabalho, o magistrado também destacou que se o papel da reclamada
se resumisse ao de empresa de tecnologia, que interliga motoristas e usuários, cobraria um valor
xo pelo uso do aplicativo e não um percentual de 20% a 25% de cada corrida, cando a cargo dos
motoristas a captação de clientes. No entanto, constatou que a reclamada participa diretamente da
captação, conforme depoimento testemunhal, também constante do inquérito civil já mencionado,
que noticiou que a reclamada fazia grácos com levantamento de locais com shows e eventos
com grande público, semanalmente, a m de informar os motoristas dos pontos com maior
demanda.
(11) MINAS GERAIS, 2017. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Processo n. 0011359-34.2016.5.03.0112.
Autor: Rodrigo Leonardo Silva Ferreira. Réu: Uber do Brasil Tecnologia Ltda. 13.2.2017, p. 19.
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Guilherme Guimarães Feliciano; olívia de Quintana FiGueiredo PasQualeto (orGanizadores)
Diante disso, o magistrado reconheceu que a reclamada atua no desenvolvimento de tecno-
logia para realização do seu negócio, mas que tal fato não afasta sua natureza de fornecedora de
serviços de transporte, tanto que, de acordo com o magistrado, há notícias de que a reclamada
possui forte investimento em carros autônomos.
Ao analisar as provas, o magistrado concluiu que a reclamada submetia o reclamante a con-
troles contínuos, ordens quanto à forma de prestar os serviços e a treinamento além de lhe aplicar
sanções disciplinares em caso de descumprimento de regras ou não atendimento de comportamento
impostos por ela. Assim, para o Juiz restou congurada a subordinação clássica.
O magistrado citou vários trechos de depoimentos de testemunhas que noticiaram algum
tipo de treinamento, orientação quanto ao comportamento, atendimento ao cliente e vestimenta,
sendo certo que o descumprimento das regras poderia ocasionar o desligamento do aplicativo.
Contextualizando as relações de trabalho junto aos avanços tecnológicos da sociedade, li-
gada em rede, o magistrado apresentou o que chamou de “inédita técnica de vigilância da força de
trabalho(12), ou seja, uma forma de controle difuso do serviço prestado, consistente na avaliação
feita pelos milhares de usuários.
O depoimento de uma testemunha embasou o entendimento do magistrado de que a re-
clamada se vale desse padrão inédito de monitoramento do trabalho. Vale a pena transcrever o
referido depoimento, pois deixa clara a imposição da reclamada de cumprimento de regras e,
ainda, a discricionariedade para o usuário avaliar o motorista, ambas como condições impostas
de forma unilateral para que motorista possa continuar utilizando o aplicativo:
(...) que todo o passageiro avalia o motorista ao nal da corrida, que a avaliação é me-
dida por estrelas e que o máximo são cinco estrelas e que no mínimo, uma; que essa
avaliação é o que mantém o motorista na plataforma; se o motorista obtiver avaliação
com uma estrela, a Uber manda um questionário no próprio aplicativo, perguntando
para o passageiro o que ocorreu na viagem; que para o motorista a Uber não manda
nada, cando apenas o motorista ciente da porcentagem de estrelas, ou seja, de uma
média de sua nota; que quando o passageiro chama, aparece a foto do motorista e sua
nota média; que para ser mantido na plataforma, deveria obter nota mínima de 4.7; que
três semanas abaixo dessa nota, o acesso à plataforma seria encerrado; (...)(13)
Também foi mencionado pelo magistrado o depoimento prestado nos autos do inquérito civil
supracitado, no sentido de que se a avaliação do motorista, cuja nota máxima é 5, casse entre
4,4 e 4,7, ele poderia sofrer punições que poderiam evoluir de uma suspensão temporária para o
desligamento da plataforma, inclusive, na hipótese de o motorista recusar corridas.
Com isso, o magistrado refutou a tese da reclamada de que os motoristas têm exibilidade
e independência para utilizar o aplicativo ou liberdade para fazer seus horários e prestar seus
serviços quanto e como quiserem, já que todos esses fatores, somados às notas dadas pelo usuário,
são condicionantes para que o motorista permaneça na plataforma. A partir de tais conclusões,
o magistrado afastou a tese da reclamada de que se trata de uma empresa que apenas fornece
plataforma de mediação entre motorista e seus clientes.
(12) MINAS GERAIS, 2017. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Processo n. 0011359-34.2016.5.03.0112.
Autor: Rodrigo Leonardo Silva Ferreira. Réu: Uber do Brasil Tecnologia Ltda. 13.2.2017, p. 23.
(13) MINAS GERAIS, 2017. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Processo n. 0011359-34.2016.5.03.0112.
Autor: Rodrigo Leonardo Silva Ferreira. Réu: Uber do Brasil Tecnologia Ltda. 13.2.2017, p. 23.
