Os desafios de Ensinar Metodologia de Pesquisa Empírica no Direito

AutorFabiana Luci de Oliveira
Páginas69-104
Os desafios de Ensinar Metodologia de Pesquisa Empírica no Direito
FABIANA LUCI DE OLIVEIRA1
1) A concepção do ensino de pesquisa em Direito
O objetivo deste artigo é fazer um breve relato sobre a experiência recente que
vivenciei ao lecionar Metodologia de Pesquisa Empírica e Estatística Elementar
aos alunos do primeiro semestre do curso de direito da FGV DIREITO RIO.
Apresentarei, na primeira parte, os três principais desa os. Na sequência, co-
mentarei os resultados alcançados durante a disciplina.
O desa o inicial de quem se propõe a realizar essa tarefa consiste em supe-
rar um paradigma fortemente estabelecido no campo do direito, que concebe a
pesquisa jurídica como teórica, doutrinária, dogmática ou jurisprudencial. Essa
concepção dominante volta a atividade de pesquisa para a análise crítica de teses
doutrinárias ou dos signi cados das normas jurídicas abstratas. A metodologia
que orienta esse tipo de pesquisa, por sua vez, consiste basicamente em levanta-
mento bibliográ co e mapeamento de casos e de decisões judiciais.
Considero que essa é uma visão limitada sobre o potencial da pesquisa jurídica
e de sua metodologia. Meu objetivo, portanto, era ensinar aos alunos algo diferente:
uma metodologia voltada para identi car questões relevantes do mundo do direito;
metodologia esta baseada na coleta, resumo, interpretação e modelagem de dados.
Dito de outra forma, meu objetivo era desenvolver junto aos alunos o conhecimen-
to das ferramentas voltadas à formulação de problemas jurídicos empiricamente
veri cáveis e ao tratamento de fatos, atos e atividades que concretizam o Direito
na vida em sociedade. Isto signi ca trabalhar uma forma de produção de conheci-
mento cientí co abordando o processo integral da pesquisa, desde a identi cação e
construção de um problema de natureza teórica ou prática, passando pela formula-
ção de hipóteses a serem testadas, pela construção de instrumentos de coleta dados,
a coleta em si, até a análise destes dados e a comunicação crítica dos resultados.
Em suma, o objetivo do curso era conceber a pesquisa jurídica também sob
a perspectiva empírica, ou seja, baseada em observações sistemáticas da reali-
1 Professora e coordenadora de pesquisa do Centro de Justiça e Sociedade da FGV DIREITO RIO.
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dade e na utilização de dados para registrar essas observações, com o intuito de
descrevê -la, explicá -la e compreendê -la. Importante frisar que quando falamos
em pesquisa empírica, esta pode ser de natureza quantitativa (com o objetivo
de quanti car evidências empíricas e modelar dados, possibilitando inferências;
focada em traduzir em números opiniões e informações) ou qualitativa (com
o objetivo de aprofundar e dar voz, focando em evidências empíricas sobre va-
lores, crenças e representações; não foca em generalizações, tendo um aspecto
mais exploratório).
Embora a pesquisa empírica possa ser tanto quantitativa quanto qualita-
tiva, neste curso priorizei a abordagem quantitativa — uma vez que o objetivo
era também ensinar estatística elementar.
O enfoque quantitativo implicou em superar uma barreira a mais — além
da concepção dominante de pesquisa em direito desprestigiar a abordagem em-
pírica, a maioria dos que se distanciam dessa concepção e adotam metodologias
empíricas tende predominantemente a utilizar metodologias qualitativas.
O desprestígio que a abordagem empírica tem no campo do direito  ca
bastante evidente quando se observa que a vasta maioria dos cursos jurídicos de
pós -graduação no Brasil não possui tradição em pesquisa empírica, não existin-
do nem mesmo em sua grade disciplinas voltadas para a metodologia de pes-
quisa empírica. Essa constatação foi feita por Maria Tereza Sadek2 em pesquisa
realizada em 2002 sobre estudos realizados sobre o sistema de justiça (2002:
255). Observa -se, ainda, naqueles cursos que oferecem disciplinas de metodo-
logia de pesquisa, que usualmente nada mais fazem do que abordar as regras da
ABNT e a estrutura da comunicação acadêmica escrita.
