Os desafios de uma codificação dos direitos do consumidor: destaque especial para as iniciativas comunitárias

AutorGuido Alpa
CargoUniversidade de Roma La Sapienza
Páginas96-111
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P A N Ó P T I C A
Panóptica, Vitória, vol. 8, n. 2 (n. 26), p. 72-94, jul./dez. 2013
ISSN 1980-775
OS DESAFIOS DE UMA CODIFICAÇÃO DOS DIREITOS DO
CONSUMIDOR: DESTAQUE ESPECIAL PARA AS INICIATIVAS
COMUNITÁRIAS
Guido Alpa
Universidade de Roma La Sapienza
1. PREMISSAS: OS DIREITOS DOS CONSUMIDORES NA CARTA DE DIREITOS
FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA
A dimensão constitucional dos direitos dos consumidores foi definitivamente consagrada com
a aprovação da Carta de Nice em dezembro de 2000. Atualmente, a Carta de Nice, à qual foi dada
autonomia do texto da Constituição Europeia sob a forma de Carta de Direitos Fundamentais, é
utilizada não mais apenas como documento político, mas também como documento jurídico. É
nela que se fundamentam, hoje, diversas decisões nacionais e da Corte de Justiça1.
Entre os objetivos da União Europeia, a Constituição Europeia estabelece como valor basilar
a dignidade humana (art. I-2) e define que o desenvolvimento sustentável da Europa deve ser
fundado sobre um "crescimento econômico equilibrado e a estabilidade dos preços, uma
economia social de mercado altamente competitiva, que tenha como meta o pleno emprego e o
progresso social" (art. I-3). A Carta dos Direitos Fundamentais reconhece e garante os direitos da
pessoa à integridade física e mental (art. II-63), repetidos sob a forma da proteção à saúde (art. II-
95), do respeito à vida familiar (art. II-67) e dos dados pessoais (art. II-68) e prevê especialmente
para os consumidores a garantia de um "nível elevado de proteção" (art. II-98).
É necessário, neste momento, fazer uma distinção entre as exigências dos consumidores que
dizem respeito aos direitos fundamentais reconhecidos pelas constituições dos países membros e
reafirmados de forma mais ampla na Carta europeia, e os direitos ditos "econômicos" que se
encontram no mesmo patamar que os direitos que se destinam ao "profissional". A Resolução de
1975 sobre os direitos e os interesses dos consumidores já tratava dessas duas categorias de
direitos. Porém, atualmente, a perspectiva mudou: também dentro do Direito Comunitário (que
de fato constitui um sistema em si), é possível doravante utilizar as categorias formais que
1 ALPA, Guido. Codice del consumo e del risparmio. Milano, 1999.
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distinguem as fontes do direito e lhes organizam segundo prioridades, assim como se passa nos
sistemas nacionais.
Nesse sentido, os direitos fundamentais possuem precedência sobre os direitos de natureza
econômica.
Como não é concebível que as políticas da União possam estar em contradição com os
direitos fundamentais reconhecidos pela Carta europeia, estes se tornam um limite à ação
comunitária nessa área. Desse modo, o artigo 153 (ex 129) do Tratado CE - que impõe à
Comunidade o dever de "contribuir" à proteção da saúde, da segurança e dos interesses
econômicos dos consumidores e de levar em conta suas exigências - deve ser relido à luz dos
dispositivos da Constituição Europeia. Da mesma forma que as constituições nacionais, para as
quais se construiu um processo interpretativo de "aplicação direta às relações entre pessoas
privadas", a Carta europeia dos direitos fundamentais pressupõe a aplicabilidade direta das
disposições que ela contém sobre as relações entre pessoas privadas.
A elevação dos direitos da pessoa - entendida como "consumidor" - ao patamar constitucional
europeu possui, portanto, um valor duplo: ela une os órgãos comunitários e os Estados membros
e une também os juízes nacionais, de modo que a Drittwirkung dos princípios reconhecidos e
garantidos pode se fazer diretamente - e não só indiretamente - no âmbito das relações entre
pessoas privadas.
Na gradação de direitos e interesses, se confirma, portanto, a distinção entre direitos que
tocam à pessoa e interesses econômicos que tocam ao consumidor. Todavia, no desenvolvimento
de sua atividade, os profissionais não podem violar os direitos fundamentais. Tal princípio é
reafirmado no artigo II-114 da Constituição, que proíbe a dedicação à uma atividade ou a
realização de um ato que visa à destruição dos direitos e liberdades reconhecidos pela
Constituição.
Mais complexa é a determinação dos meios em favor do consumidor. O acervo comunitário é
alcunhado a esse respeito e, em cada sistema nacional, os meios são regidos de forma distinta.
Será, portanto, necessário distinguir entre os meios cabíveis nos níveis comunitário e nacional. É
nessa linha que devem se concentrar os organismos de proteção ao consumidor e os organismos
representantes das profissões jurídicas que se dedicam à defesa dos direitos da pessoa.

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