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 191
Neste sentido, o magistrado chama a atenção para a mudança que se opera no poder diretivo
do empregador, mediante a substituição do seu controle pessoal por formas automatizadas ou
por meio de algoritmos que podem colocar m a uma relação de emprego, sem direito ao contra-
ditório e sem nenhuma participação humana, deixando vulnerável a dignidade do trabalhador,
que tem seu destino decidido por um sistema de informática. Ademais, chama a atenção para
a necessidade de mudança do próprio Direito Material do Trabalho, a m de que não deixe de
acompanhar os fenômenos laborais da atualidade, haja vista seu escopo de concretizar os direitos
sociais e individuais fundamentais do ser humano (art. 7º da Constituição da República).
Outro ponto objeto de análise minuciosa pelo magistrado foi a política robusta de marketing
utilizada pela reclamada para convencer a opinião pública de que se trata de empresa que pra-
tica a “economia compartilhada”, incutindo nos motoristas a ideia de que trabalham de forma
autônoma, utilizando sua plataforma para obtenção de benefícios individualizados, quando, em
verdade, se trata de empresa de transporte, que depende desses motoristas para desempenhar
sua atividade-m que é justamente transportar pessoas.
É interessante citar que, de acordo com dados obtidos do Inquérito Civil 001417.2016.01.000/6,
promovido pelo Ministério Público do Trabalho da 1ª Região, o magistrado menciona que a recla-
mada Uber Brasil mantém cerca de 25% de seus empregados, no cargo de “gerentes de marketing”,
com salários altíssimos (estimados em R$ 10.500,00), o que faz extrair a ideia de que se trata de uma
empresa de marketing, que se vale da precarização do trabalho humano para “tentativa agressiva
de maximização de lucros”, criando nos motoristas expectativa de ganho (pouco provável) como
se fosse uma própria empresa, ou o que Ludmila Abílio (2017) chama de “nano empresário de si”.
A conclusão do magistrado é no sentido de que a reclamada fragmentou o método de explo-
ração de mão de obra para tentar se esquivar da legislação trabalhista, com base em depoimento
de testemunha que esclareceu que a xação do valor da tarifa levava em conta o valor que o
motorista perceberia a título de remuneração por hora, estimada em 1.2 e 1.4 salários mínimos, já
descontados os custos suportados por ele.
Vale dizer, ainda, que o magistrado também levou em consideração a decisão do Tribunal do
Reino Unido (Employment Tribunal de Londres) que reconheceu a relação de emprego subordinado
com a empresa, ressaltando que há identidade de critérios para denição dos conceitos de relação
de emprego tanto no Brasil como em países como França, Alemanha, Espanha e Reino Unido.

Paralelamente às sentenças analisadas acima, o Ministério Público do Trabalho (MPT) pu-
blicou relatório produzido após estudo e investigação a respeito da atuação da empresa Uber no
Brasil e de sua relação com os milhares de motoristas.
Diante da relevância desse documento produzido pelo MPT, que é uma das instituições
centrais na scalização e aplicação das normas que regulam as relações de trabalho no Brasil,
entendemos ser necessário avaliá-lo, ressaltando os pressupostos e os argumentos que levaram
os procuradores a concluírem pela “plena aplicabilidade das normas de proteção ao trabalho
subordinado, autorizando o reconhecimento de vínculos empregatícios entre os trabalhadores e
as empresas intermediadoras”(14), como a Uber.
(14)  MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO. CONAFRET, p. 40.
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Guilherme Guimarães Feliciano; olívia de Quintana FiGueiredo PasQualeto (orGanizadores)
Vale ressaltar, ademais, que o contexto marcado pelas “reformas” trabalhistas em curso, no
Brasil e também nos países europeus, torna ainda mais importante a avaliação da atualidade do
Direito do Trabalho e de sua capacidade de responder, adequadamente, a um fenômeno conside-
rado típico das novas formas de relação de trabalho e que, muitas vezes, serve como justicativa
para a propalada necessidade de “modernizar” esse ramo do direito, sem se preocupar com as
personagens centrais dessa relação, que são as trabalhadoras e trabalhadores, que dependem da
venda da força de trabalho para garantir a própria subsistência e de suas famílias.
Sendo assim, realizamos no “eixo Uber” do núcleo de estudos (NTADT) uma leitura do re-
latório do MPT, seguida de exposição para os demais membros do núcleo, que gerou um debate
fundamental para o avanço desta pesquisa, que ainda se encontra em andamento. Por tal razão,
entendemos conveniente reproduzir aqui um breve resumo dessa exposição.