Rompida a barreira inicial da concepção de pesquisa jurídica, o segundo
desa o consiste nas possibilidades e limites de desenvolver junto aos alunos as
competências essenciais para o processo de desenho, planejamento, realização e
interpretação dos resultados de uma pesquisa empírica.
Ao aprendizado destas competências chamo de “treinamento em metodo-
logia de pesquisa”. Tal aprendizado implica na aquisição de conhecimentos e
habilidades voltados para a construção do problema de pesquisa, para a seleção
de conceitos, sua transformação em variáveis, a operacionalização dessas vari-
áveis e, consequentemente, a formulação de hipóteses, o desenho de técnicas
de coleta e observação de dados, assim como algumas técnicas de análise. Esses
conceitos básicos de estatística ou “jurimetria” consistem em nada mais do que
a estatística aplicada ao direito.
2 SADEK, Maria Tereza (2002). “Estudos sobre o sistema de justiça”. In: MICELI, Sérgio (2002). O que
ler na ciência social brasileira. Volume IV. São Paulo: Editora Sumaré.
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É evidente que não ambicionei em um único curso ensinar tudo o que o
aluno precisa saber sobre técnicas de pesquisa e metodologias empíricas, mas
sim prepará -lo para saber como aprender a identi car e decifrar o que precisa
saber, e assim, buscar aprofundamento sobre o tema.
O curso procurou despertar no aluno o interesse pela pesquisa e a valori-
zação da lógica e das ferramentas empíricas. Ressalte -se que estas ferramentas
servem tanto para a atividade acadêmica quanto para a atividade prática do
pro ssional do direito.
Outro ponto importante é que existe uma diferença fundamental entre
a prática pro ssional e a pesquisa acadêmica. A diferença entre o advogado
praticante e o acadêmico é que o primeiro busca defender uma causa, ou uma
tese. Ele se posiciona como “advogado da hipótese”, ou seja, ele busca sustentar
e defender a validade ou veracidade da sua tese e não testá -la. Já o “advogado
acadêmico” busca submeter à veri cação uma hipótese, o que implica em que
tal hipótese possa ser comprovada ou refutada.
Segundo o sociólogo Eliot Freidson (1998),3 essa diferenciação se dá não
apenas no direito, mas em todas as pro ssões, e é orientada a partir das ativi-
dades desenvolvidas pelos pro ssionais. As pro ssões se diferenciariam interna-
mente em administradores (que determinam como e onde os praticantes podem
atuar —no caso do direito temos, por exemplo, a OAB); praticantes (que divul-
gam a pro ssão, se relacionando diretamente com os clientes — juízes, promo-
tores, advogados etc.) e acadêmicos (que produzem o conhecimento abstrato e
formal no qual a pro ssão se apoia — juristas, professores). Muitas vezes um
mesmo pro ssional faz parte de mais de um destes grupos, podendo inclusive
ser administrador, praticante e acadêmico ao mesmo tempo. Em nosso curso,
tratamos da linguagem, dos métodos e das técnicas utilizadas por acadêmicos.
Nas palavras de Lee Epstein e Gary King (2002), a diferença entre o prati-
cante e o acadêmico é a seguinte:
Enquanto um acadêmico é ensinado a submeter a sua hipótese a
todos os testes e fonte de dados possíveis, buscando todas as provas e
evidências possíveis contra sua teoria, um advogado praticante é ensina-
do a acumular todas as provas para comprovar a sua hipótese e desviar
a atenção de qualquer coisa que possa ser vista como uma informação
contraditória. Um advogado que trata um cliente como uma hipótese
seria expulso, um acadêmico que defende uma hipótese como um clien-
te seria ignorado. (Epstein and King, 2002: 9 -10)
3 FREIDSON, Eliot. O renascimento do pro ssionalismo. São Paulo: Edusp, 1996.

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