O 'descobrimento' do Brasil e os antecedentes históricos ao início da aplicação do regime sesmarial

AutorAlbenir Itaboraí Querubini Gonçalves
Páginas47-58

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O "descobrimento" das terras do Brasil foi resultado dire-to da expansão marítima europeia que se iniciou no Século XV, na qual Portugal ocupou uma posição de vanguarda, decorrente de uma série de fatores que lhe foram favoráveis: posição geográfica, condições técnicas e econômicas, organização e estabilidade política, apoio da Igreja, ausência de guerras, etc1.

A expansão marítima portuguesa iniciou-se com a conquista de Ceuta no Norte da África em 1415, dando-se por etapas, que seguiam momentos e interesses definidos que, conforme arno WEHLING e maria José WEHLING2, seriam: a) o Norte da

África, com a conquista de Ceuta (1415) e Arzila (1471); b) as ilhas do Atlântico, a partir da década de 1420, com a ocupa-

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ção da Ilha da Madeira (1418), Porto Santo (1418) e Açores (1427); c) a exploração do litoral africano, da década de 1420 até 1450, em que chegou à atual Serra Leoa; e, d) plano sistemático para atingir as Índias pela rota marítima iniciado a partir de 1474, cujo sucesso se deu com a chegada de Vasco da Gama a Calicute em 1498. O descobrimento do Brasil, em 22 de abril de 1500, está inserido nos planos de Portugal em estabelecer novas rotas marítimas ao Oriente, sendo considerado o grande feito das descobertas portuguesas juntamente com a chegada de Vasco da Gama à Índia.

O "descobrimento" do Brasil é fato que pode ser estudado a partir de vários aspectos e enfoques que vão além do importante viés histórico, dada a sua importância enquanto fato econômico, social, cultural, político, geográfico, jurídico, etc. Nesse sentido, interessa-nos para os fins do presente estudo, qualificar o Descobrimento do Brasil como fato desencadeador de uma série de problemas e desafios ao Direito Português, especialmente com relação ao regime jurídico das terras descobertas.

Porém, enganam-se aqueles que pensam que as questões jurídicas envolvendo as terras brasileiras surgem apenas a partir da chegada da frota comandada por Pedro Álvares Cabral, em 22 de abril de 1500. Antes desse fato, já existia uma disputa entre os Reinos de Portugal e Espanha originada desde antes do Descobrimento da América em 12 de outubro de 1492, que dizia respeito aos limites territoriais e ao reconhecimento dos direitos sobre as terras já descobertas ou por serem descobertas por aqueles países3. Especificamen-

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te, no que dizia respeito às terras do Brasil, antes mesmo do seu descobrimento, já havia a Segunda Bula Inter Coetera do Papa Alexandre VI, de 4 de maio de 1493, e o Tratado de Tordesilhas, de 7 de julho de 1494.

Pela Segunda Bula Inter Coetera do Papa Alexandre VI, a Igreja reconhecia em favor do rei e da rainha de Caste-la, Leão, Aragão, Sicília e Granada o direito sobre todas as ilhas e as terras firmes descobertas ou a serem descobertas em direção ao Ocidente, a contar da linha de cem léguas de Açores e Cabo Verde4. A importância da Segunda Bula Inter

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Coetera está no fato de que, segundo os seus termos, todas as terras que compõem o atual território brasileiro seriam de titularidade exclusiva do reino espanhol. A distância fixada na referida bula foi modificada a partir de um tratado firmado em 7 de junho de 1494 entre D. Fernando e D. Isabel, rei e rainha de Castela, de Leão e de Aragão, e D. João II, rei de Portugal e dos Algarves, na cidade castelhana de Tordesilhas.

Pelo Tratado de Tordesilhas, todas as terras localizadas à direita da linha fixada a contar de 370 léguas à direita das ilhas do Cabo Verde pertenceriam a Portugal e, por sua vez, todas as terras à esquerda da referida linha pertenceriam à Espanha5.

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Enfim, o Descobrimento do Brasil se dá oficialmente em 22 de abril de 1500, com a chegada da frota comandada por Pedro Álvares Cabral no local hoje correspondente a Porto Seguro no Estado da Bahia.

O Descobrimento do Brasil representou um fato de grandes dimensões e que trouxe problemas jurídicos complexos para o Direito português. O primeiro efeito jurídico do descobrimento é que toda a terra descoberta passou imediatamente a incorporar o patrimônio da Coroa Portuguesa, por decorrência do direito reconhecido internacionalmente pelas bulas e tratados referidos antes. Por tal motivo, todas as terras brasileiras em sua origem eram terras públicas, primeiro pertencendo à Coroa portuguesa e, após, ao Império do Brasil. Surge, então, um dos primeiros grandes desafios ao Direito português: qual é a norma jurídica a ser aplicada nesse novo território? Existiam no Direito português ferramentas jurídicas aptas à nova realidade, capazes de dar soluções às

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questões referentes à exploração e colonização da terra? As experiências dos modelos anteriores serviriam também para o Brasil?

Em resposta aos questionamentos acima, não existiam instrumentos jurídicos e respostas imediatas que solucionassem os problemas jurídicos referentes às terras brasileiras, especialmente quando do momento de seu descobrimento, tal como uma lei prévia específica para regulamentar as terras descobertas e conquistadas no além-mar. Além disso, paralelamente, existiam outras questões que se sobrepunham em relevância às questões jurídicas, principalmente as de ordem econômica, que refletiram diretamente na conveniência e oportunidade de a Coroa portuguesa explorar e colonizar as terras brasileiras. Nesse sentido, basta imaginar que a exploração do território brasileiro demandava altos custos para a implantação de empreendimentos pela iniciativa pública, consideradas as grandes dimensões territoriais brasileiras, somado ao fato de a Coroa portuguesa não dispor de recur-sos financeiros para promover a colonização do Brasil por já possuir, naquele momento, diversos outros empreendimentos que se estendiam das Ilhas do Atlântico, pela Costa Africana, passando pela Índia e alcançando o Continente Asiático.

No entanto, o fato de não existirem, no momento do descobrimento do Brasil, instrumentos jurídicos específicos sobre o regime jurídico das suas terras descobertas além-mar, não significa que o Direito Português deixou de dar respostas aos problemas que surgiam...

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