Inicialmente, vale dizer que o Ministério Público do Trabalho, que é um órgão do Ministério
Público da União (MPU)(15), conta com diversas coordenadorias, sendo uma delas a Coordenado-
ria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (CONAFRET), no âmbito da qual
institui-se um grupo de estudo para analisar as novas formas de organização do trabalho por
meio de aplicativos, denominado Grupo de Estudos “GE Uber”. Segundo o relatório, a escolha
do nome se deu pelo fato de a empresa Uber ser a mais conhecida neste segmento e ter atuação
em todo território nacional, o que não impediu, porém, que as discussões envolvessem outras
empresas com atividades semelhantes.
O estudo, materializado no relatório em análise, buscou conceituar a “economia do bico”, com
suas formas de trabalho, bem como contextualizar as atividades dos aplicativos de trabalho “on
demand”, com foco nas características da organização do trabalho, tendo em mira a possibilidade
de se reconhecer nelas o vínculo empregatício entre motoristas e empresa Uber.
O relatório considerou também decisões judiciais nacionais e internacionais que apreciaram
o assunto. E, depois de concluído, passou a servir de fundamento para diversas decisões judiciais
e, principalmente, para diversos pedidos de reconhecimento de vínculo de emprego apresentados
perante a Justiça do Trabalho.
O mundo do trabalho, segundo o relatório do MPT, foi fortemente inuenciado pela massi-
cação do uso da internet, despertando a atenção de estudiosos desde o início da década para as
novas formas de trabalho que surgiram, de modo virtual ou  Ressalta o relatório que “as
pesquisas acadêmicas se intensicaram há dois anos, inexistindo, por ora, consenso quanto à de-
nominação desse tipo de trabalho, identicado por expressões como “”,
“economia do bico”, “economia de compartilhamento”, “economia-Uber””.
O relatório assevera que ainda não há dados precisos sobre o acréscimo da “economia do
bico” ao PIB dos países e que o tamanho das empresas que atuam no setor varia desde as gigantes
como Uber e Airbnb, cujo valor é estimado em U$ 50 bilhões e U$ 25 bilhões, respectivamente,
até outras com valor menos expressivo. Ademais, ele também destaca o número signicativo de
trabalhadores atuando na “economia do bico”, que vem aumentando progressivamente ano após
ano, no mundo inteiro.
Em linhas gerais, é possível armar que o relatório conclusivo baseia-se na perspectiva de
Valerio Stefano, para quem há duas forma de trabalho na economia do bico, o crowdwork e o tra-
balho on demand.
(15) O Ministério Público da União (MPU) é composto pelo Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público
do Trabalho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
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 193
Segundo o relatório, o crowdwork se refere ao trabalho prestado por meio de plataformas 
 e, geralmente, envolve tarefas inexequíveis por computadores, como pesquisas e transcrições
de áudios, enquanto o trabalho on demand, via aplicativos gerenciados por empresas, envolve,
geralmente, atividades como transporte, limpeza ou de escritório.
A empresa mais conhecida que utiliza plataforma de crowdwork é a Amazon Mechanical Turk,
em que os solicitantes apresentam a tarefa a ser executada e o preço que será pago e o fornecedor
do serviço se dispõe a realizá-la, sem possibilidade de negociar valores, condições de contratação,
podendo, inclusive ser descadastrados do aplicativo de forma unilateral. No caso do trabalho on
demand via aplicativos, a protagonista tem sido a empresa Uber, que, pelo menos em tese, faz a
conexão entre motoristas e usuários que solicitam serviço de transporte.
O relatório enfatiza que embora a empresa entenda que os motoristas são trabalhadores
autônomos, por ela nominados de “contratados independentes”, há intenso monitoramento dos
serviços prestados, indicações de locais com maior demanda, congurando um forte controle da
empresa dos serviços prestados por esses motoristas, que inclusive são avaliados por usuários e
podem ser desabilitados do aplicativo caso não atinjam a nota média mínima exigida pela Uber.
O relatório conclusivo busca indicar como estão equivocados aqueles autores que entendem
que os trabalhos realizados na economia de compartilhamento não ensejam o reconhecimento
de vínculo empregatício, enfatizando que não se tratam de trabalhadores autônomos. Destaca,
ainda, possíveis consequências nocivas aos trabalhadores e trabalhadoras, que podem advir em
decorrência da diculdade prática de se enquadrar essas formas de trabalho como relação de
emprego, que exige a proteção do Direito do Trabalho.
Assim, uma das principais preocupações externadas pelo relatório conclusivo diz respeito
à precarização dos direitos trabalhistas, sob fundamento de que a exibilidade das condições de
trabalho sejam benécas mais aos consumidores (usuários) de aplicativos do que aos trabalhadores.
Diz o relatório:
Em relação à exibilidade que o trabalho na “economia do bico” oferece às pessoas, é
importante que se discuta o formato em que isso ocorre e as implicações na vida dos
trabalhadores. Em grande parte dos trabalhos em que se coloca a exibilidade como um
elemento benéco, verica-se a precarização e intensicação do trabalho.
