Descapacidade, Incapacidade e Invalidez

AutorJorge Paulete Vanrell
Ocupação do AutorMedicina, Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais e Licenciatura Plena em Pedagogia
Páginas33-43

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1 Esboço histórico

Analisando os alvores dos agrupamentos de hominídeos, quando os seres humanos passaram a viver em associações grupais, pode observar-se que cada um dos integrantes do grupo social – a tribo – tinha um valor, para o conjunto, para a comunidade, que se relacionava não apenas às suas possibilidades de viver gregariamente mas, e principalmente, com as suas possibilidades de intercambiar ações, de trocar experiências, de realizar operações úteis ao conjunto, isto é, à “sociedade”.

Com o correr do tempo, os integrantes de uma tribo vão sofrendo modificações nas suas possibilidades de interagir. O aparecimento de outros membros no grupo, membros de idades diferentes – crianças, jovens, adultos, de aptidões diversas, de hábitos distintos, notadamente quando provenientes de outras tribos –, fatalmente cria diferenças que se acentuam progressivamente, mas que ao mesmo tempo valorizam as aptidões de cada um.

Toda vez que um membro do agrupamento social, pelas razões mais diversas, tem um enfraquecimento, uma diminuição de suas capacidades ou aptidões dentro do contexto tribal, ele passa a carecer de um tratamento especial dos seus associados para conservá-lo ativo, prestando sua colaboração ao grupo, contribuindo, com as forças que lhe restam, para que sua presença seja útil.

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Quando esse enfraquecimento, essa diminuição de suas aptidões é decorrente da ação de um membro de outro grupo, de outra tribo, que é responsabilizado pelo estabelecimento desse desequilíbrio de forças, necessariamente se cria uma reação natural visando à restituição “statu quo ante damnum”, e, se tal for impossível por tratar-se de lesão irreversível, pelo menos a restituição é feita mediante uma ação que repare o dano.

O modo e a forma dessa reação natural – a reparação do dano – a referido desequilíbrio de forças têm tido formas diversas ao longo do tempo.

2 Descapacidade e invalidez

Dois conceitos devem ser esclarecidos, desde o começo, porquanto serão objeto dos estudos que constituirão esta obra: descapacidade e invalidez.

2. 1 Descapacidade

É a limitação de uma ou várias funções orgânicas, intelectuais ou psíquicas que acarretam a diminuição, parcial ou total, das aptidões da pessoa, no terreno físico, intelectual e/ou mental, para determinada atividade.

2. 2 Invalidez

É a impossibilidade de trabalhar – seja por causa de idade, doença física ou mental, mutilação ou paralisia –, tornando a pessoa imprestável, inutilizando-a para o desempenho de alguma função produtiva ou rentável.

3 A restituição do equilíbrio

Imperiosa a necessidade de restabelecer o equilíbrio das forças de trabalho e da importância das pessoas dentro do grupo – mesmo nas sociedades primitivas –, pois que de outra forma o grupo se veria diminuído em relação aos demais grupos. Essa é a raiz da exigência

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de procedimentos que permitem avaliar a descapacidade funcional e a invalidez de uma pessoa.

Em um primeiro momento avaliar o dano, para, em um segundo momento, exigir a reparação do dano, o ressarcimento.

4 A restituição do equilíbrio através do talião

À época – por volta do século XX a.C. – os grupos sociais viviam em um ambiente mágico e religioso. Todas as adversidades – como a peste, a seca, as inundações, enfim, todos os fenômenos “maléficos” – eram vistas como resultantes das forças divinas. Para conter a ira dos deuses criaram-se várias proibições, e estas, se não obedecidas, resultavam em castigo. A desobediência do infrator levava a coletividade a punir a infração, surgindo assim o crime (desobediência à norma) e a pena.

Inicialmente, o castigo se pagava com o sacrifício da própria vida ou com a oferenda de objetos valiosos aos deuses. A pena significava simplesmente a vingança, com o intuito de revidar a agressão sofrida. A preocupação em castigar não se dava pelo sentimento de ofensa à pessoa que sofrera a agressão, e sim pela preocupação em se fazer justiça. Isso porque, quando um crime era cometido, ocorria a reação não só da vítima como de seus familiares e também de toda a sua tribo, e a ação contra o ofensor era tão desmedida que não se destinava só ao infrator, mas a todo o seu grupo. Caso o transgressor fosse membro da tribo, poderia ser expulso, ficando à mercê dos outros grupos, o que acabaria resultando na morte. Se o delito fosse praticado por um membro de outra tribo, a vingança era de sangue, uma obrigação religiosa e sagrada, resultando numa guerra entre o grupo do ofendido contra o grupo do ofensor.

Visando evitar a dizimação dos povos, surgiu uma variedade de apenamento – o talião1– que limitava a reação à ofensa a um castigo do agressor, rigorosamente proporcional ao dano que causara (“olho por olho, dente por dente”).

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O instituto do talião foi seguido em várias ordenações jurídicas e representou um grande avanço, por reduzir a abrangência da ação punitiva.

O Código de...

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