Outro elemento que deve ser levado em consideração é necessidade de conjugar as
diversas melhorias para os consumidores que a “economia do bico” tem potencial para
implementar com a devida remuneração do trabalhador que viabiliza os produtos ou
serviços. Não é aceitável a maximização dos benefícios dos consumidores em detrimento
das condições de trabalho.
Finalmente, não se pode perder de vista que “economia do bico” não é um setor seg-
mentado de todo o conjunto de agentes econômicos que atuam no mercado. Em que
pese as suas peculiaridades, trata-se de um ramo no qual as empresas, em geral, devem
se comportar da mesma forma que as demais que atuam em outros setores.(16)
A inadmissibilidade da “coisicação” da pessoa humana, diz o relatório, que é uma regra
das normas internacionais de proteção ao trabalho, não pode deixar de ser aplicável aos empre-
(16) MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO. . CONAFRET. 2017. p. 16.
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Guilherme Guimarães Feliciano; olívia de Quintana FiGueiredo PasQualeto (orGanizadores)
gadores que atuam na economia de compartilhamento, ainda que seja necessária uma atualização
dos instrumentos que servem para classicar tais trabalhadores como empregados, nas relações
de trabalho do século XXI.
O relatório reconhece que a subordinação jurídica que permeia a relação de emprego sofreu
mutação desde a época da implantação do modelo fordista/taylorista, até os dias atuais, mas ar-
ma que o controle direto sobre a pessoa do trabalhador que era um modelo militarizado agora é
substituído por um controle por programação ou comandos, por meio de um algoritmo, que visa
não mais uma obediência mecânica, mas apenas o atingimento de resultados. Logo, a subordina-
ção, que é o principal requisito para a conguração do vínculo de emprego, continua existindo.
Assim, com base nas teses de Alain Supiot, os procuradores do MPT armam no relatório que “a
cção do trabalho-mercadoria” é substituída “pela noção de liberdade programada”(17).
A respeito do elemento fático-jurídico da subordinação, o relatório concluiu que:
[...] de um lado, restitui-se ao trabalhador certa esfera de sua autonomia na realização
da prestação; de outro, essa liberdade é impedida pela programação, pela só e mera
existência do algoritmo: os trabalhadores não devem seguir mais ordens, mas sim a
“regras do programa” e estar disponíveis todo o tempo. Uma vez programados, não
agem livremente, mas exprimem reações esperadas e inescapáveis.
Assim, a autonomia concedida é uma “autonomia na subordinação”. Desta forma, na
análise da existência da subordinação, deve ser dada ênfase não à tradicional forma de
subordinação – na sua dimensão de ordens diretas – mas na vericação da existência
de meios telemáticos de comando, controle e supervisão, conforme o parágrafo único
O relatório conclusivo é, portanto, no sentido de que “a relação entre trabalhador e empresa
passa por uma nova nomenclatura: é uma relação de aliança, em uma refeudalização das relações”.
A empresa detentora do capital continua explorando o trabalhador que tem somente sua força
de trabalho, indispensável para a consecução da nalidade econômica da primeira. Por isso, com
base na Recomendação n. 98 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), argumenta que,
de tempos em tempos, faz-se necessário rever o alcance de institutos legais ou regulamentares
que assegurem efetiva proteção aos trabalhadores, inclusive combatendo relações de trabalho
dissimuladas, pois a tendência é que essa nova forma de trabalho prevaleça.

No atual estágio da pesquisa em curso, já é possível armar que os estudiosos da relação
entre a Uber e seus motoristas estão dedicando pouca atenção para dois temas fundamentais à
compreensão dessa relação, quais sejam, o da “quilometragem morta” e o da utilização dos mo-
toristas e dos passageiros, pela empresa, para a coleta de dados que tem alto valor de mercado.
O relatório do MPT, por exemplo, tanto quanto as primeiras decisões judiciais proferidas no
Brasil não abordaram esses temas que ganharam relevância nas reuniões do NTADT.
Conforme fomos aprofundando o debate em grupo, sobre as características do trabalho
marginalizado dos motoristas, passamos a entender que a relação de trabalho formada entre mo-
(17) MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO. . CONAFRET. 2017. p. 18.
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 195
toristas e a empresa se estende para além do trabalho de transportar pessoas, tornando-se ainda
mais complexa, já que durante o tempo em que motorista está à disposição da empresa esta não
deixa de remunerá-lo, mas também o monitora, para por meio desse monitoramento obter dados
que são essenciais para uma empresa de tecnologia, pois a partir daí também extrai lucro. Daí a
relevância da reivindicação recorrente de motoristas uberizados dos EUA, a respeito da ausência
de pagamento pelos dados que geram para a Uber enquanto estão dirigindo sem passageiros
(“quilometragem morta”).
Assim, podemos ver que esses dois temas estão profundamente interligados e, ao que tudo
indica, são essenciais para que a Uber continue sendo uma das maiores empresas do mundo, ca-
paz de competir com potenciais concorrentes e outras gigantes do mercado mundial. Isto porque,
como toda grande empresa que trabalha com tecnologia de ponta, a Uber necessita de uma enor-
me e crescente quantidade de dados. Precisa, por exemplo, saber as melhores rotas disponíveis
o tempo todo, em todas as condições possíveis. Nos Estados Unidos (EUA), vale dizer, as ações
coletivas promovidas pelos motoristas costumam levar em conta esse trabalho de coleta de dados
não pago pela Uber.
O mais forte indício da importância desse tema é a disputa entre a Uber e seus concorrentes
no desenvolvimento de carros que prescindem de motoristas, pois podem ser guiados à distância.
Há poucos dias, foi noticiado que  

(18).
De acordo com a Folha de S. Paulo, a própria Uber declarou, no nal de 2017, que rmou con-
trato para a compra de até 24 mil carros, da Volvo, que não precisam de motoristas. Trata-se de
negócio estimado em R$ 4,6 bilhões. A Lyft, uma concorrente norte-americana, por sua vez, fechou
acordo com a GM e com a Jaguar Land Rover, para o desenvolvimento desse tipo de carro. Na
Europa, uma das principais concorrentes da Uber, a empresa Ge, está apostando numa parceria
com a Volks, também no mesmo sentido(19).
O que se vê, portanto, é que enquanto não se concretiza a substituição dos motoristas pelos
carros teleguiados, os motoristas continuarão a gerar dados valiosos para a Uber, mesmo quando
não estão com passageiro, fomentando o fenômeno da “quilometragem morta” e assim estão, ao
mesmo tempo, contribuindo para a criação de condições que podem levar à sua própria extinção.
Com base nas informações contidas no texto “Como o Uber lucra nas corridas mesmo quando
seus motoristas não ganham nada?” (CASSANO, 2016), o eixo Uber promoveu, em duas reuniões
do NTADT, um debate sobre mais essa forma de explorar o trabalho dos motoristas. De acordo
com o texto, cerca de trinta motoristas foram entrevistados em Nova Iorque e em outras partes dos
EUA, e o que se descobriu é que a quilometragem morta equivale a algo entre um terço e metade
do tempo em que eles estão trabalhando – isto é, trabalhando com o aplicativo da Uber aberto,
mas sem passageiros, sem receber absolutamente nada.
Nesse ponto, ca evidente outro fator que torna o trabalho dos motoristas “uberizados” como
mais uma forma de trabalho precarizado, justicando a inclusão desse grupo de trabalhadores no
rol dos trabalhos marginais estudados pelo NTADT. Anal, ao contrário do empregado tradicional,
(18)  Disponível em:
sem-motoristas.htm?cmpid=copiaecola>.
(19)  Disponível em:
-autonomos-da-volvo.shtml>.
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Guilherme Guimarães Feliciano; olívia de Quintana FiGueiredo PasQualeto (orGanizadores)
que recebe pelo tempo de trabalho à disposição do empregador, que possui uma jornada denida,
que tem uma garantia de remuneração mínima, esses motoristas realizam jornadas excessivas,
colocando em risco sua saúde e segurança, para cumprir metas que nem sempre são sucientes
para compensar a quilometragem morta e o baixo valor da corrida, sem falar nas despesas refe-
rentes ao veículo que são suportadas exclusivamente pelos motoristas.
Vale ressaltar que as informações extraídas dos motoristas também servem para a empresa
Uber realizar negócios com o Poder Público e com outras empresas dos mais variados ramos do
mercado, não só do transporte, já que se tratam de informações valiosas para diversos setores do
comércio interno, local, e, também, do internacional. A própria autodenição da Uber — como
empresa de tecnologia — também sugere o valor de mercado dos dados: seu produto não são
apenas as corridas em si, mas o software que é criado a partir de dados de passageiros e motoristas.
Tanto que em sua página de “trabalhe conosco” é comum encontrar dezenas de vagas abertas
para trabalhar no “Centro Avançado de Tecnologia” que possuem, razão pela qual buscam tantos
engenheiros e cientistas para sua equipe de ciência de dados.

Seria a Uber, de fato, um exemplo de modelo de negócio típico de “economia compartilhada”
ou, ao contrário, seria uma distorção desse novo fenômeno social? É realmente possível admitir a
tese de que a Uber não passa de um aplicativo que conecta (intermedeia) passageiros a motoristas
ou se trata de empresa multinacional que, utilizando promessas ctícias, recruta pessoas que estão
à procura de trabalho ou de renda extra? É possível fazer apenas trabalhos esporádicos e eventuais
para a Uber, com a nalidade de obter uma renda extra, ou esse tipo de trabalho obriga a pessoa
a se submeter a longas jornadas para compensar os custos com a manutenção do carro, do celular
e da sua própria saúde? O trabalho de motorista de Uber se enquadra na chamada “economia de
bico” tanto quanto aquele que faz renda extra por meio do AirBnb ou da Amazon?
Um dos principais resultados parciais da nossa pesquisa no “eixo Uber” é a conrmação
de que não é possível armar que o trabalho de motorista de Uber é efetivamente autônomo, já
que existe uma nítida relação heteronômica entre Uber e motoristas, de modo a revelar que esse
trabalho é muito menos “uberizado” do que parece ser.
Para entendermos, na prática, como isso ocorre, vejamos, por exemplo, a questão dos dados
coletados pelos motoristas — que nada recebem em troca por essa coleta. Essas informações servem
não apenas para melhorar o produto principal da Uber, como também para estabelecer inúmeras
parcerias lucrativas e, por meio de liberações seletivas desses dados, construir relacionamentos
com reguladores em novos mercados. Tanto é que, há alguns anos, em meio a um esforço por re-
gulamentações mais rigorosas para as “


(CASSANO, 2016).
Diante de tal informação, muitos tendem a argumentar que não há distinção entre a coleta de
dados feita pela Uber e a que acontece todos os dias na internet, via Google ou via redes sociais,
por exemplo. Porém, pelo que temos observado ao longo da pesquisa, há muita distinção, sim, e
tal distinção faz com que o motorista de Uber não seja um típico “trabalhador uberizado”. Anal,
se é verdade que, como usuários de serviços  grátis, produzimos dados valiosos o tempo
todo — seja para o AirBnb, para Facebook, para a Google, para a Netix, para a Amazon etc. —,
o fato é que o motorista de Uber, bem como o das suas concorrentes, que oferecem trabalhos
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 197
análogos, servem como instrumento para que a empresa realize a sua principal atividade, qual
seja, transportar pessoas.
A empresa direciona os motoristas para as localidades que lhe convém e condiciona a manu-
tenção do trabalhador na plataforma à avaliação recebida, fazendo com que o motorista tenha que
realizar cada vez mais corridas para aumentar sua nota. Com isso, muitos motoristas se submetem
a jornadas exaustivas. E em razão da política remuneratória ditada pela empresa, o aumento da
rentabilidade da atividade do trabalhador ca condicionado à aceitação pelo motorista dessas
diretivas que lhe são impostas, a ponto de o próprio MPT concluir que há “plena aplicabilidade
das normas de proteção ao trabalho subordinado, autorizando o reconhecimento de vínculos
empregatícios entre os trabalhadores e as empresas intermediadoras”(20), como a Uber.
Paralelamente, levando em consideração a expectativa do consumidor da Uber, caso ocorra al-
guma falha no serviço, como um acidente de trânsito, por exemplo, a tendência é que o consumidor
venha a cobrar da própria Uber a reparação dos danos que venha a sofrer em razão do acidente
e não do motorista. Anal, o consumidor (usuário) do aplicativo contrata a empresa multinacio-
nal, na qual ele cona, e não o motorista. Em regra, um usuário do aplicativo da Uber contrataria
seu serviço tanto em São Paulo, quanto em Tóquio ou em qualquer outra parte do mundo em
que houver tal serviço. Isto porque a marca Uber é universal, inspirando conança ao con-
sumidor em qualquer lugar que seja. Por si só, esse fator seria o suciente para demonstrar a
fragilidade do argumento da empresa, que diz ser mera intermediária entre motoristas autônomos
e clientes.
Obviamente, o MPT não chegaria à mesma conclusão se investigasse o “trabalho uberizado”,
assim considerado aquele realizado sob o formato de economia compartilhada, por meio dos
aplicativos dessas empresas citadas acima (AirBnb, Facebook, Netix). Basicamente, o que os
procuradores do MPT defendem é a aplicação da legislação trabalhista tradicional para o caso
dos motoristas, apesar de reconhecerem que há novidades nessa forma de relação de trabalho.
A propósito, as duas primeiras decisões judiciais proferidas no Brasil, em comum, também
dissertaram sobre o tema da “uberização”, enquanto nova forma de organização do trabalho, iden-
ticando um mesmo fenômeno, apesar de oferecerem respostas distintas. Em outras palavras, não
obstante essas duas decisões judiciais tratarem do fenômeno da “uberização” como uma novidade
que representa grande mudança social, os dois juízes aplicaram as normas trabalhistas de uma
forma bastante tradicional, isto é, procurando entender se a relação de trabalho se enquadra nos
requisitos para a conguração de vínculo de emprego, à luz do art. 3º da CLT. Consequentemente,
enquanto uma decisão entendeu que entre motoristas e empresa Uber não há subordinação, a ou-
tra entendeu que há e, mais do que isso, entendeu não ser necessário lançar mão de teorias como
a da subordinação estrutural, mas tão somente da abordagem clássica para apreciar o requisito
da subordinação jurídica. Denota-se, portanto, que o direito do trabalho clássico serviu de base
para os dois julgamentos, que demonstraram que não há necessidade de maior criatividade
para responder a um fenômeno trabalhista que, até mesmo as duas sentenças disseram ser tão
diferente.
A socióloga Ludmila Abílio (2017) também armou que, “basicamente, a empresa Uber pro-
move a conexão entre uma multidão de motoristas amadores pagos e uma multidão de usuários
em busca de tarifas reduzidas em relação aos táxis”. Mas, vale questionar, já existiam os moto-
(20) MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO. . CONAFRET. 2017. p. 40.
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Guilherme Guimarães Feliciano; olívia de Quintana FiGueiredo PasQualeto (orGanizadores)
ristas – prossionais e/ou amadores – ou é a própria Uber que cria esse mercado, isto é, que faz
com que uma multidão passe a acreditar que é possível ganhar dinheiro dirigindo? E mais, se
não existisse a empresa, teria como esses trabalhadores exercerem esta atividade de motoristas
por conta própria?
O autor indiano Arun Sundararajan (2016, p. 75) se refere à ideia da economia compartilhada,
como (capitalismo baseado na multidão), pois se trata de uma nova maneira
de organizar a atividade econômica.
Como comparação, vale dizer que o aplicativo de caronas Blablacar(21) está muito mais pró-
ximo da ideia de economia compartilhada do que a Uber, pois esse novo modelo de economia
pressupõe uma relação entre iguais e existência de um bem subutilizado, que uma pessoa coloca à
disposição de outra, a título oneroso ou gratuito. Até mesmo o AirBnb parece mais próximo, já que
o locador do imóvel não se submete a longas e excessivas jornadas e pode negociar diretamente
com a pessoa que pretende alugar o imóvel.
Por isso que o trabalho dos motoristas de Uber se congura como uma espécie de distorção
dentro dessas novas formas de trabalho, ditas “uberizadas”, pois quem organiza, estrutura e dita
as regras do negócio, inclusive estipulando preço e recebendo a tarifa, é a empresa Uber, de forma
unilateral.
A propósito, é possível imaginar que, mesmo antes do surgimento do aplicativo AirBnb, por
exemplo, existia uma demanda relevante por locação de imóveis, ainda que em menor quantida-
de ou outros formatos. Por isso, a princípio, não parece totalmente descabida a tese de que esse
aplicativo, o AirBnb, tem a função de facilitar os negócios entre locador e locatário de imóveis,
conectando-os.
No entanto, não soa razoável dizer que antes do surgimento da Uber já existia uma quantidade
relevante de motoristas em busca de passageiros. Pelo contrário, ao que tudo indica, a Uber criou
essa demanda especíca por motoristas, sem os quais a empresa não tem como operar e, como é
facilmente vericável na “internet”, investe pesado no recrutamento de novos motoristas, por meio
de propagandas que prometem, por exemplo, dinheiro e autonomia. E seus slogans comprovam
isto: “”, “Ganhe dinheiro sem ter chefe”, “Pronto
”.
Por isso, é estranho que, mesmo após o estudo de qualidade indiscutível realizado pelo MPT,
materializado no relatório que examinamos, persista a ideia de que há mais semelhanças do que
diferenças entre Uber e AirBnb. Será mesmo possível que alguém consiga “fazer um bico” na
Uber, já que a plataforma está programada a exigir mais e mais daqueles que se cadastram para
dirigir? Por que razão o MPT não considera que existe vínculo de emprego entre locador de imó-
vel e AirBnb, mas, contraditoriamente, enfatiza tanto as semelhanças entre esses dois aplicativos,
enquanto representantes da “economia de bico”?
As abordagens dos magistrados, bem como a dos procuradores do MPT, por si só, já indicam
diversas diferenças entre o modelo de negócios da Uber e de empresas como Facebook, AirBnb,
Google etc. Mas tanto as sentenças quanto o relatório do MPT acabam enfatizando as semelhanças
do trabalho do motorista de aplicativo e dos usuários de AirBnb.
(21) BlaBlaCar é a maior comunidade de caronas de longa distância do mundo. Disponível em: <www.blablacar.com.br>.
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 199
No nosso entendimento, porém, ao contrário do AirBnb e do Ohlala(22), que são aplicativos
de “anúncio”, a Uber oferece um aplicativo de prestação de serviços, por isso, precisa criar oferta
e demanda para o seu negócio. Improvável que o aplicativo Ohlala precise criar demanda e oferta
de encontros pagos, por isso, pode atuar como mera ponte entre o casal, sem interferir na livre
negociação entre as partes interessadas.
A propósito, mesmo da perspectiva do consumidor, não há a possibilidade de o usuário
do serviço da empresa Uber contratar, por meio do aplicativo, o motorista que mais lhe agrada,
bem como não há como ele escolher o carro de sua preferência e sequer pode negociar o valor da
corrida com os motoristas. Isto é, o consumidor contrata a empresa Uber, que, por sua vez, lhe
oferece serviço que concorre com os demais da área de transportes.
Vê-se, portanto, que os motoristas estão integrados ao escopo de atuação empresarial da
Uber, de modo que a a atividade do prossional, enquanto agente autônomo que oferta serviços
ao mercado, ca obnubilada pela atividade empresarial da Uber. Neste sentido, os motoristas são
peças coordenadas pela plataforma digital criada pela empresa, que ao nal, servem de instru-
mento de organização e coordenação das atividades atomizadas de cada motorista singular com o
propósito de prestar um único serviço de transporte. Deste modo, sob o véu da Uber o motorista
torna-se invisível e sua subjetividade e ativação prossional reduz-se ao número de estrelas con-
ferida pelo usuário do serviço e que importará em consequências advindas, não do consumidor
do serviço, mas da Uber.
A empresa que mantém o aplicativo Ohlala não cobra um percentual de cada encontro entre
usuários do aplicativo e mulheres cadastradas(23). Não há qualquer interferência na relação entre
as partes interessadas. Já, na Uber, o usuário, enquanto consumidor, é atraído pela marca Uber
e pelas promessas produzidas e veiculadas pelos seus setores de propaganda e marketing – que
concentram 25% do total dos empregados da empresa(24). Assim, quem se apresenta no mercado
enquanto produtor, realizador de um serviço é a empresa, não o motorista singular.
A consequência da ênfase nas semelhanças entre Uber e AirBnb como duas espécies do mesmo
fenômeno da propalada “economia compartilhada” é, portanto, a invisibilidade dos motoristas –
que, em regra, são oriundos das classes-que-vivem-do-trabalho(25).
Não perceber tal diferença é não notar a situação de submissão dos motoristas cadastrados na
Uber, que nada tem de parceria com a empresa que é quem dita todas as regras e que, na verdade,
são alijados de qualquer proteção social.
(22) Aplicativo de “paquera”, em que mulheres podem anunciar que estão interessadas em cobrar por encontros. :
GOMES, Larissa. Liberdade sexual ou prostituição? App de paquera permite que mulheres cobrem por encontro. Marie
Claire. Disponível em: -
cao-app-de-paquera-permite-que-mulheres-cobrem-por-encontro.html>. Acesso em: 31 mar. 2017.
(23) UOL. . Disponível em:
br/comportamento/noticias/redacao/2016/11/17/aplicativo-de-paquera-permite-que-mulheres-cobrem-por-encontro-a-
moroso.htm>. Acesso em: 3 fev. 2017.
(24) “A este propósito vale mencionar um dado extremamente signicativo: segundo a relação dos seus atuais em-
pregados, contida nos autos eletrônicos do Inquérito Civil 001417.2016.01.000/6, promovido pelo Ministério Público
do Trabalho da 1ª Região, de um total de 105 (cento e cinco) empregados formalmente contratados pela Uber do Brasil
Tecnologia, 24 (vinte e quatro) ocupam o posto de “gerentes de marketing”, vale dizer, quase 25% do total” — Minas
Gerais, 2017a. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Processo n. 0011359-34.2016.5.03.0112. Autor: Rodrigo Leo-
nardo Silva Ferreira. Réu: Uber do Brasil Tecnologia Ltda. 13.2.2017.
(25) ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a armação e a negação do trabalho. São Paulo: Boi-
tempo, 2009.
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200
Guilherme Guimarães Feliciano; olívia de Quintana FiGueiredo PasQualeto (orGanizadores)
Assim, acentua-se a tendência da precarização das relações de trabalho, ampliando-se as
modalidades de contratação que fogem da proteção , aumentando a informalidade,
que no contexto do mercado de trabalho brasileiro revela-se como estrutural.
Diante da percepção da diferença existente entre o modelo de negócios da Uber, em com-
paração com as demais empresas relacionadas com a economia compartilhada e com a chamada
tecnologia disruptiva, resta a seguinte questão, a ser desenvolvida nas próximas etapas da pes-
quisa: apesar da economia compartilhada ter um evidente potencial para trazer melhorias para
a sociedade como um todo, é admissível que em nome dessas novidades ocorra exploração de
trabalho de uma massa, à margem de qualquer sistema de proteção trabalhista e direito social?

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Ltda. 31.1.2017.
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MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO (Ministério Público do Trabalho). 
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brem-por-encontro-amoroso.htm>. Acesso em: 3 fev. 2017.
6219.1 O Trabalho Além do Direito do Trabalho.indd 201 13/08/2019 16:35:45

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